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Capítulo II – A invalidade do contrato administrativo.

3. Regime da invalidade

3.3. A redução e a conversão

O número 3 do artigo 285.º do CCP estabelece que “[t]odos os contratos pú-

blicos são susceptíveis de redução e conversão, nos termos do disposto nos artigo s 292.º153 e 293.º154 do Código Civil, independentemente do desvalor jurídico.”.

O legislador preferiu, nesta sede, introduzir o conceito legislativo de contratos

públicos, à semelhança do que também consta do número anterior. Esta opção pode

ser criticável por dois motivos essenciais: em primeiro lugar, porque se concretiza no âmbito de um regime de invalidade que, por constar da Parte III do Código, se apli- cará, geneticamente, aos contratos administrativos155. A referência, na previsão da norma, aos contratos públicos implica que, facialmente, o regime da invalidade pre- sente na Parte III do Código não se aplique aos contratos administrativos que não sejam, também eles, contratos públicos. Entendemos, assim, que se deverá aplicar analogicamente o regime do artigo 285.º aos contratos administrativos que não sejam contratos públicos, por força do número 4 do artigo 280.º do CCP.

Em segundo lugar, porque não é seguida nos restantes preceitos que regulam a invalidade do contrato, maxime, nos artigos 283.º e 284.º, em que se utiliza, simples- mente, o termo contratos. Ora, por contratos, tal como o termo surge nos artigos 283.º e 284.º, deverá entender-se aqueles a que se aplicará a Parte III do CCP, uma vez que são a esses que este regime se pretende dirigir. Ora, a Parte III do CCP, ao consagrar o Regime Substantivo dos Contratos Administrativos, aplicar-se-lhes-á apenas a estes. Assim, o regime dos artigos 283.º e 284.º aplicar-se-ão apenas aos contratos adminis- trativos, o que significa a exclusão dos contratos que, sendo contratos públicos, não sejam contratos administrativos156.

153 Dispõe a referida norma que “[a] nulidade ou a anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada.”

154 De acordo com o supra citado preceito “[o] negócio nulo ou anulado pode converter-se num negócio de tipo ou conteúdo diferente, do qual contenha os requisitos essenciais de substância e de forma, quando o fim prosseguido pelas partes permita supor que elas o teriam querido, se tivessem previsto a invalidade.” 155 Não obstante a maioritária coincidência entre os contratos que, sendo públicos, serão também adminis-

trativos, tratam-se de conceitos com âmbitos diversos cujo tratamento mereceu uma divisão sistemática perante o legislador.

156 O que é, aliás, compreensível, na medida em que as referidas normas se inserem na Parte do Código que

Em conclusão, verifica-se uma inconsistência sistemática nas normas que dis- ciplinam a invalidade dos contratos da Administração, na Parte III do CCP. Com efeito, e como se demonstrou, parte das normas que disciplinam a invalidade desses contratos aplicar-se-ão apenas a contratos administrativos e parte das normas aplicar- se-ão apenas a contratos públicos157. Entendemos, face a este quadro legislativo, que a coerência do sistema obriga a que se aplique analogicamente este sistema regente das invalidades a todos os contratos públicos e administrativos, por força de um im- perativo de coerência sistemática.

Retomando o tema da redução e da conversão, importa referir que esta remis- são para o regime do CC constitui um desvio ao regime administrativo da invalidade que se consagrou para os contratos administrativos. Mais concretamente, ao regime da ratificação, reforma e conversão, previsto no artigo 164.º do CPA.

A redução e a conversão são, ambas, corolários do Princípio do aproveitamento dos actos jurídicos158 ou do aproveitamento do negócio jurídico, consagrando a pos- sibilidade de evitar a invalidação total do contrato, independentemente do mesmo se revelar nulo ou anulável. Mas a estes princípios, presentes em qualquer operação de redução ou conversão contratual, junta-se também, face ao tipo de contratos que aqui estão em causa, o Princípio da continuidade do serviço público159.

A redução do contrato, na medida em que significa a expurga de conteúdo inválido do contrato, aproveitando a sobrante parte válida do mesmo, implica e pres- supõe uma invalidade parcial do contrato160 e a subsistência do mesmo sem o

157 Ainda que advoguemos a aplicação analógica do regime da invalidade previsto no artigo 285.º do CCP

para os contratos administrativos que não sejam, também, contratos públicos.

158 Neste sentido, vide JOÃO PACHECO DE AMORIM, A invalidade e a (in)eficácia do contrato administrativo no Código dos Contratos Públicos, in Estudos de Contratação Pública – I, Coimbra Editora, 2008, p. 655. 159 Neste sentido, e admitindo que “(…) nos contratos administrativos a necessidade de assegurar a estabi-

lidade e a continuidade dos serviços públicos é um argumento que milita em favor de uma maior amplitude na admissibilidade das figuras da redução e da conversão.”, veja-se ALEXANDRA LEITÃO, Lições de Direito

dos Contratos Públicos. Parte Geral, AAFDL, 2014, p. 274.

160 Tal não acontecerá quando o objecto do contrato seja contrário à lei ou impossível, tal como bem aponta

Alexandra Leitão. Cfr. ALEXANDRA LEITÃO, Lições de Direito dos Contratos Públicos. Parte Geral, AAFDL, 2014, p. 274.

clausulado inválido, o que supõe uma divisibilidade do seu conteúdo161. Como refere

CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, a respeito do regime no Direito Civil, “[d]iferente-

mente da confirmação e da modificação e tal como a conversão e a integração de invalidade parcial (…), a redução não necessita de qualquer ato de validação, prati- cado por uma das partes ou por terceiro. É uma operação virtual, ainda que frequentemente os seus requisitos resultados sejam verificados por terceiro (o julga- dor)162.” Poderá, no entanto, questionar-se o carácter automático dos efeitos da

redução contratual no âmbito do contrato administrativo, dada a proximidade

deste regime com as figuras da ratificação, reforma e conversão, previstas no artigo 164.º do CPA e para as quais o legislador do CCP também remete163 para regular o regime da invalidade do contrato administrativo.

Essa subsistência poderá, em função da equação económica do contrato, im- plicar uma modificação no clausulado válido remanescente, o que sucederá nos contratos onerosos, quando o objecto da redução se reporte a uma cláusula conforma- dora da prestação de uma das partes, na medida em que existirá, comutativamente, uma redução da contraprestação164.

Neste sentido, surge também uma interessante questão a respeito da redução do contrato administrativo. Sendo a redução um mecanismo de preservação do conte- údo contratual, por meio da expurga de uma invalidade parcial desse mesmo contrato, poderá ser a mesma redução operar unilateralmente pelo contraente público? Ora, caso se responda afirmativamente, então eis um exemplo, muito claro, em que o contraente

161 A este respeito, vide MANUEL DE ANDRADE, Sobre as cláusulas de liquidação de partes sociais pelo último balanço, 1955, pp. 64 e 65: “[o] problema em questão surge quando num negócio jurídico existe um motivo de nulidade que só toca directamente a uma parte do respectivo conteúdo; quando o negócio só quanto a parte do seu conteúdo está em oposição com um preceito legal que tenha como sanção a nulidade. E trata-se de saber se essa nulidade parcial (hoc sensu) ficará circunscrita àqueles elementos do conteúdo do negócio que por ela são directamente atingidos ou contaminará, reflexamente, todos os outros, arras- tando, consigo, portanto, a nulidade total.”, citado por RUI DE ALARCÃO, Invalidade dos Negócios

Jurídicos. Anteprojecto para o novo Código Civil, Separata do Boletim do Ministério da Justiça, n.º 89,

Outubro de 1959, p. 59.

162 Cfr. Contratos. V. Invalidade, Almedina, 2017, p. 268. 163 Cfr. Números 1 e 2 do artigo 285.º do CCP.

164 Veja-se, neste sentido, RUI DE ALARCÃO, Invalidade dos Negócios Jurídicos. Anteprojecto para o novo Código Civil, Separata do Boletim do Ministério da Justiça, n.º 89, Outubro de 1959, p. 61, nota de pé de

público poderia declarar a invalidade de um contrato administrativo. Com efeito, e ainda que apenas o possa fazer parcialmente, é verdade é que caso se admita essa possibilidade, a Administração poderá emitir uma declaração de invalidade sobre um determinado contrato administrativo, invalidando parte do seu conteúdo, de forma a manter a parte contratual não viciada.

Já a conversão pressupõe uma invalidade total do contrato, cuja consequência não será a destruição retroactiva de efeitos, mas será, caso se preencha a previsão do artigo 293.º do CC, a reconstituição do negócio jurídico em outro, de outro tipo con- tratual. A operação de conversão consiste, assim, na “(…) transfiguração de um

contrato inválido num contrato diferente e válido, cujo texto é composto por parte dos elementos do contrato inválido e por elementos integrados, de modo a constituir um conjunto coerente, completo, válido e viável165.”

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