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3. O MOVIMENTO DE JUSTIÇA GLOBAL COMO ATOR NÃO

3.1.3 Contornos do Movimento de Justiça Global

3.1.3.3 Características

O Movimento de Justiça Global apresenta características que o tornam peculiar e representam inovação na arena política e na esfera da sociedade civil.

Tais características desenham o movimento como fenômeno muito distinto que, de forma inédita, contém o globo em toda a sua diversidade. Como primeira característica, pode-se indicar a globalidade, no sentido de que se configura como um movimento social de caráter global. Essa qualidade lhe é atribuída não somente porque suas mobilizações ultrapassam o local, mas porque seu objetivo é estar no global, admitindo que qualquer forma de resistência precisa moldar- se aos contornos contemporâneos, quais sejam, globalizado e em rede. Numa outra perspectiva, de fato não é possível admitir que ele atua igualmente em todas as partes do globo e representa os anseios de todas as populações do planeta. Mas, não se pode renunciar à ideia de que suas reivindicações partem de um propósito maior e mais amplo de justiça, sem exclusão das várias facetas que a própria noção de justiça pode assumir em cada localidade.393

Esse plano de integração de variados grupos sociais, sob uma mesma bandeira de alteração do status quo, conduz à segunda característica, ou seja, a diversidade. Segundo Khris Mattar, ela é inerente ao movimento, bastante visível e concretiza-se em três níveis.

O primeiro refere-se à diversificação de questões e demandas presentes nas pautas de discussão, que incluem desigualdades, pobreza e exclusão, degradação do meio ambiente, gênero, racismo, guerras e imperialismo, controle imigratório, dívidas dos países pobres, entre

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SCHERER-WARREN, Ilse. Redes emancipatórias: nas lutas contra a exclusão e por direitos humanos. Curitiba: Appris, 2012. p. 25 e 31.

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outros.394 Verifica-se, junto com a existência de grande variedade de temas, a flexibilidade para a inserção de novos e distintos assuntos, sendo esse um movimento social cuja identidade dos membros constrói- se de maneira fluida e nos termos da oposição aos efeitos negativos da globalizacão neoliberal. Maria da Glória Gohn esclarece, nesse sentido, que

a maioria das organizações que o compõem não é precisamente contra a globalização em si; várias facções do movimento reconhecem que a globalização é um dado momento do processo histórico contemporâneo. O que essas facções constestam é a forma como a globalização se processa. O que une as várias entidades/organizações e suas facções num só movimento é o fato de todos serem contra a parcela do status quo vigente que legitima uma ordem socioeconômica e moral de injustiças, criando grandes distância entre ricos e pobres, incluídos e excluídos. Recusa-se a imposições de um mercado global, uno, voraz. Contestam-se também os valores que impulsionam a sociedade capitalista, alicerçados no lucro e no consumo de marcadorias supérfluas.395

O segundo nível alude à diversificação de participantes, com a ação de indivíduos, coletividades, organizações e movimentos sociais detentores de diferentes crenças políticas e ideológicas. George Monbiot explica que “neste movimento, marxistas, anarquistas, estatistas, liberais, libertários, ambientalistas, conservadores, reacionários, animistas, budistas, hindus, cristãos e mulçumanos encontraram um lar, esqueceram suas diferenças a fim de combater seus inimigos comuns.”396

E o terceiro nível de diversificação, por fim, manifesta-se exatamente no que se relaciona a essa distinção de opiniões dentro do

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MATTAR, Khris. Op. cit., p. 110.

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GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais antiglobalização: de Seatle/1988 a Nova York/2002. In: GOHN, Maria da Glória (Org.). Movimentos sociais no início do século XXI: antigos e novos atores sociais. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 2011. p. 35-36.

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MONBIOT, George. A era do consenso. Tradução Renato Bittencourt. Rio de Janeiro: Record, 2004. p. 23.

movimento. Assim formado, nele estão contidas muitas abordagens a respeito dos problemas vivenciados e suas respectivas soluções. Até o momento, o que as integra é a crítica ao projeto econômico neoliberal, à natureza antidemocrática das instituições internacionais – especificamente o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio – e ao poder crescente das corporações transnacionais, que suplantam funções do Estado e a garantia de direitos fundamentais dos cidadãos.397 No entanto, essas diferenças não deixarão de produzir resultados e, de acordo com Monbiot, serão bastante evidentes quando chegar a hora de reunirem-se em torno de desfechos e programas concretos.398

A razão pela qual conseguimos até agora evitar esse tipo de conflito é que temos nos permitido acreditar que podemos lidar simultaneamente com centenas de propostas globais sem dispersar nosso poder. Temos imaginado que somos capazes de enfrentar o poder consolidado de nossos oponentes com uma mixórdia de ideias contraditórias.399

A multiplicidade de demandas, participantes, crenças políticas e entendimentos acerca do processo de globalização dá vida ao Movimento de Justiça Global, fundado em uma vasta conexão de redes, o que representa sua terceira e última característica.400 Em termos organizacionais, o movimento conforma-se como uma rede de relações aberta e flexível. Seus integrantes operam em redes e conectam-se pela rede, numa associação entre a ampliação do alcance da ação coletiva e a estrutura fornecida pelo avanço tecnológico. Dentro desse espaço não há lideranças e hierarquias, o poder encontra-se descentralizado e os focos de resistência dispersos, contudo, é sempre possível realizar uma rápida junção devido à instantaneidade dos meios de comunicação e informação.

397

MATTAR, Khris. Op. cit., p. 111.

398

MONBIOT, George. Op. cit., p. 23-24.

399

Idem, p. 24.

400

As três características elencadas neste tópico retratam o resultado da pesquisa realizada por Khris Mattar, na qual, conforme expõe a própria autora, foi possível encontrar certo consenso entre os autores pesquisados. Foram abordadas por estarem em consonância com os objetivos deste estudo. Ver: MATTAR, Khris. Op. cit., p. 113.

Verifica-se, então, que o movimento apresenta fronteiras expansíveis, não restritas ou fechadas, de modo que qualquer indivíduo ou grupo social poderá envolver-se com seus objetivos, aderir aos seus propósitos de resistência, interagir com os demais participantes e, consequentemente, ingressar nessa rede. Khris Mattar esclarece que, por não se constituir como um modelo estruturado de cima para baixo, mas horizontalmente, todos os que nela ingressam têm a contribuir com suas próprias experiências e criatividade.401

Compondo uma rede de redes, o movimento tem nos recursos tecnológicos suas ferramentas estratégicas, empregadas tanto na estruturação coletiva quanto na mobilização das ações. Assim sendo, a Internet caracteriza-se como o principal instrumento de comunicação e elaboração de agendas, sendo, ainda, o lugar no qual muitas das ações se realizam.402 Segundo Castells, o ciberespaço é hoje um terreno disputado, tornando-se “[…] uma ágora eletrônica global em que a diversidade da divergência humana explode numa cacofonia de sotaques.”403 Dito isso, observa-se que o Movimento de Justiça Global não é somente uma rede relacional, “é uma rede eletrônica, é um movimento baseado na Internet. E como a Internet é seu lar, não pode ser desarticulado ou aprisionado.”404

3.2 O PROTAGONISMO DO MOVIMENTO DE JUSTIÇA GLOBAL