CAPÍTULO III. A RELAÇÃO DE CONSUMO E O SEGURO DE VIDA EM GRUPO
1. A relação de consumo no seguro de vida em grupo típico
A primeira indagação que se pretende responder é se o contrato de seguro de vida em grupo está sujeito ao CDC, ou seja, se há, efetivamente, relação de consumo.
A configuração da relação de consumo depende da identificação concomitante, nos pólos da relação jurídica, de consumidor e fornecedor.
Explica Fábio Ulhoa Coelho, acerca da caracterização da relação de consumo:
“Os conceitos de consumidor e fornecedor, assim, têm caráter relacional. Ou seja, a identificação de um deles em dada relação jurídica somente se verifica a partir da presença do outro na mesma relação.”209
Para esta análise, serão relembrados, inicialmente, os principais aspectos do peculiar processo de contratação nos seguros em grupo e as definições de estipulante, seguradora, segurado, beneficiário e contrato de seguro.
No seguro de vida em grupo, os sujeitos de grupo determinado, ligados por interesse comum, podem aderir a uma única apólice, contratada pelo estipulante. Assim, o empregador, o sindicato ou a associação, ao contratarem a apólice coletiva junto à seguradora, possibilitam aos seus empregados, sindicalizados ou associados
a adesão ao seguro de vida em grupo. Aqueles que aderirem tornar-se-ão segurados.
O estipulante, portanto, é a pessoa física ou jurídica que mantém o vínculo com o grupo segurável e contrata a apólice coletiva junto à seguradora.
A seguradora é a pessoa jurídica constituída sob a forma de sociedade anônima que garante a cobertura dos riscos previstos no contrato de seguro.
O segurado é a pessoa física, pertencente ao grupo segurável, sobre a qual recaem os riscos garantidos pela apólice (morte ou sobrevivência). Como já salientado, ele deve estar ligado ao estipulante por um vínculo concreto.
O beneficiário no seguro de vida em grupo é a pessoa que receberá o capital previsto na apólice em caso de morte do segurado.
O contrato de seguro é aquele pelo qual a seguradora se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou coisa, contra riscos predeterminados. Ele é típico contrato de adesão, uma vez que o segurado não participa da elaboração de suas condições gerais. O segurado não goza da liberdade de discutir o conteúdo contratual e, por isso, só pode realizar a contratação se decidir submeter-se integralmente ás condições gerais do seguro.
O segurado é vulnerável ao aderir ao contrato de seguro de vida em grupo, cujo conteúdo é predeterminado pela seguradora e aprovado pelo CNSP. Da mesma forma ocorre com o beneficiário que venha a receber a cobertura no caso de morte do segurado.
Pode-se afirmar que, segundo a definição adotada pela doutrina finalista, o segurado e o beneficiário são consumidores, posto que utilizam os serviços
securitários (coberturas) em proveito próprio, satisfazendo necessidades pessoais, ou seja, caracterizando-se como destinatários finais da garantia objeto do contrato de seguro de vida em grupo, comercializado pela seguradora.
Por conseqüência, pode-se concluir que a seguradora enquadra-se no conceito de fornecedor, porque propicia a oferta de serviços securitários no mercado de consumo, de forma habitual, de maneira a atender às necessidades dos consumidores.
Ademais, ao conceituar o fornecedor como prestador de serviços, o caput do art. 3º do CDC nos remete à definição de serviço do § 2º, a qual menciona expressamente a atividade securitária:
“§ 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.” (g.n.)
Enquadrada a seguradora como fornecedora, o segurado e o beneficiário como consumidores, os serviços securitários como objeto da relação de consumo estabelecida, resta avaliar a qualificação do estipulante.
O estipulante é a pessoa física ou jurídica que contrata a apólice coletiva de seguro de vida em favor de grupo de pessoas que a ele se vincule, as quais poderão aderir ao seguro. O seguro de vida em grupo pode ser custeado exclusivamente pelo estipulante (não-contributário) ou mediante contribuição dos segurados (contributário), mas, independentemente da forma de custeio, a garantia objeto do contrato é destinada aos próprios segurados.
Pelo exposto, não é possível caracterizar o estipulante como consumidor. O estipulante contrata a apólice em favor dos componentes do grupo segurável, não podendo se identificar como destinatário final dos serviços securitários.
Também não é possível classificar o estipulante como fornecedor de serviços colocados no mercado de consumo.
O estipulante age em nome dos segurados, com poderes de representação de seus interesses, tanto na negociação dos direitos, obrigações, termos, condições e encargos do contrato, como na constituição válida do negócio jurídico. Cabe ao estipulante, ainda, a inclusão e exclusão de segurados do grupo, a intermediação na comunicação entre segurados e beneficiários com a seguradora, o recolhimento e repasse dos prêmios.
A atividade de administração de seguros, típica do estipulante, não é passível de colocação no mercado, e se insere no contexto do vínculo anterior e externo ao contrato de seguro, como nos casos de vínculo associativo ou trabalhista210.
Imagine-se apólice de seguro de vida em grupo contratada por empresa de veículos automotores para seus funcionários: a atividade econômica exercida habitualmente pela empresa é a fabricação de automóveis. A atividade de estipulação de seguros, por sua vez, decorre da relação de trabalho entre empregador e empregados, e não está disponível no mercado de consumo.
Nesse sentido, é importante frisar que só é objeto da relação de consumo a atividade regular, desenvolvida habitualmente pelo fornecedor, seja essa atividade
210
É importante frisar que o escopo deste trabalho não é identificar todas as espécies de vínculo estabelecido entre estipulante e segurados.
de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Conclui-se, portanto, que há relação de consumo no contrato de seguro de vida em grupo típico e a ele devem ser aplicadas todas as regras do CDC. Seus sujeitos e seu objeto são assim identificados:
a) fornecedor: seguradora;
b) consumidor: segurado ou beneficiário; c) objeto: serviços securitários.
Neste contrato, portanto, o estipulante é alheio à relação de consumo. A conclusão supra não é válida, todavia, quando se estiver diante de apólice de seguro de vida em grupo contratada por “falso estipulante”. É o que será discutido a seguir.
2. A relação de consumo no seguro de vida em grupo contratado por