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2. HISTÓRIA DA PSICOLOGIA: SILENCIAMENTOS, ROMPIMENTOS E NOVAS

2.2 A REGULAMENTAÇÃO DA PSICOLOGIA COMO PROFISSÃO

Os vários profissionais (pedagogos, médicos, advogados, entre outros) sendo formados por cursos de curta duração como psicotécnicos, a disciplina de Psicologia sendo ministrada como obrigatória para vários cursos de ensino superior, a criação de cursos superiores de Psicologia e a demanda da sociedade por esses profissionais, principalmente na área de classificação, recrutamento e seleção, devido ao crescimento das empresas privadas e públicas tornaram possíveis as discussões sobre a regulamentação da Psicologia como profissão.

A regulamentação da profissão e o fornecimento de formação regular permitiram normatizar e fiscalizar o exercício do psicólogo, promovendo uma nova imagem para esses profissionais (ESCH; JACÓ-VILELA, 2001). 1

Em 1953 a Associação Brasileira de Psicotécnica entregou ao Ministério da Educação um esboço de anteprojeto de lei relativo à formação dos psicólogos e à sua regulamentação profissional. Foi proposto que o curso de Psicologia fosse composto por três anos de bacharelado, nos quais seria ministrado o embasamento teórico, e dois anos de licenciatura – nos quais seria focada uma formação técnica especializada que poderia ser realizada em três áreas: psicoténica da educação, do trabalho ou do ajustamento clínico (ESCH; JACÓ-VILELA, 2001).

Em 1957 foi apresentado um anteprojeto substitutivo, que tinha como principais mudanças a incorporação da pesquisa, ensino e aplicação na parte destinada a licenciatura e a não permissão da atuação do psicólogo para atuar na área clínica, a não ser em condições de assistente técnico, sob supervisão do médico especializado, uma vez que os médicos possuíam a exclusividade da atividade clínica (ESCH; JACÓ-VILELA, 2001). Percebe-se pouca diferença da atividade que nesse momento queriam destinar ao psicólogo, como auxiliar do médico, daquela que Radecki, em seu Instituto de Psicologia, havia proposto, mesmo tendo se passado mais de 30 anos. E é interessante notar que, de tempos em tempos a medicina tenta colocar sob sua tutela outros saberes que não só o psicológico – como visto desde o início dos anos 2000, através da tentativa de aprovar o Projeto de Lei 25/02, que é conhecido como Lei do Ato Médico, através da qual é afirmada a hegemonia do saber médico sob os outros saberes da saúde.

Um segundo substitutivo foi feito sobre a formação em seis anos, divididos igualmente entre bacharelado e licenciatura e garantindo ao psicólogo a atuação na prática clínica.

Para conciliar Psicologia e a Medicina, a nova proposta substitui o exercício

da prática psicoterápica pela solução de problemas de ajustamento, esta

1 “Em 1972 foram criados, através da lei 5766/72, os Conselhos Regionais e Federal de Psicologia,

que iniciaram o seu funcionamento em dezembro de 1973, e passaram a responder pela inscrição legal dos profissionais e pela regulamentação e fiscalização do exercício profissional da profissão de psicólogo no Brasil. Os dados de número de profissionais foram extraídos de publicações do CFP.” (SILVA, 2003, p. 138).

última assumindo a feição de função privativa do psicólogo (ESCH; JACÓ- VILELA, 2001, p. 21, grifo do autor).

Este conteúdo foi aprovado em 27 de agosto de 1962, pela Lei 4.119. Juntamente foi aprovado o Parecer 403 que estabeleceu o currículo mínimo e a duração do curso de formação em Psicologia. A regulamentação da Lei se deu em 21 de janeiro de 1964, com o Decreto nº 53.464.

Passou a ser reconhecido legalmente como psicólogo, pelos dispositivos legais, além dos profissionais que se graduassem em cursos superiores de Psicologia, os profissionais que já trabalhavam com questões psicológicas – como os diplomados em cursos oficiais e reconhecidos na área de Psicologia clínica, educacional ou do trabalho – funcionários públicos nos cargos de psicólogo ou psicotécnico, profissionais que trabalhavam na área há mais de cinco anos, militares formados pelo curso de Psicologia do Ministério da Guerra, doutores em outras áreas que tivessem tese relacionada à Psicologia e pós-graduados em Psicologia e Psicologia Educacional (ROSAS; ROSAS; XAVIER, 1988).

As faculdades de Psicologia, por sua tradição em estudos teóricos e seu distanciamento da aplicação das técnicas e dos estágios, e no intento de obedecer à lei que regulamentava a formação do psicólogo, acabaram por estabelecer a linha clínica como a mais realizável (MELLO, 1978). Essa linha se expandiu de forma rápida e se estabeleceu como a principal área de atuação do psicólogo (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 1988; MELLO, 1978; YAMAMOTO; SIQUEIRA; OLIVEIRA, 1997), aspecto que será discutido posteriormente.

Em 1971 foi realizado o I Encontro Nacional de Psicologia, em São Paulo, onde foi defendida a criação do Conselho Federal de Psicologia e dos Conselhos Regionais de Psicologia, que foram instituídos em 20 de dezembro do mesmo ano, pela Lei nº 5.766, como autarquias públicas ligadas ao Ministério do Trabalho, com funções de orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão. Em 1975 foi criado o Código de Ética dos psicólogos, através da Resolução nº 8, de 02 de fevereiro, do Conselho Federal de Psicologia (PEREIRA; PEREIRA NETO, 2003).

Segundo o referencial teórico da Sociologia das Profissões, Pereira e Pereira Neto (2003) constatam que foi em meados de 1970 que a Psicologia alcançou todos os

requisitos necessários para ser considerada uma profissão: conhecimento pouco acessível e institucionalizado, mercado de trabalho formalmente assegurado e auto- regulação, instituída por conselhos e código de ética. Há, portanto, o fim do processo de profissionalização da psicologia no Brasil. É importante ressaltar que Silva (2003), em sua tese de doutorado, traz uma discussão importante sobre o que faz ou não uma profissão ser reconhecida por essa Sociologia das Profissões. Mesmo que esse tema fuja ao escopo desta dissertação, é essencial apontar que não há consenso sobre o que faz uma profissão ser reconhecida enquanto tal e que esse é um questionamento atual de diversos teóricos.

Ainda sobre a regulamentação da profissão, Bock (2001) levanta importantes questões, mostrando que os aspectos da Lei 4.119 não somente são elaborados levando em consideração o desenvolvimento da Psicologia até então, como vão marcar, de maneira negativa, os rumos da Psicologia e da profissão. O documento de Lei limita a Psicologia a aspectos intervencionistas orientados para ajustamento e adaptação do homem.

Fala-se então de desenvolvimento e de condições para sua facilitação, como se o desenvolvimento tivesse percurso determinado. Fala-se de aptidões, características de personalidade, comportamentos e mecanismos mentais; a interação do indivíduo com o ambiente interno e externo aparece como eixo do trabalho psicológico, podendo mesmo afirmar-se que aí está o objeto da Psicologia. (...) A finalidade do trabalho é ajustamento, adaptação, auto-realização, desenvolvimento, convivência e desempenho, sempre supondo um estado de normalidade, de adaptação, nunca definido. O trabalho do psicólogo está muito relacionado a esses objetivos, seja ele em escolas, empresas ou clínicas (Bock, 2001, p. 26).

Bock (1999) analisa que entre os diversos rumos possíveis, a Psicologia se afirma como o estudo do indivíduo isolado de seu meio social, concebendo o homem como possuidor de uma natureza humana própria, que tem seu desenvolvimento previsto pela sua própria condição de homem, cabendo à Psicologia “ajustá-lo”, caso ele se desvie do seu desenvolvimento „esperado‟. Parte dos dados que serão mostrados no Capítulo 2 mostram que essa visão de homem continua, apesar das discussões levantadas nas duas últimas décadas – em alguns casos, se tem apenas uma nova roupagem para uma velha maneira de pensar o homem.

Como permanecer utilizando essas práticas historicamente constituídas, que consideram o homem em seu aspecto a-histórico, frente a uma realidade em que a

pobreza e a violência constituem e permeiam as subjetividades, que as drogas, lícitas ou não, estão incorporadas ao cotidiano, suprindo necessidades sociais e esvaziando dores reais? E como captar movimentos que tentam, cotidianamente, romper com essa visão dominante, produzindo um outro tipo de prática e de comprometimento?