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CAPÍTULO I. A ORIGEM DO SEGURO

2. Elementos do Contrato de Seguro

2.3. O risco

Ernesto Tzirulnik, Ayrton Pimentel e Flávio Cavalcanti definem o risco como “a possibilidade de ocorrência de evento predeterminado capaz de lesar o interesse garantido.”74

Nas definições doutrinárias mais antigas, encontrava-se o risco sempre vinculado à ocorrência de um evento, independentemente da vontade das partes. Entretanto, não é mais essa a realidade do instituto, o que se confirma, por exemplo, ante a existência do seguro de responsabilidade civil, que visa exatamente à cobertura de dano causado por culpa do segurado.

Essa posição doutrinária, já ultrapassada, tinha como fundamento jurídico a natureza aleatória do contrato de seguro, pois se entendia que, à medida que o risco ficasse na dependência da vontade de uma das partes contratantes, desapareceria a álea, elemento caracterizador do seguro75. Nesse sentido, Amílcar Santos afirma:

“O risco, sob pena de desaparecer a álea que caracteriza o seguro, não pode depender da vontade de nenhuma das partes contratantes. Por isso tem que ser futuro, independente da vontade dos

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Ernesto Tzirulnik e outros, p. 36.

contratantes, incerto ou de data incerta em sua realização, porém possível, isto é, suscetível de produzir-se.”76

Acerca da natureza aleatória do contrato de seguro, observações serão tecidas adiante, no item 3 deste capítulo.

Pedro Alvim define o risco por suas características fundamentais: deve ser evento possível, futuro e incerto, ou de data incerta, que pode ou não depender da vontade das partes77.

Pode ser considerado risco somente algo que tem chances reais de acontecer. Não é risco possível, por exemplo, a morte de pessoa que ainda não nasceu. A impossibilidade de ocorrência do risco torna o contrato nulo, pois, se não há risco, desaparece o interesse na garantia segurada e, conseqüentemente, o contrato perde seu objeto.

Na hipótese de impossibilidade superveniente ao contrato, este se resolve por falta de objeto, mas não será nulo a partir do momento da contratação.

Acerca da idéia de futuridade do risco, há que se destacar uma impropriedade legislativa. O CC de 1916, em seu art. 1.432, utilizava a expressão “riscos futuros previstos no contrato”. Entretanto, futuro é o sinistro e não o risco. O risco deve estar presente no momento da contratação. A ocorrência do sinistro, porém, nos termos do contrato, só terá cobertura se for posterior à contratação.

No que se refere ao requisito da incerteza, esta pode ser considerada em relação ao acontecimento do evento (incerteza absoluta) ou, ainda, em relação à data de ocorrência do evento certo, como a morte do segurado (incerteza relativa). Pedro Alvim acrescenta que, na hipótese de incerteza relativa, o segurador contrai

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Op. cit., p. 41.

obrigação a termo78. Todavia, merece uma ressalva esse posicionamento. O segurador contrai obrigação a termo apenas no que se refere ao pagamento da indenização, mas a obrigação de garantia é devida pelo segurador desde o firmamento do contrato de seguro.

O conhecimento do risco pela seguradora é de fundamental importância, uma vez que os cálculos atuariais para fixação do prêmio terão como base o risco a que está exposto o segurado. Por isso, pressupõe-se que os segurados atuem de acordo com a boa-fé, possibilitando o real conhecimento do risco pela seguradora, por meio de declarações verídicas.

Prevê o CC:

“Art. 765. O segurado e o segurador são obrigados a guardar, na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes.”

Esse dispositivo pretende garantir a cooperação entre as partes no momento da formação do contrato, tornando-o individual e socialmente útil, e, depois de formada a relação contratual, procura garantir que as modificações relevantes a ponto de afetar o equilíbrio entre as partes sejam reciprocamente reveladas.

Obviamente, o respeito à boa-fé não é direcionado apenas ao segurado, mas, quando se fala em conhecimento dos riscos segurados, é sobre ele que a norma exerce maior força. Nesse sentido, dispõe o CC:

“Art. 766. Se o segurado, por si ou seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido.

Parágrafo único. Se a inexatidão ou omissão nas declarações não resultar de má-fé do segurado, o segurador terá direito a resolver o contrato, ou a cobrar, mesmo após o sinistro, a diferença do prêmio.” O caput do dispositivo aplica-se aos casos em que o segurado age com má-fé. Já o parágrafo único do dispositivo cuida das omissões e inexatidões culposas, podendo acarretar: a) o não aperfeiçoamento do contrato (resolução contratual), se a declaração provocou aparente formação de um negócio que não seria celebrado se tivesse sido exata; e b) a adequação do contrato, se a declaração inexata acarretou a formação do contrato em outras bases, diferentes das que seriam tomadas como parâmetro na hipótese de declaração exata.

Além disso, o CC trata da agravação do risco, determinando que, nos casos de agravamento intencional, o segurado perde o direito à garantia, uma vez que fere a boa-fé contratual e rompe o equilíbrio entre as prestações:

“Art. 768. O segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato.”

Já para as hipóteses de agravamento não intencional, o CC estabelece ao segurado o ônus de comunicar ao segurador os incidentes que possam agravar o risco coberto, possibilitando à seguradora deliberar acerca da continuidade do contrato em outras bases ou da necessidade de sua resolução. Trata-se de especificação da onerosidade excessiva (arts. 478 a 480) para o contrato de seguro79:

“Art. 769. O segurado é obrigado a comunicar ao segurador, logo que saiba, todo incidente suscetível de agravar intencionalmente o risco coberto, sob pena de perder o direito à garantia, se provar que silenciou de má-fé.

§ 1º. O segurador, desde que o faça nos quinze dias seguintes ao recebimento do aviso da agravação do risco sem culpa do segurado, poderá dar-lhe ciência, por escrito, de sua decisão de resolver o contrato.

§ 2º. A resolução só será eficaz trinta dias após a notificação, devendo ser restituída pelo segurador a diferença do prêmio.”

Não se trata de qualquer incidente, mas apenas daquele conhecido pelo segurado e capaz de ocasionar desequilíbrio contratual.

O prazo estabelecido para a seguradora é de caducidade, ou seja, não havendo exercício de seu direito dentro do mesmo, a seguradora não mais poderá exercê-lo.

A vinculação do prêmio ao risco é de tamanha importância que o CC permite a revisão, ou mesmo extinção, do contrato nas hipóteses de quebra considerável na proporcionalidade entre esses dois elementos80. Este é o dispositivo que regula a matéria:

“Art. 770. Salvo disposição em contrário, a diminuição do risco no curso do contrato não acarreta a redução do prêmio estipulado; mas, se a redução do risco for considerável, o segurado poderá exigir a revisão do prêmio, ou a resolução do contrato.”

Como acontece em relação ao artigo anterior, nesse também se trata de especificação da onerosidade excessiva para o contrato de seguro. A diminuição não considerável do risco só causa a redução do prêmio se assim for pactuado. Já a diminuição considerável sempre possibilita ao segurado o direito de resolver o contrato ou requerer a diminuição de prêmio, não havendo para isso a imposição de prazo de caducidade.