• Nenhum resultado encontrado

Minas Gerais na federação e o distanciamento das relações com São Paulo e com o

No documento vitorfonsecafigueiredo (páginas 143-154)

PARTE II POLÍTICA E ESTRATÉGIAS DE MINAS GERAIS NA ELEIÇÃO DE

CAPÍTULO 3 MINAS GERAIS E AS DISPUTAS INTERNAS NO PROCESSO

3.1 Minas Gerais na federação e o distanciamento das relações com São Paulo e com o

Durante a Primeira República, o estado de Minas Gerais exerceu o papel de uma das principais forças políticas da nação. O poderio dessa unidade federativa advinha de variados fatores, como o denotado peso de sua economia no conjunto nacional, a dimensão de seu território, a tradição de seus políticos e o grande contingente populacional. Este último aspecto, associado ao preceito legal de conferir a representação de um deputado para cada 70.000 habitantes4, possibilitou ao estado possuir a maior bancada parlamentar da nação. No total eram 37 deputados provenientes de todas as regiões de Minas, e representativos dos mais tradicionais grupos de parentela das alterosas5.

O critério adotado para o cálculo da quantidade de representantes por unidade federativa, se por um lado se pautava em bases racionais, embora inseguras, devido à falta de

1

FONTOURA, João Neves da. Memórias: a Aliança Liberal e a Revolução de 1930. Porto Alegre: Globo. 1963. v.2.

2 MORAES, Aurino. Minas na aliança liberal e na revolução. 2ed. Belo Horizonte: Edições Pindorama, 1933. 3 LIMA SOBRINHO. 1983. op.cit.

4

Conforme § 1º do Artigo 28: “o número dos Deputados será fixado por lei em proporção que não excederá de um por setenta mil habitantes, não devendo esse número ser inferior a quatro por Estado.” BRASIL. 1891. op.cit.

precisão e de confiabilidade do censo populacional; por outro, impunha ao regime uma considerável desproporção de forças. O adensamento populacional desequilibrado das regiões brasileiras fez com que áreas mais povoadas, como as regiões Sul e Sudeste, detivessem uma quantidade de deputados superior à das regiões Norte e Nordeste, ou seja, a fórmula aplicada acabou por transferir a desigualmente populacional para o sistema representativo. Para analisar essa informação, organizamos na Tabela 12 informações sobre a quantidade de deputados por unidade federativa durante a Primeira República.

Tabela 12 Quantidade de deputados por estado durante a Primeira República

Estados Nº Deputados % Deputados

Alagoas 6 2,8 Amazonas 4 1,9 Bahia 22 10,3 Ceará 10 4,7 Distrito Federal 10 4,7 Espírito Santo 4 1,9 Goiás 4 1,9 Maranhão 7 3,3 Minas Gerais 37 17,4 Mato Grosso 4 1,9 Pará 7 3,3 Paraíba 5 2,3 Pernambuco 17 8 Piauí 4 1,9 Paraná 4 1,9 Rio de Janeiro 17 8

Rio Grande do Norte 4 1,9

Rio Grande do Sul 16 7,5

Sergipe 4 1,9

São Paulo 22 10,3

Santa Catarina 4 1,9

TOTAL 212 100%

FONTE: Tabela organizada com dados colhidos em: BRASIL, Câmara dos Deputados. Diário do Congresso Nacional. Rio de Janeiro, DF, 01 mai. 1900. Câmara dos Deputados, ano XII, n.16.

Enquanto Minas Gerais figurava no parlamento com 37 deputados, quase 18% do total; unidades federativas como Amazonas, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Paraná e Santa Catarina possuíam, cada qual, apenas 4. Para fins de comparação, juntos, estes 9, dentre os 20 estados da federação mais o Distrito Federal, detinham 36 representantes, portanto, 1 a menos que Minas.

Em situação um pouco melhor, mas ainda figurando dentre as pequenas bancadas do parlamento estavam: Paraíba, Alagoas, Pará, Maranhão, Ceará e o Distrito Federal. Esses

possuíam de 5 a 10 representantes. Já os considerados de média grandeza, Pernambuco, Rio de Janeiro e Bahia, possuíam, cada um dos dois primeiros, 17 deputados e o último 22. Embora tivesse quantidade suficiente para figurar no conjunto de estados de primeira grandeza, as disputas internas da oligarquia baiana cindiam as suas forças a ponto de reduzir a capacidade de intervenção nos negócios da nação. Similar foi o caso do Rio de Janeiro. Análises efetuadas por Ferreira indicam as dificuldades do estado fluminense, em função de problemas econômicos e por conflitos intra-elite, de conseguir estabelecer, entre 1889 e 1930, uma coalizão estável, capaz de proporcionar à região a importância que detivera durante os tempos do Império6.

Dentre os considerados grandes estados, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, também havia uma desproporção de forças, pois São Paulo contava 22 e o Rio Grande apenas 16 deputados federais. Todavia, eram as unidades que consorciavam melhor três fatores importantes: i) a dimensão da representação de deputados no parlamento, ii) a relativa coesão interna de suas oligarquias e iii) a potencialidade de suas economias. De modo geral, foram estas as características que fizeram destes estados as principais forças políticas da Primeira República. No entanto, em nossas análises, especial atenção é dada ao segundo fator. Afinal, de nada adiantava possuir uma grande bancada se ela se encontrava desunida. No modelo federativo desproporcional implementado no Brasil, uma das peças-chave para o sucesso político de cada região residia em sua capacidade de conter as divergências internas e, assim, ostentar um grupo unido, capaz de intervir, em alguma medida, nas decisões nacionais. Em âmbito parlamentar, o superdimensionado grupo mineiro, mesmo em comparação com os dos outros grandes estados, possibilitou a Minas uma denotada capacidade de intervenção nos negócios federais. E esta capacidade não se deveu apenas às dimensões da bancada, mas principalmente à relativa estabilidade do PRM, que conseguia empossar os seus deputados nas sessões preparatórias, portanto, antes da formação das comissões permanentes. O mesmo não ocorria com outras unidades federativas cuja política interna era mais instável. Assim, a relativa estabilidade contribuía para aumentar a probabilidade dos representantes mineiros figurarem nas comissões da Câmara dos Deputados.

Ainda que formado por variadas facções, o PRM conseguiu resistir, até 1930, a divergências capazes de cindi-lo definitivamente ou de inviabilizar a atuação incisiva de sua bancada na Câmara Federal. Segundo Resende, a força política de Minas Gerais só se tornou evidente a partir da segunda década do regime republicano, com a organização do chamado

Novo PRM. Até então, as disputas regionais inviabilizaram as tentativas de coalização das forças estaduais, o que teve reflexos nos níveis de participação do estado na arena federal7.

De acordo com Viscardi, a reestruturação do PRM se deu por meio de uma manobra regimental do então presidente de Minas, Silviano Brandão, com o objetivo de expurgar políticos radicais associados ao florianismo. Após a extinção do PRM, Silviano o recriou, em 1898, sobre novas bases e com uma nova Comissão Executiva. Aqueles que não compactuaram com as orientações da nova agremiação caíram no ostracismo ou ficaram afastados da política por longo tempo. Ainda segundo a pesquisadora: “[...] esta paz não resultou de um acordo entre os diferentes setores oligárquicos. Mas foi o corolário de um grupo que conseguiu pôr fim às disputas internas, através da eliminação dos vencidos.8

Deste modo, a partir de 1898, os mineiros passaram a atuar unidos no âmbito federal, e deixaram de ostentar o sugestivo epíteto de “manta de retalhos” para assumir o de “carneirada”. Isto é, o PRM passava de uma fase em que a sua bancada estava dispersa para uma marcada por certo grau de união e de disciplina partidária. Para Wirth, em sua nova fase o PRM assumiu as feições de um colegiado formado por coroneis e supercoroneis de todas as regiões e das principais facções do estado. Aos supercoroneis, os chefes da Tarasca, cabia o controle da estabilidade do partido pela organização trienal de chapas de deputados e de senadores. Essas deveriam ser capazes de satisfazer, na medida do possível, as facções regionais e, assim, conter rivalidades que podiam colocar em risco a união estadual9.

Apesar da estabilidade obtida, o PRM não estava isento de conflitos ou de divergências. Em seus estudos, Viscardi ressalta que a noção de uma oligarquia mineira como um bloco blindado é equivocada, os grandes conflitos nacionais, como a Campanha Civilista e a Revolução de 1930 evidenciaram as fragilidades do partido. Deste modo, “[...] embora as instabilidades tivessem sido arrefecidas, elas não se encerraram, [...] em muitas ocasiões as dissidências intraoligárquicas dificultaram a projeção mineira no cenário federal.”10

Ainda assim, em comparação com os demais grupos oligárquicos do país, os mineiros souberam guardar a unidade na maior parte do tempo e com maior eficiência. E, em função da união, os deputados de Minas foram recompensados com a preponderância nos trabalhos do Congresso Nacional.

A manutenção da coesão oligárquica, portanto, foi a chave para que Minas Gerais desfrutasse, na nova fase do PRM, de uma agressiva política de ocupação da arena federal. De

7 RESENDE, 1982. op.cit. 8

VISCARDI, 1999. op.cit., p.95.

9 WIRTH, 1982a. op.cit., p.162-163. 10 VISCARDI, 1999. op.cit., p.95.

acordo com dados compilados por Wirth, entre 1891 e 1930, os mineiros foram os que mais ocuparam a presidência das principais comissões da Câmara11. Neste período, os representantes do estado estiveram 71 vezes na presidência das comissões de Obras Públicas, de Finanças, de Poderes e de Justiça12. Para fins de comparação, os dados da Tabela 13 indicam que o segundo estado mais bem aquinhoado com a presidência destes grupos de trabalho foi a Bahia, com 19. E o terceiro, São Paulo, com 16.

Tabela 13 Ocupação de presidência de comissões do parlamento por estado (1891-1930)

Períodos MG BA SP PE RS RJ Outros 1891-1898 8 8 4 4 1 2 5 1899-1906 10 10 5 1 --- --- 6 1907-1914 16 --- --- 1 3 --- 12 1915-1922 19 --- 2 3 --- --- 8 1923-1930 18 1 5 1 3 --- 4 TOTAL 71 19 16 10 7 2 35 % 44,37 11,87 10 6,25 4,37 1,25 21,37

FONTE: Adaptado de: VISCARDI, 2012. op.cit. p.58.

A presença ou o comando das comissões era algo importante para os estados naquele contexto. As de Finanças e de Obras Públicas, por exemplo, eram algumas das chaves para a obtenção de recursos do governo federal. Segundo Wirth: “A cada ano, o chamado „orçamento político‟ era revisto na comissão de Finanças, do qual faziam parte deputados de Minas. Eufemisticamente falando, asseguravam que os interesses de Minas não seriam negligenciados.”13

Outra importante comissão em que Minas Gerais se fazia presente era a de Verificação de Poderes. Embora fosse temporária, pois atuava apenas durante as sessões preparatórias do início de cada legislatura, isto é, a cada três anos e por um período de pouco mais de um mês, os mineiros procuravam não deixar lhes escapar a presidência. Desde a reforma Campos Sales a organização de todo o processo de verificação e de reconhecimento de diplomas na Câmara emanava das decisões do presidente interino da casa, ou seja, se eleito, as responsabilidades pertenciam ao deputado que havia sido presidente ou vice na legislatura anterior14. Para analisar a ocupação da presidência das sessões preparatórias por cada estado, organizamos, com base em dados compilados por Magalhães, a Tabela 14.

11

WIRTH, 1982a. op.cit., p.244.

12 Para maiores informações acerca das comissões consideradas mais importantes ver: PINTO, 2011. op.cit.,

p.142-143.

13

WIRTH, 1982a. op.cit., p.245.

14 BRASIL, Congresso Nacional. Câmara dos Deputados 2ª Sessão Legislativa da 13ª Legislatura - 1928.

Tabela 14 Presidência da Câmara dos Deputados nas Sessões Preparatórias da Primeira República (1894-1930)

Estados Ceará Mato Grosso Minas Gerais Bahia São Paulo Pernambuco

Legislaturas 1894/1896 1897/1899 1900/1902 1903/1905 1909/1911 1912/1914 1915/1917 1918/1920 1921/1923 1906/1908 1924/1926 1927/1929 1930/1932

FONTE: Elaboração própria com dados colhidos em: MAGALHÃES, 1986. op.cit., p.167-183.

Como Minas presidiu os trabalhos da Câmara por cerca de 18 anos, entre 1891 e 1920, os seus representantes detiveram o controle da entrada de deputados no parlamento por boa parte da Primeira República15. Entre 1894, data de instalação da primeira Comissão Verificadora de Poderes da Câmara dos Deputados no regime republicano, e 1930, última da primeira fase do regime oligárquico, ocorreram 13 legislaturas, 7 delas verificadas sob a direção de um mineiro. A título de comparação, o segundo estado que mais dirigiu os trabalhos preparatórios foi Pernambuco, em 2 oportunidades.

Como o responsável pela coordenação dos trabalhos de verificação por mais da metade das oportunidades, Minas constituía um parceiro importante, tanto para as pequenos e médias quanto para as grandes unidades federativas. É interessante ressaltar que, embora o estado não estivesse à frente de todas as sessões preparatórias até 1930, devido a sua quantidade de deputados e à sua coesão partidária, a probabilidade de que os mineiros fossem os que mais participassem das comissões de inquérito eram grandes. Além disso, mesmo que não estivesse nem na presidência e nem nas comissões, o volume de votos da bancada mineira poderia influenciar a votação dos pareceres sobre cada um dos diplomas no plenário.

Portanto, em termos legislativos é inconteste o poderio desfrutado por Minas Gerais e as vantagens proporcionadas por ele, em especial, após o processo de reorganização do PRM. Já no campo do executivo federal a situação não era muito diferente, conquanto nesta área o estado tivesse que conviver com a forte concorrência de paulistas e gaúchos. Para verificar a participação dos representantes do estado nos cargos ministeriais, reproduzimos, na Tabela 15, números apurados por Viscardi sobre o índice de ocupação ministerial dos seis maiores estados do país.

Em termos técnico-administrativos, Minas Gerais foi o estado mais bem servido com postos ministeriais, seguido por São Paulo e Rio Grande do Sul. Pelo cálculo de anos à frente de ministérios os mineiros contabilizam 28,73 anos, já os paulistas 21,39, e os gaúchos 20,6916. Os cargos de ministros eram importantes para que os estados pudessem barganhar recursos do governo federal, em especial do Ministério de Viação e Obras Públicas. Contudo, o cargo de ministro não era de exclusiva representação estadual, ademais, estava subordinado às diretrizes traçadas pelo Presidente. Sendo assim, as benesses auferidas por este tipo de posto eram limitadas. Assim, na arena federal, a principal disputa não era por ministérios, mas pelo cargo de Presidente, chave para a ordenação de todo o sistema político, administrativo e financeiro da nação.

De acordo com Viscardi17, um dos momentos mais delicados no que se refere à estabilidade do sistema político durante a Primeira República era o das sucessões presidenciais. A cada quatro anos as sucessões rompiam com o establishment e demandavam a negociação de acordos capazes de satisfazer, de algum modo e em alguma medida, os interesses de pequenos, médios e grandes estados. Os arranjos, no entanto, deveriam obedecer a um conjunto informal de regras e de princípios norteadores compartilhados e caros a todos os integrantes do jogo político e à manutenção do sistema18. Era nestes momentos, de cerca de seis meses após o primeiro biênio presidencial, as chamadas démarches, que os representantes das oligarquias faziam as consultas e eram perscrutados acerca dos presidenciáveis. Neste sentido, as démarches surgiam no horizonte como um período de possibilidades, em que alianças, prestígio político e mobilização das lideranças estaduais eram colocados em operação no campo da disputa.

A presidência, logicamente, interessava a todos. Porém, a escolha do presidenciável era algo complexo, demandava um verdadeiro cálculo de possibilidades, de barganhas e de

16

LOVE, 1975. op.cit., p.130.

17 VISCARDI, 2012. op.cit.

18 C.f. VISCARDI, 2012. op.cit., p.50-51.

Tabela 15 Ocupação ministerial pelos seis maiores estados entre 1889 e 1930 Estado Índice de

ocupação geral

Índice de ocupação nos três ministérios mais importantes

Média entre colunas A e B

Minas Gerais 28,73 23,14 25,94 Rio Grande 20,69 16,65 18,67 São Paulo 21,39 14,00 17,70 Bahia 18,85 10,55 14,70 Pernambuco 12,33 8,20 10,27 Rio de Janeiro 11,16 5,92 8,54

estratégias capazes de acomodar os mais diversos interesses. Até 1915, por exemplo, o líder gaúcho Pinheiro Machado várias vezes foi cogitado para a presidência. Pinheiro, por sinal, à sua época era um dos homens mais influentes do país por ocupar a vice-presidência do Senado, o que lhe permitia controlar o processo de verificação de poderes desta casa legislativa. Ademais, Pinheiro conseguiu estruturar uma rede de aliados em estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Contudo, apesar de deter tanto poder, as démarches nunca o colocaram como candidato19.

Outro exemplo é o de Rui Barbosa, em várias oportunidades o conselheiro foi cogitado para o cargo, em duas se candidatou como oposicionista, mas nunca como oficial. Em contraponto, Epitácio Pessoa, líder de um pequeno estado nordestino, em um momento de impasse entre as grandes oligarquias, foi conduzido ao Catete em 1918. A complexidade da escolha presidencial sofria a interferência de múltiplas variáveis, que iam das alianças e do peso político do candidato e do seu estado no conjunto da federação até a necessidade de entabular acordos, inclusive com os rivais.

O fato é que Minas e São Paulo foram os mais agraciados com a presidência. O primeiro liderou o país em 3 oportunidades (1906; 1914; 1922) e o último em 6 (1894; 1898; 1902; 1918; 1926; 1930). Para parte Viscardi20, a presença ostensiva de mineiros e paulistas na presidência se deve a vários fatores, mas, em especial, à dimensão do eleitorado e das bancadas parlamentares, o nível de coesão intraoligárquica e o interesse em intervir no campo econômico e financeiro nacional com o objetivo de resguardar os seus negócios, em especial os relacionados à produção do café.

Contudo, é importante considerar que, mesmo em termos da lavoura cafeeira, os interesses de Minas eram diferentes dos de São Paulo. Além de produzir em grande quantidade um grão de tipo inferior, algo constantemente criticado pelos paulistas, o estado sofria com a dificuldade de escoamento e com a taxação nos portos das cidades do Rio de Janeiro e de Santos21. Sendo assim, a diferença nos objetivos econômicos e políticos de mineiros e paulistas os levavam, durante a Primeira República, mais a atritos do que a parcerias. Isto quer dizer que, ao contrário do que muitos pensam, a presença de nomes de Minas e de São Paulo na presidência não ocorreu por um acordo de revezamento entre as partes, mas por variados fatores conjunturais.

19

Ver BORGES. 2004. op.cit.

20 VISCARDI, 2012. op.cit., p.52. 21 WIRTH, 1982a. op.cit., p.82.

Ainda assim, segundo Viscardi22, entre 1922 e 1928 existiu uma aliança entre os dois estados. Tal união resultou na eleição do mineiro Artur Bernardes, e, posteriormente, do paulista Washington Luís. Longe de constituir uma parceria estável, este período foi marcado por dificuldades de consenso entre os representantes das duas unidades federativas, especialmente no que se refere ao plano econômico. Durante a gestão de Bernardes os paulistas defendiam a continuação do programa de valorização do café iniciado no governo Epitácio Pessoa, e que se pautava num rígido controle da oferta do produto. Esta iniciativa, entretanto, comprometia as finanças da União e os interesses de cafeicultores de Minas, Rio de Janeiro e Espírito Santo, que tinham os seus capitais restringidos pela retenção do café nos armazéns. Bernardes então modificou o programa ao delegar às unidades federativas a responsabilidade pela valorização da commodity23. A alteração não foi bem aceita pelos

paulistas, mas a aliança política foi mantida e possibilitou a eleição de Washington Luís com o apoio de Minas.

A distensão da parceria Minas-São Paulo coube ao novo Presidente. Existem várias possibilidades acerca das causas do rompimento, mas as que nos parecem mais importantes são as referentes às incompatibilidades entre o Presidente da República e o de Minas Gerais no que se refere ao planejamento econômico nacional, à proposta de anistia para os tenentes, às dificuldades criadas ao governo de Minas com relação à contração de empréstimos no exterior e à viabilização de planos siderúrgicos no estado.

O primeiro destes pontos, o plano de reestruturação econômica, foi uma das propostas da campanha e do governo de Washington Luís. Para o Presidente, a reforma deveria garantir um rigoroso equilíbrio das contas públicas, um forte combate à inflação e, principalmente, um equilíbrio cambial. Ele acreditava que as variações cambiais eram um dos males da economia, e um dos motivos da carestia e da desorganização das contas do país. Outra característica do projeto era o retorno do padrão ouro como lastro econômico24. Todavia, a reforma não agradava aos mineiros, que tentaram, por intermédio de sua bancada, impedir a sua aprovação. No entanto, segundo o escritor Barbosa Lima Sobrinho, Washington Luís teria declarado que preferia renunciar a ter de desistir das reformas25. À beira de um conflito com o governo federal, a bancada mineira decidiu recuar. A atitude ponderada dos mineiros evitou a

22

VISCARDI, 2012. op.cit., p.325.

23

VISCARDI, 2012. op.cit., p.291-293.

24 BRASIL. Câmara dos Deputados. Mensagem apresentada ao Congresso Nacional na abertura da

primeira sessão da décima terceira legislatura pelo Presidente da República Washington Luís Pereira de Sousa. Rio de Janeiro: Imprensa Official, 1927. p.09-28. Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1319/000001.html>. Acesso em 21 fev. 2015.

eclosão de maiores problemas, mas estabeleceu um processo de afastamento entre as forças de Minas, de São Paulo e do Catete logo no início da gestão de Washington Luís.

O segundo fator que teria motivado o afastamento das relações entre os dois estados e o governo federal ocorreu em 4 de setembro de 1927, e teve como epicentro a realização, pelo Tenente João Cabanas, de conferências em Minas Gerais, mais especificamente na cidade de

No documento vitorfonsecafigueiredo (páginas 143-154)