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A refundação do PRM e a criação de outros instrumentos de dominação da

No documento vitorfonsecafigueiredo (páginas 97-103)

PARTE I CONTROLE OLIGÁRQUICO, VOTO E COMPETIÇÃO: UMA ANÁLISE

CAPÍTULO 2 A COMPETIÇÃO POLÍTICA EM MINAS GERAIS: UMA ANÁLISE

2.1 A refundação do PRM e a criação de outros instrumentos de dominação da

Apresso-me em declarar, com toda lealdade, como é dever, que minha candidatura não é amparada e nem protegida pelo governo; antes significa um protesto contra sua indébita intervenção em eleições; que substituiu por completo por sua vontade onipotente. Não me propondo ser um representante que tudo apóie incondicionalmente, terei contra mim, bem o prevejo, toda oposição oficial, o bico de pena e outros processos, que soem

aparecer no intuito de falsear as urnas e suprimir a liberdade de voto. Terei ainda contra mim, no caso de não ser esmagado pelas legiões de defuntos e ausentes, as apurações, e finalmente o reconhecimento de poderes, - última ratio das eleições.8

Camillo Soares de Moura Filho

O relato epigrafado foi publicado em 1899 no Jornal do Povo, periódico editado em Belo Horizonte, e que acolheu em suas páginas as reclamações da dissidência mineira ao processo de construção do domínio oligárquico iniciado pelo governador Silviano Brandão (1898-1902) e concluído por seu sucessor, Francisco Sales (1902-1906). Tal processo tinha a refundação do PRM como uma das estratégias para efetivar o controle político sobre o estado, meta necessária em face das instabilidades internas que se refletiram no fraco desempenho de Minas no cenário nacional durante a primeira década republicana.

A falta de coesão dos mineiros entre 1889 e 1900, conforme vários estudiosos9, foi determinante para que o estado, embora detendo o maior eleitorado, uma das economias mais pujantes do país e a maior bancada no parlamento, deixasse de exercer o seu potencial político em âmbito federal. Apesar de a cada legislatura o estado enviar à Câmara Baixa 37 representantes, o que significava nada menos do que 17% do total de vagas da casa legislativa; até 1900, a falta de consenso entre os políticos mineiros neutralizou a força da bancada. Tal situação imputou ao grupo de representantes do estado a pecha de “manta de retalhos”10

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Segundo Resende, a correção desta situação só se processou pelo desenvolvimento de uma estrutura de dominação oligárquica capaz de promover a coesão intrapartidária. Todavia, o processo de obtenção desta coesão não se daria com base apenas na cooperação dos representantes mineiros. Na maior parte das circunstâncias ela foi obtida pelo desenvolvimento de atos enérgicos. Conforme a historiadora, três foram os principais artifícios utilizados para a concretização do domínio oligárquico: a refundação do PRM, a subordinação das municipalidades e o uso da força e coerção11. Os dois primeiros, embora não necessariamente tenham se valido da força para serem implementados, dela se utilizavam em sua operacionalização. A própria historiadora indica que a refundação do PRM se deu pela

8 MANIFESTO ao eleitorado do 3º Distrito. Jornal do Povo, 21 dez. 1899. Apud RESENDE, 1982. p.182. 9

RESENDE, 1982. op.cit.; MARTINS FILHO, Amilcar Vianna. O segredo de Minas: a origem do estilo mineiro de fazer política (1889-1930). Belo Horizonte: Crisálida, 2009.; WIRTH, 1982a. op.cit.; VISCARDI, 1999. op.cit.; VISCARDI, Cláudia M. R. O teatro das oligarquias: uma revisão da “política do café com leite”. 2 ed. Belo Horizonte: C/Arte, 2012.

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ABRANCHES, Dunshee de. Como se faziam presidentes. Homens e fatos do início da república. Rio de Janeiro: José Olympio, 1973. p.181.

conciliação de duas importantes correntes políticas do estado, a de Francisco Sales e a de Bias Fortes, que representavam, respectivamente, as regiões Sul e Centro de Minas, então as áreas mais importantes do estado em termos políticos e econômicos. Conforme pesquisas realizadas por Viscardi, o resultado desta conciliação para os dissidentes foi simples, compactuar com o novo partido ou serem eliminados da cena política12. A historiadora aduz a exclusão da Zona da Mata do processo de recriação do PRM ao fato de vários dos líderes desta região não terem aceitado as manobras que levaram à conciliação Sales-Bias Fortes, além da consequente reorganização do partido. Por isso, os dissidentes caíram no ostracismo ou ficaram fora da política por muito tempo13.

Já a subordinação das municipalidades, conforme o termo evidencia, não foi algo simples. Demandou modificações legais que alteravam a disposição de forças em prol do governo estadual, uma manobra que corrigia o ultrafederalismo mineiro implementado no início da República, e que, ao promover a descentralização, fortalecia lideranças regionais em detrimento das forças do partido e do governo. O resultado de tal descentralização foi a incipiente atuação da bancada mineira no congresso, e a ausência de uma estrutura partidária coesa e disciplinada, características que o Partido Republicano Constitucional/PRC, entre 1893 e 1897, não conseguiu impor.

O terceiro elemento destacado por Resende, a força e a coerção, apesar de presente nos demais, é enumerado pelo fato de ter sido acionado, várias vezes e por diversas formas, ao longo de todo o processo da formação de estrutura de dominação. Segundo a historiadora, a utilização da força pelos governos Silviano Brandão e Francisco Sales esteve relacionada à ausência dos demais componentes, que ainda não estavam consolidados14. Isto é, nos interstícios da norma a força era o que prevalecia. Apesar da construção de todos os instrumentos de dominação, a fraude constituía um recurso que não poderia ser abdicado, já que era o derradeiro trunfo contra as oposições.

Cada um destes elementos ajudou a forjar o domínio oligárquico mineiro, ao passo que representaram uma limitação do espaço e das possibilidades da oposição dentro do estado. A formação do PRM, por exemplo, resultou na constituição de uma rede centralizada e obediente à Executiva, capaz de sufragar os elementos indicados pelos coligados e de atender aos interesses da cúpula oligárquica, o que limitava o mercado político para aqueles que concorriam às eleições como oposição ou extra-chapa. Todavia, a situação não se limitava à

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Cf. RESENDE, 1982. op.cit., p.152-153 e VISCARDI, 1999. op.cit., p.94.

13 VISCARDI, 1999. op.cit. p.94. 14 RESENDE, 1982. op.cit., p.173.

formação das listas de recomendados e à sua capacidade de arregimentar votos. Também pesava o fato de o estado reforçar o controle sobre as municipalidades. É este o ponto que ora nos interessa. A subordinação dos municípios representava o aumento do controle do estado sobre o judiciário, sobre as forças policiais e sobre o processo eleitoral, o que significava a ampliação das possibilidades de cerceamento das oposições.

De acordo com Resende, Silviano Brandão reorganizou a Brigada Policial de Minas e a colocou sob o controle do Secretário do Interior. Além disso, pela Lei 256, de 8 de agosto de 189915, o governo passou a deter autonomia para intervir nos destacamentos locais, dispondo inclusive da capacidade de redistribuir, ampliar ou de reduzir o contingente policial em qualquer cidade. Tais faculdades eram estratégicas, especialmente nos períodos de votação, pois poderiam ser utilizadas contra os opositores.

Outra alteração importante no processo de submissão dos municípios foi o relativo à remoção de juízes. A tarefa, antes atribuição do Tribunal de Relação16, passou a ser responsabilidade de um tribunal especial, composto pelo Presidente do Senado, pelo Presidente do Tribunal da Relação e pelo Chefe do Ministério Público. Como esse último era o Procurador Geral do Estado, ligado diretamente ao governador, a remoção de magistrados ficou sob orientação dos interesses da oligarquia, já que o presidente do senado também era membro da Executiva do PRM.

Por fim, a Lei Nº 5, de 13 de agosto de 190317, também alterava a direção dos trabalhos de alistamento eleitoral, que passaram das mãos dos juízes de paz, eleitos nos municípios, para a dos juízes de direito e dos juízes municipais. Esses últimos eram nomeados pelo estado, desse modo, o governo se assenhoreava dos procedimentos de alistamento, o que constituía uma chave para obstar os votos dos adversários nas eleições. E, caso os juízes fossem contrários, agiria contra eles a possibilidade da remoção.

Estas três modificações são parte de um conjunto maior de medidas, porém são as principais no processo de submissão dos municípios ao estado e, consequentemente, de construção do sistema de controle oligárquico mineiro18. É neste panorama que o epigrafado relato de Camilo Soares de Moura Filho se encaixa. Ainda que ele não tenha se deixado intimidar, ou melhor, eliminar pelo “filtro” da formação da chapa do PRM, pois resolveu

15 MINAS GERAIS. Leis, decretos, etc. Colleção das Leis Mineiras; colleção das Leis e Decretos em 1899.

Cidade de Minas: Imprensa Official do Estado de Minas, 1900.

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Cf. o artigo 63, inciso I da Constituição do estado de Minas Gerais, de 1891, o Tribunal de Relação era um tribunal superior, com sede na capital e com jurisdição em todo o estado. MINAS GERAIS. CONSTITUIÇÕES

do Estado de Minas Gerais – 1891, 19135, 1945, 1947, 1967 e suas alterações. Belo Horizonte: 1988. p.34.

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MINAS GERAIS. Lei nº5, de 13 de agosto de 1903 - Modifica a Constituição do Estado em relação ao Poder Legislativo, ao regime municipal e ao regime eleitoral. In: MINAS GERAIS. 1988. p.58-61.

concorrer como candidato à Câmara Federal de modo independente, ele estava ciente de que estava desamparado ao longo do percurso eleitoral. Moura Filho estava sujeito a fraudes e dificuldades em todo o processo, ou seja, durante a campanha, representadas pela propaganda da oposição oficial; durante o pleito, com o falseamento das urnas e com a restrição da liberdade do voto; na apuração, com o bico de pena e a inclusão de eleitores fantasmas nas atas de apuração; e, por fim, no reconhecimento de poderes, com o julgamento de um possível diploma.

Pelo relato é possível perceber que, até mesmo em termos numéricos, a dificuldade para o candidato não estava nem na primeira e nem na última etapa do processo, mas em sua fase intermediária (votação e apuração). Essa, além de congregar a maior quantidade de obstáculos, impunha ao candidato combates diretos com os adversários, sobretudo nos casos de candidaturas independentes, que contavam com uma limitada rede de correligionários. Esta fase, cujas dificuldades foram reforçadas pela institucionalização de alterações que possibilitaram a utilização dos recursos administrativos, policiais e judiciários controlados pelo estado em prol dos candidatos da situação, reforçava a articulação do sistema coronelista em Minas.

Todavia, a modificação da legislação em prol do processo de estruturação do domínio oligárquico em Minas Gerais não significa que nas demais unidades federativas a fase intermediária do processo eleitoral era menos importante ou decisiva, pelo contrário. Os estados que não conseguiram estabelecer um forte controle de sua elite possuíam um campo de disputas mais amplo em todas as etapas das eleições, inclusive nas que se desenrolavam nos municípios. Este aspecto significa que, diferente de Minas, em que a definição dos resultados possuía forte influência das decisões provenientes da etapa de formação da chapa, nos estados com uma organização partidária menos centralizada as eleições tendiam a ser mais concorridas, e as chances de vitória da oposição superiores. Ainda assim, o controle do PRM sobre as votações não foi uniforme em todo o tempo, e rivalidades provenientes de elementos ou facções descontentes desafiavam a estabilidade da sigla.

No caso mineiro, o que ocorreu entre 1898 e 1906 foi a correção de um experimento que, ao levar ao extremo os ideais de federalização do início da república, promoveu lideranças regionais insubmissas a uma estrutura partidária como o Partido Republicano Constitucional Mineiro/PRC, que se relevou incapaz de exercer controle permanente sobre os seus filiados19. Segundo Resende, o PRC foi criado em 1893 por iniciativa de congressistas

federais liderados por Antônio Olinto dos Santos Pires. A sigla, dirigida por republicanos históricos, acabou agregando outras facções da elite estadual. Em 1897 Silviano Brandão conseguiu retirar Olinto da presidência da agremiação, a extinguiu e recriou o Partido Republicano Mineiro/PRM. Para Resende, o PRC foi uma tentativa de organização partidária que não obteve completo sucesso por dificuldades de conciliação política interna e pelas noções de partido detidas pelas lideranças regionais que o compunham. Essas teriam sobreposto interesses políticos e econômicos à obtenção de uma coesão intrapartidária20.

Esta falta de domínio justifica o fato das eleições de 1897 e de 1900 terem sido duas das quatro que apresentaram o maior percentual de renovação da bancada do estado, 43,2 e 51,3%, respectivamente. Outros percentuais significativos só voltaram a ser registrados em 1921, quando Artur Bernardes promoveu uma renovação dos quadros da oligarquia (51,3%), e em 1930, quando a bancada mineira foi deliberadamente expurgada (54%). Após esta primeira fase da história republicana mineira (1889-1906), a centralização auferida por meio das mudanças legais e da consolidação do Novo PRM restringiu as possibilidades das dissidências em todas as etapas do processo político, o que reduziu os percentuais de renovação, que, em média, ficaram em 37,2%. Ainda assim, isso não significa que o adágio popular estivesse correto, ou seja, que: “fora do PRM não havia salvação”. Era possível, conforme analisado no capítulo anterior, concorrer e ser eleito sem a chancela do partido da situação. Porém, esta situação era relativamente mais difícil em Minas do que em algumas outras unidades federativas, que detinham eleições mais concorridas, pois o jogo político era mais aberto, o que possibilita maior espaço para as disputas.

Em termos nacionais, pesquisas recentes, dedicadas à revisão da interpretação do processo eleitoral no Brasil, têm indicado que o desenrolar do pleito, congregadas as suas etapas preparatórias (alistamento de eleitores e formação de mesas de seção), que aconteciam nos municípios, constituía o momento central da definição das representações21. Sumariamente, para Nicolau, a decisão do processo eleitoral, ao contrário do que tradicionalmente defende a historiografia, ocorria na instância local por dois motivos. O primeiro era o fato de que qualquer indivíduo, mesmo sem ligações partidárias prévias, poderia se candidatar a um cargo eletivo. Não havia restrições legais que transformassem a etapa da candidatura em uma fase de eliminação de postulantes. O segundo estava relacionado

20 RESENDE, 1982. op.cit., p.108.

21 Ver NICOLAU, 2012. op.cit.; RICCI, Paolo. ZULINI, Jaqueline Porto. Partidos, competição política e fraude

eleitoral: a tônica das eleições na Primeira República. Dados – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 57, n.2, 2014a, pp. 443 a 479. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0011- 52582014000200006&script=sci_arttext>. Acesso em: 20 nov. 2014. p.443 a 479.

à análise de dados sobre os processos de reconhecimento de poderes da Câmara Federal. Segundo Magalhães, o número de degolas durante a Primeira República foi muito baixo, o que invalida a noção de que a escolha dos membros do parlamento se dava por processos fraudulentos, operados pela Comissão de Verificação de Poderes22. Sendo assim, o que preponderava na definição dos representantes eram as eleições e todo o seu processo preparatório, ainda que eivado de fraudes, característica interpretada não como algo negativo, mas como elementar a um jogo eleitoral competitivo.

Embora a ideia defendida nesse estudo seja a de que cada uma das etapas da eleição operava a eliminação de candidatos, seja por meios formais ou informais, como o já indicado processo de formação das chapas do PRM, a interpretação destes pesquisadores sobre as vicissitudes do processo eleitoral em âmbito local é pertinente. Ao longo de toda a Primeira República a legislação, apesar de ter avançado na organização e na inserção de novos atores na organização dos pleitos, conferiu às localidades o desenvolvimento de expressiva parcela de intervenção sobre o processo eleitoral. Era nos municípios, por exemplo, que as etapas de alistamento, formação de mesas eleitorais, votação e apuração ocorriam. E, em cada uma destas os candidatos poderiam lançar mão de artifícios capazes de eliminar os concorrentes.

No documento vitorfonsecafigueiredo (páginas 97-103)