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A REESTRUTURAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO NA ARGENTINA

5 FLEXIBILIZAÇÃO DAS NORMAS TRABALHISTAS E O IDEÁRIO DE

5.3 A REESTRUTURAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO NA ARGENTINA

Da mesma forma que se deu no restante do mundo, a Argentina também experimentou uma série de reformas estruturais destinadas a melhorar o seu desempenho econômico, com medidas que envolviam privatizações de empresas públicas e flexibilização das normas trabalhistas.

Assim como ocorreu na maioria dos países da América Latina, a ideia central desse projeto era impor um pacote de medidas regressivas sobre o mercado de trabalho para, num segundo momento, experimentar um crescimento continuado de emprego, associado ao desenvolvimento econômico.

Daí porque as medidas econômicas foram sempre acompanhadas de um conjunto variado de programas sociais e ações de promoção ao emprego, o que implicou aumento substantivo do custo social.100

Cumpre-se observar, portanto, que os impactos da doutrina neoliberal na Argentina foram bem diferentes do que o foram no Peru e em outros países latino-americanos, a exemplo de Chile e Equador, nos quais a onda neoliberal provocou um conjunto de medidas no mercado de trabalho com graves prejuízos sociais.

Apesar dessa preocupação orquestrada nos campos econômico e social, a verdade é que a recuperação da atividade econômica da Argentina, pós crise da hiperinflação, não redundou na

99 RÍOS, Alfredo Villavicencio. La libertad sindical en el Perú: fundamentos, alcances y regulación. Lima/Peru:

Editor PLADES, abr./2010, p. 129-130. Disponível em: <www.plades.org.pe>. Acesso em: 10 mar. 2019.

100 ALLEGRONE, Verónica García et al. Reformas Laborales y Precarización del Trabajo Asalariado

(Argentina1990-2000). p. 123. Disponível em: <https://www.aacademica.org/agustin.salvia/218.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2019.

criação de postos de trabalho na mesma proporção e qualidade que a abertura ao mercado internacional e modernização econômica destruíram.

Sin embargo, en la Argentina de los años noventa se hizo explícito que el nivel de empleo y el crecimiento económico pueden constituirse en dimensiones independientes una de otra. La recuperación de la actividad económica –post crisis hiperinflacionaria– no redundó en la creación de puestos de trabajo en la misma proporción y calidad que los que la apertura y la modernización destruían.101

No caso argentino, a recessão se agravou no final do ano de 2001. O PIB caiu 10,5%, o consumo 11,3% e o investimento 28,6% em relação ao ano anterior. Além disso, houve um considerável aumento na fuga de capitais.

Ao longo de 2001 retornaram ao exterior cerca de 30 milhões de dólares, correspondendo boa parte deles de empresas que compõem o ranking de maior faturamento. Essa evasão de recursos colocou o sistema em colapso, obrigando o governo a fazer algo semelhante ao experimentado no Brasil na década de 90, no governo Fernando Collor de Melo, proibindo-se os cidadãos de fazer retiradas nos bancos. Todo esse cenário econômico resultou na renúncia do presidente Fernando de la Rúa, em dezembro de 2001.102

O governo Néstor Kirchner iniciou uma nova era na conjuntura político-econômica da Argentina, que resultou num processo de alto crescimento até o ano de 2008. Esse período foi marcado por um projeto nacionalista-desenvolvimentista, cujo centro de seu programa era a recuperação do emprego como eixo articulador de relações econômicas e políticas.103

Foram, assim, adotadas políticas laborais que aumentaram as massas de recursos financeiros disponíveis para os assalariados e aposentados. “No plano econômico, a economia argentina cresceu de forma contínua e teve indicadores favoráveis em matéria de produção, superávit externo e fiscal. No entanto, em 2008, abre-se um período no qual, produto da crise mundial e a oferta distributiva, o crescimento tendeu a diminuir-se. Talvez o dado mais importante

101 ALLEGRONE, Verónica García et al. Reformas Laborales y Precarización del Trabajo Asalariado

(Argentina1990-2000), p. 123. Disponível em: <https://www.aacademica.org/agustin.salvia/218.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2019.

102 BRUNET, Ignasi; PIZZI, Alejandro; MORAL, David. Sistemas Laborales Comparados: las transformaciones de

las relaciones de empleo em la era neoliberal. Barcelona: Anthropos Editorial, 2016, p. 302.

103 BRUNET, Ignasi; PIZZI, Alejandro; MORAL, David. Sistemas Laborales Comparados: las transformaciones de

da década de pós-conversibilidade104 é a recuperação do emprego, que passou de 38,2% em 2003 para 42,2% em 2015”.105

Mais significativo ainda foi o comportamento do índice de desemprego, que passou de 16,3% em 2003 a 5,9% em 2015, o que representa uma queda de 10%, revertendo, desse modo, a tendência imperante na década anterior. A partir desse momento se observa um sistemático descenso dos assalariados não registrados, que passam de 49,2% em 2003 a 34,4% em 2015. A recuperação do emprego registrado teve como consequência um aumento do número de trabalhadores afiliados, de acordo com a Pesquisa de Indicadores Laborais (Encuesta de Indicadores Laborales – eph), elaborada pelo Ministério do Trabalho: a quantidade de trabalhadores sindicalizados em empresas privadas, excluindo o setor primário, cresceu 46% entre os anos de 2005 a 2015.106

No campo do direito sindical, portanto, muitos avanços marcaram essa nova fase.

Na Argentina é possível identificar uma dinâmica de crescimento econômico, sustentada a partir de 2003 até fim de 2015, que permitiu que o sindicalismo argentino recobrasse o protagonismo que havia perdido após duas décadas de reformas neoliberais, dando lugar a uma fecunda literatura que caracterizou as estratégias sindicais em termos de “revitalização.107

Na Argentina, todavia, essa revitalização, no campo do Direito Sindical, teve contornos diferentes dos que ocorreram em outros países, a exemplo do Brasil. “Nesse sentido, tratou-se de sindicatos que, havendo sobrevivido ao neoliberalismo, se adaptaram de forma exitosa a uma nova conjuntura que resultou mais propícia para que se reinstalassem como atores centrais das relações laborais”.108

104 Plano iniciado em 1991 que importou na fixação, durante mais de uma década, de câmbio de 1 peso argentino para

1 dólar americano. A crise do final do ano 2001 resultou em seu abandono.

105 GONZÁLEZ, Cecília Senén; D´URSO, Lucila. Relações Laborais na Argentina logo após o Kirchnerismo:

entre a participação e o retrocesso social (2003-2015), p. 135. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ts/v30n1/1809-4554-ts-30-01-0129.pdf>. Acesso em: 11 mar. 2019.

106 GONZÁLEZ, Cecília Senén; D´URSO, Lucila. Relações Laborais na Argentina logo após o Kirchnerismo:

entre a participação e o retrocesso social (2003-2015), p. 135. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ts/v30n1/1809-4554-ts-30-01-0129.pdf>. Acesso em: 11 mar. 2019.

107 GONZÁLEZ, Cecília Senén; D´URSO, Lucila. Relações Laborais na Argentina logo após o Kirchnerismo:

entre a participação e o retrocesso social (2003-2015), p. 129. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ts/v30n1/1809-4554-ts-30-01-0129.pdf>. Acesso em: 11 mar. 2019.

108 GONZÁLEZ, Cecília Senén; D´URSO, Lucila. Relações Laborais na Argentina logo após o Kirchnerismo:

entre a participação e o retrocesso social (2003-2015), p. 130. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ts/v30n1/1809-4554-ts-30-01-0129.pdf>. Acesso em: 11 mar. 2019.

Mesmo no início da década de 90, o movimento sindical argentino se encontrava relativamente fortalecido, pois vinha de uma década de conquistas políticas e institucionais, do que resultou sua maior expressão para negociar tratativas exitosas com os governos, nas quais foram negociadas concessões recíprocas, mesmo em meio a uma realidade de aumento do desemprego e de reestruturação econômica.

Em troca da adesão às reformas os governos abriram espaços funcionais para a atuação sindical (como a abertura do processo de privatização aos trabalhadores em ambos os países, via destinação de parte das ações das empresas privatizadas a fundos geridos por eles).109

O sistema sindical argentino, pois, não se abrigou em um crescimento político-partidário, tendente a uma projeção eleitoral, aprofundando suas bases numa maior aproximação do Governo como apoio para a satisfação de uma política social voltada para as necessidades reais da classe trabalhadora, equacionando, em cada período, diante das circunstâncias específicas de cada um deles, propostas tendentes a arrefecer os efeitos das crises ou amplificar as possibilidades em momentos de crescimento econômico.

E, dessa forma, caminhou ao lado do próprio governo, sendo apoio para este e com ele estabelecendo o necessário diálogo para negociação. “Isso explica por que o kirchnerismo, tão heterodoxo em outras áreas, tenha sido extremamente conservador em termos de política sindical, mantida nos padrões históricos de tensa heteronomia”.110

Nessa medida, as negociações coletivas nesse país contam com ampla participação do Estado, desenvolvendo-se, comumente, mediante paritárias, nas quais o governo, por meio do Ministério do Trabalho designa funcionários próprios para presidir cada comissão paritária (sindicato, governo e empresas), assumindo, dessa forma, o papel de conciliador nas negociações, homologando os acordos realizados.

É certo que a participação do Estado não é obrigatória, podendo as entidades sindicais requererem a retirada do Estado das negociações, mas isso não é praxe no modelo local. A participação do Estado nas negociações resulta na classificação desse modelo como tripartite.

109 CARDOSO, Adalberto; GINDIN, Julián. O Movimento Sindical na Argentina e no Brasil (2002-2014). Revista

Sociedade e Estado, v. 32, n. 1, janeiro/abril 2017, p. 15.

110 CARDOSO, Adalberto; GINDIN, Julián. O Movimento Sindical na Argentina e no Brasil (2002-2014). Revista

A Lei das Convenções Coletivas de Trabalho nº. 14.250 confere amplo poder de negociação às entidades sindicais, impondo como limite, para tanto, em seu art. 7º, as disposições emitidas em proteção do interesse geral.

Art. 7° - Las disposiciones de las convenciones colectivas deberán ajustarse a las normas legales que rigen las instituciones del derecho del trabajo, a menos que las cláusulas de la convención relacionadas con cada una de esas instituciones resultarán más favorables a los trabajadores y siempre que no afectaran disposiciones dictadas em protección del interés general. También serán válidas las cláusulas de la convención colectiva destinadas a favorecer la acción de las asociaciones de trabajadores en la defensa de los intereses profesionales que modifiquen disposiciones del derecho del trabajo siempre que no afectaren normas dictadas en protección del interés general.111

Como se vê, a autonomia privada coletiva tem amplo espectro na Argentina, convergindo, pois, com o modelo de liberdade sindical contemplado nos instrumentos internacionais, precisamente nas Convenções da OIT nos 87, 98, 135, 141, 144 e 151, além das Recomendações nos 91, 92, 143 e 149.

A intervenção estatal nesse modelo, entretanto, é consequência lógica da efetiva participação do Estado nas negociações coletivas, dado o método como se desenvolveu o procedimento para tanto nesse país.

Não obstante a participação ativa do Estado no terreno das negociações coletivas de trabalho, afastando a ideia de mínima intervenção estatal nesse país, portanto, não é demais lembrar que essa participação é uma escolha dos atores envolvidos na negociação (sindicatos e empresas). O caminho paralelo trilhado entre sindicatos e governo nesse país, contudo, fez dessa prática a forma mais comumente adotada de negociação, em que o Governo, em regra, opera como um mediador e homologador dos acordos firmados.