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Novas relações econômicas no desenvolvimento das Escolas de Samba

2. Carnaval das Escolas de Samba – oficialização e consolidação

2.2. Novas relações econômicas no desenvolvimento das Escolas de Samba

A partir da década de 1970, devido à oficialização, ao apoio do poder público e ao crescente interesse da iniciativa privada, as manifestações carnavalescas negras passaram a ter uma maior aceitação por parte da sociedade paulistana, o que levou a um aumento na participação da população mais abastada e instruída, no geral branca. Houve uma aproximação de pessoas ligadas às artes, que contribuíam com seus conhecimentos culturais e técnicos, fomentando mudanças estéticas no desfile. Os postos de comando passaram a ser ocupados também por pessoas não necessariamente ligadas ao samba, como comerciantes e pequenos empresários, interessados nas oportunidades econômicas e políticas que as agremiações ofereciam. Mas, de acordo com Simson (1989), nas escolas mais antigas, apesar da superioridade técnica, os “elementos brancos” eram subordinados às lideranças negras, e é somente na década de 1970 que despontam as primeiras escolas de samba lideradas por brancos, como a Mocidade Alegre – fundada em 1967 – e Rosas de Ouro – fundada em 197154.

Essas e outras escolas surgiram no contexto do carnaval oficializado e estruturaram-se desde o início de acordo com as normas vigentes e, justamente por isso, possuíam certa vantagem em relação às agremiações fundadas no primeiro período, as quais passavam por processos de transformação e adaptação ao novo modelo. Uma exceção foi a escola de samba Nenê de Vila Matilde que, embora fundada em 1953, devido a um maior

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Segundo Simson (1989, p. 120) “(...) essas novas agremiações sambistas contando com um significativo capital inicial e com a ajuda financeira de algumas empresas comerciais, além de contatos valiosos na burocracia municipal, se estruturaram num esquema completamente novo, trazendo para o mundo do samba uma visão mercadológica que buscava objetivamente o sucesso na avenida. Para isso buscavam seguir muito de perto o bem sucedido modelo carioca, pois do sucesso do desfile carnavalesco decorria uma boa freqüência aos ensaios, realizados nos fins de semana, na quadra da escola, que logo se tornaram outra fonte considerável de renda para essas agremiações”.

acesso ao carnaval carioca e a uma maior organização, teve uma adaptação mais rápida, sendo campeã dos três primeiros desfiles oficiais – 1968, 1969 e 1970.

Tornou-se interessante atrair para as escolas de samba pessoas mais instruídas ou de classes mais abastadas, pois dessa forma ampliavam-se as possibilidades de investimento para o incremento dos desfiles. Uma crítica comum a essa realidade é a condição do negro que de liderança passa a liderado, exercendo funções essenciais, como ritmistas, passistas, entre outras, mas subjugados. Situação criticada por Rodrigues (1984) em seu livro

Samba Negro Espoliação Branca, no qual analisa o carnaval carioca e afirma:

(...) insisto em que houve e continua a haver ainda, um processo de branqueamento daquelas festas porque considero a chegada do elemento branco dominante às escolas de samba como mais uma tentativa de anulação do grupo negro, enquanto detentor de formas espontâneas de associação. Essa inserção, embora seja vista por muitos como um meio de integração na nossa tão decantada “democracia racial”, funciona como mais uma forma de branquear esses eventos, retirando, como já foi dito no passado, através de uma transformação brusca e imperfeita, campos de ação do grupo negro (RODRIGUES, 1984, p. 6-7).

No que se refere às entidades carnavalescas negras paulistanas, a análise não pode se restringir à discussão étnica. Por um lado é possível questionar: até que ponto, seja em São Paulo ou no Rio de Janeiro, a participação da população chamada branca nos folguedos carnavalescos de origem negra não é também uma conseqüência do desenvolvimento da festa e da própria sociedade, e não necessariamente uma forma de espoliação deliberada? Ao menos não por parte de todos os componentes brancos, dirigentes ou não, pois, seja como for, as escolas de samba tornam-se representativas dos bairros onde se localizam, forjando uma identidade e fortalecendo o sentimento de pertencimento e, muitas

vezes, servindo como local de mediação das relações entre sujeitos com os mais diversos interesses55.

Por outro lado, embora a discussão acerca de questões étnicas seja pertinente, talvez os aspectos econômico e social sejam, nesse caso, mais esclarecedores, pois as ações do poder público e da indústria cultural sobre essa manifestação popular, as quais a massificam, e as conseqüências do processo de inovação na produção da festa, exigem ações e conteúdos cada vez mais normatizados, tecnicizados e financeirizados56. Conseqüentemente os mais pobres e menos letrados, em sua maioria negros, são subjugados. Trata-se, portanto, de uma questão social profunda. Além disso, as possibilidades de negócios, e mesmo as relações de poder, relacionadas às escolas de samba eram crescentes, o que atraia uma série de oportunistas brancos e negros57.

Após a oficialização, as escolas de samba seguiam com sua função de sociabilidade, realizando atividades como piqueniques, campeonatos de futebol entre as escolas, festas, festivais e rodas de samba entre outras atividades, mas os interesses econômicos por parte das escolas, da UESP e da Prefeitura se sobressaiam e, como conseqüência, muitas agremiações deixavam de exercer aquela função social tão comum no primeiro período, atendo-se prioritariamente à produção do desfile. E, muitas vezes, quando

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Ao analisar as escolas de samba do Rio de Janeiro Da Matta (1997, p. 134-135) chama a atenção para o fato que “a proposta das escolas de samba nunca é a de transformar-se numa instituição fechada (...) mas a de poder “seduzir” o maior número de pessoas, sobretudo as da classe dominante. Então elas ficam presas num paradoxo social e político, pois, na medida em que realmente poderiam ser instrumentos políticos, dado o seu alto poder de penetração, têm de se abrir para todos os grupos da sociedade. Dessa forma, seu sucesso e popularidade fazem com que deixem de ser realmente populares. Essas associações de baixo contém em sua ordem interna dividida os valores que acabam por fazer com que se atrelem às altas camadas da sociedade e nelas se difundam. E isso sem o risco de perder o seu centro inicial. A conciliação se torna o ponto central da dinâmica social desses grupos e da sociedade inclusiva. Por causa disso, a escola de samba (e tantas outras instituições populares) serve de mediação entre segmentos sociais com interesse social e politicamente contrários”.

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Como chamou a atenção a professora Maria Laura Silveira durante o processo de qualificação realizado em junho de 2007.

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Há uma série de exemplos referentes a pessoas que se aproximam das escolas de samba com a finalidade de obter vantagens e benefícios econômicos e políticos, ou de impor sua autoridade junto à comunidade, tais como os banqueiros do Jogo do Bicho que se tornam patronos de agremiações carnavalescas, muito comum no Rio de Janeiro; políticos que se aproximam, em especial em época de eleição, para utilizar a comunidade como massa de manobra; pessoas ligadas às mais diversas formas de contravenção e crime, tais como o Jogo do Bicho ou o tráfico de drogas, para camuflar suas ações, “lavar dinheiro” e manter seu poder local.

realizavam alguma atividade, tinham como objetivo final o lucro que seria investido na produção. A oficialização que por um lado foi muito importante para a permanência e para o crescimento dessa manifestação na cidade, por outro trouxe mudanças que transformaram o cotidiano das escolas de samba, o que foi muito criticado, como é possível observar nas seguintes afirmações

O número de escolas de samba em São Paulo tem crescido de forma assustadora, todos sabem. Mas apesar da Capital contar com mais de quarenta escolas de samba, o povo paulista, os integrantes das escolas, a população do bairro não tem opção de divertimento, pois apenas duas ou três agremiações mantêm suas atividades na entre safra, depois do carnaval. As escolas de samba que surgem perderam a função comunitária, que se não chegou a se definir, pelo menos se esboçou nas antigas. Mesmo as antigas vão perdendo aquela função, deixando de congregar a população de seus bairros, deixando de servir como ponto de encontro espontâneo de pessoas de uma mesma comunidade. (...) Já não se pode querer que a escola de samba volte a ter a função de congregação de um grupo de pessoas, às quais oferece segurança e identidade grupal (Notícias Populares, 06/07/1976)

“Do ritual hoje – afirma Ciro [Ciro Nascimento, vice-presidente da UESP] –, restam o palco, o microfone e o partido alto, que não tem nada de improvisação. A roda de samba transformou-se num misto de baile, programa de auditório e muito pouco do ritual africano, embora as escolas tenham surgido dela”. Para ele perderam-se as raízes das escolas de samba e seu lado cultural. A opinião de alguns diretores de escolas confirmam esse ponto de vista. O presidente da Unidos do Peruche, Walter Guarílio, argumenta, por exemplo, que a roda existe e serve para criar o clima de Carnaval. Os demais preocupam-se mais em salientar a representatividade econômica de tal empreendimento, responsável, em média, por 20% dos gastos necessários para se colocar uma escola na rua. Juarez da Cruz, presidente na Mocidade Alegre, estabelece uma relação tripla: roda de samba, cultura e dinheiro: “Em termos de cultura, a roda de samba é fundamental. Se as pessoas freqüentam as quadras, com sua família, de duas a três vezes por semana aprendem a gostar da nossa música, e isso influi na formação das crianças” (Folha da Tarde, 28/09/1985).

A massificação não fez das escolas de samba uma manifestação isenta de questionamentos e gerou problemas que até então não existiam, pois apesar das inovações e da normatização, a falta de uma estrutura adequada ao carnaval gerava transtornos na cidade. A infra-estrutura disponível para os desfiles oficiais realizados na Avenida São João – de 1973 a 1976 – não comportava o crescente número de componentes e espectadores que se concentravam na região central durante o evento. As reportagens a seguir chamam a atenção para os problemas enfrentados pelo público no carnaval de 1976, bem como dos transtornos causados aos moradores

o “empurra-empurra” durante os desfiles de ontem a tarde na av. São João, próximo à praça Julio Mesquita, foi violento. Eram mulheres e crianças que, no meio da multidão, gritavam aos policiais, pedindo ajuda. A confusão ocorria principalmente nas proximidades do edifício Andraus, onde foram colocados cordões de isolamento muito próximos às calçadas, deixando apenas um pequeno corredor no passeio para os passantes. Moradores do edifício São José, na av. São João, 856, reclamavam das autoridades, afirmando que não conseguiram sair para fazer compras, pois a porta do prédio ficou totalmente congestionada. Do alto dos edifícios os moradores vaiavam, enquanto a multidão, embaixo, se comprimia assuntada, todos com medo de cair ao chão e de serem pisoteados. Também ao lado do Cine Oásis, onde existia um estacionamento, foi colocado um grande tapume sobre a calçada, deixando apenas um metro de passeio para os populares. Ali chegaram mesmo a acontecer algumas brigas entre passantes que tentavam utilizar-se daquele pequeno corredor (Folha de São Paulo, 03/03/76).

(...) seria conveniente entregar-se o Carnaval a uma outra pasta: a Secretaria da Cultura. Afinal, o Carnaval paulista, pobre imitação do Carnaval carioca, perdeu as suas raízes. Portanto, nem atrai turista, nem diverte o povo. Ao contrário, afugenta um e outro (Última Hora, 04/03/1976).

Destarte, para evitar maiores problemas e uma possível desestruturação do desfile carnavalesco como um possível negócio lucrativo para a cidade, surge a necessidade de encontrar um local mais adequado para a realização da festa, o que ocorre em 1977 quando os desfiles foram transferidos para a Avenida Tiradentes, mudança que foi cuidadosamente

preparada. Em 1976 houve desfiles de escolas de samba na Avenida Tiradentes em duas ocasiões. No dia primeiro de maio, trinta agremiações, entre escolas de samba e blocos carnavalescos, desfilaram em comemoração ao dia do trabalho; e no dia quatro de setembro foram trinta e três agremiações em comemoração ao dia da independência, que contou também com um concurso para escolher o samba-enredo sobre o tema. De acordo com os jornais da época este último desfile teve a função de testar aquela que seria a nova passarela do samba paulistano, a qual contaria com uma maior infra-estrutura para sambistas e espectadores, bem como para a imprensa e demais empresas que tivessem interesse em investir nesse evento.

Esperam os sambistas que no novo local sejam resolvidos alguns dos problemas crônicos do carnaval paulistano: melhor acomodação para o público, criação de arquibancadas reservadas para quem deseja pagar e ter mais conforto e atender aos turistas que desejam ter locais reservados. Por ser a área livre de postes e fios [os carros alegóricos] poderão ultrapassar o limite de três metros de altura e os quatro de largura. Por outro lado espera-se que a iluminação seja bastante melhorada, com a colocação de transformadores e maior quantidade de lâmpadas, que irão melhorar o brilho das fantasias, além de facilitar o trabalho da televisão e dos cinegrafistas (Folha da Tarde, 06/09/1976).

Esses acontecimentos revelam a insatisfação dos sambistas e da população em relação aos desfiles carnavalescos, bem como a intenção das escolas e do poder público em transformá-los em um negócio mais viável economicamente.