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As leis eleitorais

No documento vitorfonsecafigueiredo (páginas 103-106)

PARTE I CONTROLE OLIGÁRQUICO, VOTO E COMPETIÇÃO: UMA ANÁLISE

CAPÍTULO 2 A COMPETIÇÃO POLÍTICA EM MINAS GERAIS: UMA ANÁLISE

2.2 As leis eleitorais

A organização do sistema eleitoral vigente entre 1894 e 1930 para a escolha dos parlamentares federais era complexa e composta por diversas etapas. No entanto, o desafio de formar um parlamento era ainda maior quando se considera que, diferente do modelo eleitoral da atualidade, inexistia à época qualquer órgão responsável pela organização dos pleitos. A justiça eleitoral brasileira só foi criada em período posterior, em 1932. Até essa data toda a dinâmica de escolha dos representantes federais se pautava na delegação de responsabilidades a diversos indivíduos alocados nas instâncias municipal, estadual e federal.

Apesar da ausência de um departamento responsável pelas eleições, isso não significa que não houvesse normas específicas para os pleitos. Do início ao fim da Primeira República foram promulgados três códigos eleitorais, a Lei 35, de 1892; a Lei 1.269, de 1904; e a Lei 3.208, de 1916. Ao analisarmos cada uma dessas leis é possível perceber que os legisladores se esforçavam para tornar os processos de escolha mais idôneos, o que parece uma

contradição quando se aborda as disputas do primeiro período republicano brasileiro. Afinal, fartos são os relatos sobre a ocorrência de fraudes e sobre o controle dos potentados locais sobre o eleitorado.

O fato é que as leis existiram, foram seguidas, burladas e serviram, inclusive, para respaldar várias estratégias dos candidatos. Existem muitos aspectos interessantes com relação a essas leis que merecem ser analisadas, no entanto, nos pautaremos em dois específicos. O primeiro, é que elas tiveram uma preocupação circunscrita ao desenrolar das etapas das eleições. Com relação aos candidatos ou aos partidos os textos legais nada definem. Interessante é identificar que a palavra “partido” sequer é mencionada nas três leis. Esse aspecto tinha um efeito prático. Até 1930 qualquer pessoa poderia ser votada, independente se era candidata ou não, consequentemente não havia exigência de filiação a partidos. Esses eram de livre organização e adesão dos interessados, mas não constituía pré-requisito para concorrer a uma vaga no parlamento. Portanto, a lei dava uma grande liberdade ao ato de candidatar e de votar. Obviamente que, em termos práticos, devido ao arcabouço coronelista, boa parcela do eleitorado não possuía condições de contrariar o seu chefe político. Os dados eleitorais analisados no capítulo anterior nos permitiram verificar que havia controle sobre os votos, mas não sobre os candidatos. Sem constituir requisito para candidatura, os partidos existentes, dentre os quais os dominantes em cada estado, os chamados partidos republicanos, possuíam dificuldade para controlar os seus integrantes e, assim, evitar dissidências. Afinal, de modo geral, nos estados havia mais interessados nos postos do parlamento do que vagas. E quando os pretensos candidatos não eram incorporados às chapas, sempre havia a possibilidade de uma candidatura independente.

Outro ponto relevante com relação aos pleitos era a sua forma de organização. Podemos dizer que existiam pelo menos quatro fases nas eleições, eram elas: o alistamento, a votação, a apuração e a verificação de poderes. Da Lei 35, de 1892, à Lei 3.208, de 1916, houve alterações que gradualmente reduziram o espaço de intervenção política sobre o processo eleitoral em prol da inserção do judiciário. As mudanças tenderam a dificultar as fraudes e a influência política sobre todo o processo.

Ao analisarmos as referidas leis é possível perceber, por exemplo, que a Lei 1.269, de 1904, mais conhecida como “Lei Rosa e Silva”, inseriu juízes na composição das juntas responsáveis pela apuração dos pleitos e pelo fornecimento dos diplomas. Contudo, por esta Lei, a apuração era feita por uma Junta organizada na sede dos distritos eleitorais, e composta pelo 1º suplente do substituto do Juiz Seccional como presidente, com o voto de qualidade, e pelos presidentes dos conselhos, câmaras ou intendências da respectiva circunscrição

eleitoral23. Portanto, ainda havia uma forte interferência política nos trabalhos da Junta. Além disso, o que era considerado como diploma era a cópia da ata geral de apuração assinada pela maioria de seus membros. Logo, havia uma brecha legal para discordâncias com relação à emissão dos diplomas. A Lei 3.208, de 1916, foi que trouxe alterações significativas com relação à diplomação. Por este código eleitoral a apuração deixou de ocorrer na sede dos distritos para se realizar na capital do estado. Além disso, a Junta passou a ser composta pelo Juiz Federal, como presidente, do seu substituto, e do representante do Ministério Público junto ao Superior Tribunal de Justiça. Nesta nova norma também não se discutia mais a possibilidade de emissão de diplomas assinados pela minoria da junta24.

A última etapa do processo eleitoral era a da verificação de poderes. Essa era realizada por uma comissão parlamentar que atuava, a cada três anos, durante as Sessões Preparatórias. O objetivo da comissão era analisar a legalidade das atas, os chamados diplomas, que eram apresentadas pelos postulantes a uma cadeira na Câmara Federal. A existência desta comissão é antiga, ela esta prevista na primeira Constituição do país, de 1824,25 mas se tornou destaque na política nacional a partir de 1898, devido à sua reformulação no bojo da criação da “Política dos Estados”26

.

Outro aspecto a ser observado que, até então, foi negligenciado pela historiografia é que, a partir da atuação de juízes federais nas Juntas, passou a haver uma maior confiabilidade na validade das atas eleitorais. Este aspecto se refletiu na adoção, pela Comissão Verificadora, de um novo procedimento, o chamado “Critério dos Diplomas”. Por este critério passava-se a considerar que os diplomas emitidos pelas Juntas eram revestidos de legalidade. Sendo assim, eram considerados válidos e não havia a necessidade de maiores exames. As nossas pesquisas indicam que este procedimento passou a ser adotado a partir da eleição de 1918, justamente a primeira após a Lei 3.208, a mesma que modificou a composição da Junta. Logo, é possível observar a transição de um “Critério Político”, passível de maior discussão por parte dos deputados, para um “Critério dos Diplomas”, menos sujeito a manipulações. A transição, obviamente, não agradou a todos. Reclamava-se do esvaziamento da autoridade e da prerrogativa dos deputados de analisar os próprios diplomas27. Todavia, os números indicam uma tendência à observância desta nova orientação. Ao refletir sobre os dados eleitorais antes 23 BRASIL, 1904. op.cit. 24 BRASIL, 1916. op.cit. 25 C.f MAGALHÃES, 1986. op.cit. p.28.

26 CAMPOS SALES, Manuel Ferraz. Da propaganda à presidência. Brasília: UNB, 1983. (Temas Brasileiros,

29).

27

CRITERIO monstruoso. O Paiz, Rio de Janeiro, p.03. 11 de mar. 1921. Disponível em: <http://memoria.bn.br/DOCREADER/DocReader.aspx?bib=178691_05&PagFis=5159>. Acesso em: 20/02/2015.

e após a Lei 3.208 é possível perceber que há uma considerável redução na quantidade de diplomas expedidos em excesso, o que significou um decréscimo no número de degolas. As eleições de 1894 a 1915 emitiram, segundo dados de Magalhães, 287 certificados além do máximo previsto para a Câmara a cada legislatura, ou seja, 2.012. Neste sentido, após a promulgação da Lei, isto é, da eleição de 1918 a 1930, Magalhães registrou um excedente de 14 atas28. Em termos de média de diplomas expedidos a mais por eleição nos dois períodos, com base nos dados de Magalhães, temos 35,8 até o pleito de 1915, e 2,8 após este ano.

Portanto, houve um processo de transição de uma manipulação política sobre o processo para um maior controle do judiciário na emissão do certificado. Sendo assim, a dificuldade de obtenção de diplomas para serem apresentados no parlamento se tornou maior ao longo da Primeira República. Isto implica que a obtenção deste documento teria que se dar fundamentalmente nas bases, ou seja, nas eleições ou na capacidade de manipulá-las.

No documento vitorfonsecafigueiredo (páginas 103-106)