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A regulamentação do Carnaval paulistano no contexto da cidade corporativa

2. Carnaval das Escolas de Samba – oficialização e consolidação

2.4. A regulamentação do Carnaval paulistano no contexto da cidade corporativa

A partir do pós-guerra diversas ações e regulamentações estatais possibilitaram uma crescente integração territorial e a dispersão da modernidade. Naquele contexto várias cidades consolidaram-se como metrópoles, e a cidade de São Paulo passou a desempenhar um papel hegemônico no cenário nacional. Trata-se de uma verdadeira “metrópole onipresente” (SANTOS, (1993) 2005) que concentra os vetores da modernidade e que, naquele momento, vivenciava a consolidação do meio técnico-científico-informacional, ou seja, “o momento histórico em que a construção ou reconstrução do espaço se dará com um crescente conteúdo de ciência, de técnicas e de informação” (SANTOS, (1993) 2005, p. 37). A instalação dessa infra-estrutura cria as condições necessárias para o estabelecimento dos conteúdos do período atual, que inserem São Paulo no contexto da globalização como o “mais importante elo entre a economia nacional e a economia internacional” (SOUZA, 1999, p.37).

Porém, a modernização não atinge a tudo e a todos da mesma forma, pois trata- se de uma modernização incompleta e seletiva que apresenta uma série de contradições e conflitos, além de gerar uma profunda desigualdade social. Cria-se uma pobreza estrutural, e não residual, que aumenta à medida que a cidade cresce e se moderniza pois verifica-se a construção de uma cidade corporativa (SANTOS, 1990) que se faz, com investimento de recursos públicos, para atender aos interesses das grandes firmas em detrimento do social. E a população pobre segue deslocando-se em direção às periferias mais distantes, o que provoca a ampliação da mancha urbana da cidade (Mapas 4 e 5).

A São Paulo industrial torna-se uma cidade informacional com prevalência dos setores de comércio e serviços, como conseqüência do processo de desconcentração industrial que leva à criação de novas territorialidades, embora a centralidade do comando permaneça, pois o que se desconcentra é, no geral, a atividade fabril (BERNARDES 2001; SANTOS, (1993) 2005). E foi justamente a base industrial que permitiu essa transformação, pois “somente a metrópole industrial tem condições para instalar novas condições de comando, beneficiando-se dessas precondições para mudar qualitativamente” (SANTOS, (1993) 2005, p.103). Em vinte anos, de 1970 a 1990, houve uma redução significativa no número de estabelecimentos e no valor da transformação industrial da cidade de São Paulo, em relação ao total nacional, ao passo que a Região Metropolitana e o Estado de São Paulo apresentaram crescimento (Tabela 3).

TABELA 3 - PARTICIPAÇÃO DO MUNICÍPIO, DA REGIÃO METROPOLITANA E DO INTREIOR DO ESTADO DE SÃO PAULO NA INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA ANOS Estabelecimentos Industriais (%) Transformação Industrial (%)

São Paulo RMSP Interior São Paulo RMSP Interior

1970 28,94 36,09 6,95 28,39 45,29 13,13

1990 9,23 21,95 15,26 16,01 31,13 21,70

Fonte: SANTOS e SILVEIRA, 2001. Elaboração da Autora.

A cidade de São Paulo continuou apresentando crescimento populacional, porém em processo de desaceleração (Tabela 4). De 1960 a 1970, o percentual de crescimento foi de 36,18%, de 1970 a 1980 de 30,25%, de 1980 a 1991 de 11,96% e de 1991 a 2000 de 7,56%. De 1960 a 2000, a cidade cresceu 63,76%, enquanto o Estado de São Paulo cresce 64,96% e a Região Metropolitana 73,50%. Esses dados são, também, um reflexo do processo de desconcentração industrial que possibilitou o desenvolvimento de outras cidades do estado e da própria RMSP.

TABELA 4 – MUNICÍPIO, REGIÃO METROPOLITANA E ESTADO DE SÃO PAULO, E BRASIL. CRESCIMENTO POPULAÇÃO – 1960-2000 Anos (Município) São Paulo RMSP São Paulo

(Estado) Brasil 1960 3.781.446 4.739.406 12.974.699 70.119.071 1970 5.924.615 8.139.730 17.771.948 93.139.037 1980 8.493.226 12.588.725 25.040.712 119.002.706 1991 9.646.185 15.444.941 31.588.925 146.825.475 2000 10.434.252 17.878.703 37.032.403 169.799.170 Fonte: IBGE – Censos Demográficos.

Elaboração da Autora.

A estrutura e a dinâmica da cidade corporativa já não comportavam uma festa carnavalesca da forma como ocorria, e a realização dos desfiles na Avenida Tiradentes, na região central da cidade, passa a ser um transtorno no já caótico trânsito paulistano. Trata-se de uma importante via de tráfego que além de ser a principal ligação da Zona Norte ao Centro, faz parte de um imenso corredor de vias expressas que compreende as avenidas Santos Dumont, a própria Tiradentes, Prestes Maia, Vinte e Três de Maio, Rubem Berta, Moreira Guimarães, Washington Luís e Interlagos, e corta a cidade de um extremo ao outro no sentido Norte – Sul. Além disso, parte do fluxo de veículos que chegam ao município pelas rodovias Presidente Dutra, Fernão Dias, Ayrton Senna66, Anhanguera/ Bandeirtantes e até mesmo a Castelo Branco, para acessar a parte central da cidade utilizam as marginais e posteriormente a Avenida Tiradentes. Vale lembrar que essa malha viária tem como finalidade potencializar a fluidez com o objetivo maior de atender à demanda e aos interesses das grandes empresas67.

Percebe-se facilmente a importância dessa artéria para o fluxo de veículos na cidade e os problemas que a realização dos desfiles carnavalescos provocava, tanto nos períodos de montagem e desmontagem da estrutura – as arquibancadas e as cabines dos jurados e da imprensa (feitos de madeira numa estrutura tubular de ferro) e o isolamento da

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Na época denominada Rodovia dos Trabalhadores.

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Como afirma Balbim (2003, p. 385) “dentro das estratégias de deslocamento a velocidade é um dos parâmetros fundamentais na escolha modal. A única maneira conhecida de converter a velocidade em valor financeiro, comparável entre indivíduos distintos, é através do intermediário tempo”.

área (feito de madeirite) – o que poderia levar semanas, como nos dias de carnaval quando parte da avenida ficava interditada e havia uma grande concentração de carros alegóricos na região. Por outro lado, a passarela na Avenida Tiradentes já não comportava a crescente estrutura das escolas de samba paulistanas.

Os excessivos gastos anuais com infra-estrutura reduziam o investimento em outros setores da festa, o que contribuía para manter o carnaval paulistano em um patamar inferior ao carioca no que se refere ao potencial de desenvolvimento e criação de possibilidades econômicas. Diante disso, a Prefeitura de São Paulo dá início a uma política de reestruturação do carnaval. Em 04 de janeiro de 1990, na gestão da prefeita Luiza Erundina, o carnaval paulistano foi regulamentado através da Lei Nº. 10.831 (Anexo 1), a qual responsabiliza à Prefeitura pela organização e apoio ao carnaval, pois afirma:

Art. 1º. – O Carnaval paulistano bem assim as manifestações artístico- populares que o compõem, constitui-se em evento oficial da cidade, com o apoio e sob a gestão da Prefeitura.

Dentre as manifestações carnavalescas que recebem subvenção está o desfile das escolas de samba. Esta lei, que revoga a Lei Nº. 7.100 de 29 de dezembro de 1967, responsabiliza à Prefeitura pela execução da administração do carnaval paulistano através da

Anhembi Turismo e Eventos da Cidade de São Paulo S/A, empresa que substituiu a Anhembi Centro de Feiras e Congressos S/A. A nova lei deixa mais clara a responsabilidade da

Prefeitura em relação ao carnaval paulistano e às escolas de samba. A legislação anterior, de 1967, ao afirmar que a Prefeitura pode conceder auxilio, a desobriga de tal concessão, o que não ocorre na lei de 1990.

Dando continuidade à política de reconhecimento das manifestações carnavalescas, como algo importante para a cidade, em 1° de fevereiro de 1991, ainda na

gestão da Prefeita Luiza Erundina foi inaugurado no Pólo Cultural e Esportivo Grande Otelo68 o Sambódromo da cidade de São Paulo, onde se realizam os desfiles desde então (Fotos 13 e 14). A inauguração foi muito criticada, pois na realidade, naquele momento, havia apenas uma passarela sem pavimentação e houve a necessidade de construir arquibancadas como ocorria na Avenida Tiradentes. As obras do Sambódromo continuaram pelos anos seguintes e, a cada carnaval, surgiam novas propostas de aperfeiçoamento de acordo com as necessidades dos sambistas e das escolas de samba. Com as obras finalizadas, o Sambódromo, utilizado desde 1991, foi novamente inaugurado em 12 de fevereiro de 1996, na gestão do Prefeito Paulo Maluf.

Esses dois eventos – regulamentação (1990) e inauguração do Sambódromo (1991) – criaram condições para a realização de um terceiro, o início das transmissões dos desfiles para todo o Brasil pela Rede Globo de Televisão (1999). Juntos, os três eventos criam uma rede de relações cujos agentes determinam o rumo das escolas de samba e do carnaval paulistanos e marcam o início do terceiro período.

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Na época denominado Pólo Cultural e Esportivo. A mudança de nome para Pólo Cultural e Esportivo Grande Otelo data de 1994.

Fonte: http://www9.prefeitura.sp.gov.br/semp la/historico/img/1991/sambodromo_grande.jpg Foto 13 Autor: Miguel Boyayan Sambódromo São Paulo – SP 1991 Foto 14

Autora: Vanir Belo Sambódromo São Paulo – SP 2008 Coleção Particular