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A RELAÇÃO ENTRE SABERES E SABORES NA PRÁTICA PEDAGÓGICA

A escola, segundo Rios (2010), deveria ser o lugar da descoberta, dos risos e dos encantos. Por isso, ensinar com sabor é dar sentido ao processo de aprendizagem, é intervir, mas não se opondo às necessidades e autonomia dos alunos, mas criando oportunidades para que todos façam parte do processo de ensino, buscando compreender as realidades sociais e sua própria existência. Aprender passa, necessariamente, por um processo de ensinar melhor, e este ensino carece de sabor para se tornar saboroso.

Ao nos restringirmos à aquisição de conhecimentos mecânicos e ao que está pré-definido, negligenciando o pensar e o questionar, tornamos o saber empobrecido, e isso nos faz negar que a constituição do saber perpassa por toda historicidade cultural, social, econômica e emocional do sujeito aprendente.

É preciso que haja de acordo com Síveres (2006), uma consonância entre conhecimento e sabedoria. Portanto, não há como desassociar o processo de aquisição do conhecimento da constituição do sujeito em sua plenitude, mostrando assim que estímulos exteriores e interiores influenciam de modo positivo ou negativo no caminho da aprendizagem.

A questão da relação entre saber e sabor na aprendizagem escolar pode ser enfocada pelo menos a partir de dois pontos de referência: como o professor ensina e como o aluno aprende. Dessa forma, a perspectiva de saber se amplia e se ampara na sociabilidade da partilha dos saberes por meio da interatividade com o outro. No que tangem a subjetividade, o saber é agregado pela historicidade do sujeito, bem como sua cultura, sua linguagem e seus conceitos.

Conforme Síveres (2006), o processo educativo deve propor situações que propiciem conhecimentos críticos e criativos. Essa perspectiva transforma a visão do papel da escola na relação entre aprendizagem, ensino e saber.

Portanto, existiria assim um saber sem sabor e um saber com sabor que mantém uma estreita relação com a identidade do indivíduo, sua cultura e seus saberes.

O entendimento de sabor é manifestado pela possibilidade de pensar sobre o saber, de inferir no entendimento do conhecimento de maneira mais próxima possível da pessoa, de maneira que a realidade se manifeste no seio do conhecimento, de modo que se perceba o que nos cerca e o que nos move.

Atrelar sabor ao processo de aprendizagem coloca o sujeito e o conhecimento em um mesmo espaço, tendo em vista que a educação tem em sua base as interações sociais que carregam histórias, linguagens, culturas que se interpenetram e se complementam mutuamente.

Assim, as diferenças subjetivas que ocorrem no processo de ensino- aprendizagem estão fortemente ligadas aos procedimentos metodológicos de ensinar e aprender.

Para dar um significado interativo a este procedimento, será aprofundada a relação entre os saberes e os sabores no processo de aprendizagem. Embora cada uma destas categorias seja apresentada de forma autônoma, a compreensão das mesmas deverá ser feita de maneira complementar.

Compreender como acontecem os processos de aprendizagem implica em entender como se processa e se desenvolve a cognição. Para Vygotsky (2003), o ser humano aprende por meio da interação com o outro, com o meio em que vive.

Assim, passamos a fazer escolhas, desenvolvendo um pensamento mais dinâmico e complexo a partir do nosso amadurecimento e contato com as coisas e os fenômenos.

Com base neste pressuposto, o processo de aprendizagem se divide em dois aspectos: o primeiro é o aspecto informal, pelo qual aprendemos constantemente sobre tudo que nos rodeia. É neste processo que se manifesta a aprendizagem da

cultura, da linguagem, dos pensamentos frente ao meio social, cultural e econômico, que para Libâneo (2011) seria a aprendizagem casual e espontânea.

O conhecimento adquirido ao longo do processo de aprendizagem, que ocorre por meio de falas e gestos que não são necessariamente ensinados, mas observados ao longo da vida, sem haver necessariamente fases, métodos, exercícios que possam afirmar este conhecimento.

Isto ocorre porque somos seres sociais, que se relacionam com uma grande capacidade de interagir com o meio em que nos encontramos. O processo de ensino-aprendizagem parte da consequência das diversas interações sociais que surgem nas salas de aula, que Libâneo (2011) chama de mediação pedagógica.

O segundo aspecto é a aprendizagem sistemática, que de acordo com Libâneo (2011), é a aprendizagem escolar. Este processo de aprendizagem é organizado e intencional, e segue uma padronização hierárquica, de acordo com os padrões de amadurecimento cognitivo do sujeito, perpassando um conjunto de singularidades de maneira estruturada.

Neste sentido os processos de aprendizagem, tanto sistemático quanto informal, se constroem e reconstroem continuamente. Desta forma, segundo Freire (2011b), o conhecimento vai se produzindo e superando o conhecimento antigo, de forma que os referenciais vão evoluindo e se recriando, adquirindo uma ótica mais sofisticada. Tendo em vista que, o contato com informações formais e informais provocam no ser humano inquietações que irão conduzir a uma necessidade de aprofundamento em aprender sobre aquilo que está sendo informado.

O conhecimento, neste caso, constrói-se e se sustenta a partir do meio social, cultural em que estamos inseridos. Há pessoas que desenvolvem uma grande capacidade de aprender a lidar com determinados elementos que estão em seu meio cultural, como por exemplo, a natureza e, no entanto, ao buscar aprofundar este conhecimento em nível acadêmico, tornam-se desmotivados e perdem o sabor por aquele conhecimento, entrando numa rotina epistemológica, fato identificado por Freire (2011a), como uma “educação bancária”.

Tal atitude fortalece um procedimento, que de acordo com Síveres (2012), caracteriza os sujeitos que se satisfazem com respostas prontas, deixando de fazer perguntas e de aprender com elas.

De acordo com as linhas de argumentação acima indicadas, pode-se destacar as diferentes formas de aquisição do conhecimento, aventando para a possibilidade de que o ato de ensino-aprendizagem com sabedoria pode redirecionar o pensamento e a visão do sujeito sobre o objeto de estudo.

Este caminho pode ser percorrido, conforme proposta de Morin (2011, p. 64), na medida em que “[...] refletir é ensaiar, e uma vez que foi possível contextualizar, compreender, ver qual pode ser o sentido, quais podem ser as perspectivas”.

A capacidade de mobilizar saberes para dominar situações concretas traz a necessidade de um pensar mais complexo, mais dinâmico e que contribua com o sentido da história pessoal e profissional.

Para efetivar esta proposta é necessário agregar sabedoria na aquisição e sistematização do saber. Este, para ser transformado em conhecimento sólido e significativo, demanda caminhos cognitivos para a aprendizagem, ou seja, possibilita formas diferentes de aprender e de relacionar os conhecimentos com a realidade.

Umas das possibilidades para instaurar um processo de ensino- aprendizagem, segundo Vygotsky (2003), seria levar em conta as particularidades individuais do sujeito.

Dessa forma a condição humana, por meio de uma aprendizagem com características de sabedoria, pode ser concebida por meio de uma mudança de comportamento, adquirindo e reformulando informações para se transformarem em conhecimento e sabedoria. Portanto, conforme sugestão do autor, o processo de ensino-aprendizagem deve desenvolver a personalidade do sujeito aprendente.

Outra sugestão de Vygotsky (2003), é que o processo de ensino- aprendizagem precisa considerar uma relação marcada pela troca de saberes. Tal atitude desencadeia a percepção e a reflexão do meio no qual o sujeito está inserido, fazendo com que a aprendizagem possa adquirir seu significado realmente humanizado, fato que poderá influenciar nas mudanças de paradigmas.

Assim, para a construção do conhecimento se tornar básica e realmente sólida e significativa para o ser humano, o fator da interação com o mundo é fundamental, tendo em vista que temos a necessidade de reconstruir, por meio dos outros e de outras realidades, nossas representações sociais, cognitivas e culturais.

Além da dimensão subjetiva e social do processo de aprendizagem, é oportuno indicar para a possibilidade de ampliação desse panorama. Com base nesta proposta, Ferreiro (1999), afirma que a possibilidade de aprendizagem inicia muito antes da inserção do sujeito na escola.

Saber utilizar, portanto, estas manifestações dialógicas com o objetivo de interligar as informações empíricas e científicas com o desenvolvimento cognitivo, é uma função imprescindível do professor, principalmente quando se utiliza de todas as manifestações culturais e sociais para buscar a autonomia, a criatividade e a criticidade nos processos pedagógicos.

Para Piaget (2011), a construção do conhecimento pelo sujeito constitui, por meio da interação com o objeto de estudo, a compreensão desta realidade, podendo suscitar, assim, uma forma ousada de organizar um novo conhecimento. Dessa maneira a construção do conhecimento se torna possível por meio de uma interação mediada pela ação do indivíduo, chegando aos conceitos de assimilação e acomodação.

Pensando nessa direção, a interação gera a possibilidade de aproximação dos saberes, agregando assim o conhecimento já consolidado pelo sujeito ao novo conhecimento de forma contextualizada.

O conceito de assimilação, segundo Piaget (2011) seria, por assim dizer, o processo mental que o sujeito utiliza para se aproximar do conhecimento, já acomodação seria o processo mental que modificam os conhecimentos por meio da interação com outros sujeitos e novos conhecimentos.

De acordo com Síveres (2006) e Libâneo (2011), a subjetividade, a sociabilidade e a interatividade são condições necessárias, para se construir um processo de ensino-aprendizagem com características de sabedoria.

Isto pode se concretizar a partir do momento em que o projeto pedagógico contemplar a formação e transformação da prática docente e discente, fortalecendo a interatividade da teoria e prática, a integração do ensino e aprendizagem, e a vinculação dos saberes e sabores.

As palavras saber e sabor tem a mesma origem, originando do verbo latino

sapere. Assim, o processo de ensino-aprendizagem deve, ao mesmo tempo, ter o

saber que seria o conhecimento aprofundado dos elementos filosóficos, científicos, sociais, culturais e humanos, agregado ao sabor, que seria a afetividade, o desejo e o valor no cotidiano escolar e na dinâmica educativa.

Esta vinculação entre o saber e o sabor, contextualizados no projeto pedagógico, de acordo com Castoriadis (2006), seria uma maneira séria e profunda de abordar os conhecimentos de forma libertária, na busca da autonomia e da democracia de maneira participativa e direta.

Na continuidade dessa proposta, para que se desenvolva uma educação com base no saber e no sabor é necessário desenvolver, segundo Castoriadis (2006), três categorias.

A primeira é despertar o educando para que esteja interessado no fato de aprender e demonstrar desejo por aquilo que aprende, a segunda é conscientizar o professor que é preciso gostar de ensinar e adorar as crianças, e em terceiro lugar criar valores e assegurar que os mesmos façam parte da sociedade.

O processo de despertar o interesse no estudante em aprender e ao mesmo tempo ter desejo por aquilo que se aprende, se funda em dar significado e interpretação ao objeto de estudo.

Nesse sentido, Castoriadis (2006) defende o conceito de práxis e o define como prática aliada à teoria, argumentando que a construção e consolidação do conhecimento se fazem por meio da complementação entre pensamento e ação.

A conscientização do educador em gostar de ensinar, inicia-se na autonomia e na liberdade de escolha pelo magistério. Deste princípio se evolui para a necessidade de contribuir com a educação, e no cerne desta contribuição, baseia-se a motivação do ensino.

Para Castoriadis (2006), a essência sempre precede a existência, assim a motivação do gostar de ensinar está em poder contribuir com a evolução humana.

A escola como promotora de criação de valores na sociedade, deve se basear em um projeto de autonomia na esperança, onde os indivíduos refletem e deliberam de maneira a transformar o contexto social.

Tal disposição, de acordo com Castoriadis (2006), elucida o fato de que não basta conhecer a sociedade, mas compreendê-la e articulá-la a um projeto social, humano e democrático.

Com base nestas categorias o processo de ensino-aprendizagem tem em seu cerne o sabor. O tempero essencial no processo saboroso de ensino é a vinculação de todos os sujeitos envolvidos no processo de aprendizagem, de maneira que se trabalhem propostas pedagógicas desafiadoras e que levem os estudantes a pensarem sobre o seu papel no mundo, que segundo Rogers (1984), seria buscar o conhecimento centrado na pessoa.

Tal reflexão instiga o processo de ensino-aprendizagem como um vínculo entre as pessoas e em prol de uma educação significativa e em consonância com a realidade.

Dentro da perspectiva do sabor, porém vinculado ao saber, Freire (2008), relaciona três pontos importantes que o educador necessita para proporcionar a interação de saberes em sala de aula, que podem dar um sabor ao processo aprendente.

Tais aspectos seriam: perceber o indivíduo como ser único e também perceber a coletividade, construir um encontro entre ideias por meio do diálogo, e gerir o espaço educativo com o objetivo de desenvolver a autonomia dos alunos. Estes pontos, segundo o autor, podem possibilitar a troca e a articulação dos saberes não apenas escolares, mas também sociais e culturais.

O primeiro ponto é a percepção do indivíduo como ser único e também coletivo, parte do pressuposto de conhecer a subjetividade e a singularidade, mas transpondo para a necessidade de entender a sociedade de forma articulada.

Este aspecto, segundo Carvalho (2012), seria a condição de pertencimento, de maneira que se possa localizar o sujeito e suas particularidades, inserindo-o no contexto educacional e social.

O segundo ponto é o diálogo, compreendido como objeto de articulação de saberes entre os sujeitos, uma vez que o mesmo é fator mediador das relações humanas.

Tal aspecto, de acordo com Freire (2008), seria uma constante autoconstrução por meio da socialização, tendo em vista que no processo educativo o diálogo é a presença viva das manifestações sociais, culturais e ideológicas, e consequentemente, fator relevante para a formação e transformação do conhecimento.

O terceiro ponto, parte do princípio de que o desenvolvimento da autonomia dos alunos, seria por assim dizer, inserir nos ambientes educativos o pensamento reflexivo sobre as questões que influenciam toda a sociedade de maneira direta ou indireta.

De acordo com Freire (2011b), é desenvolver um comprometimento ético, seriedade e cumplicidade no processo de formação, bem como discutir alternativas sociais, econômicas e humanas, de maneira a impulsionar um novo sentido para a existência.

Com base na proposta de Freire (2011b), relacionada ao saber, o processo de ensino-aprendizagem deve ser contínuo e articulado com todos os saberes do estudante e do professor, de maneira que haja uma transversalidade e uma transcendência de conhecimentos.

Para fortalecer este argumento, Batalloso (2012, p. 152) afirma que, “Uma das características essenciais de todo o fenômeno educacional é sua condição complexa, crítica e instável”.

Dessa forma, ao se articular as concepções de saber de Freire (2011b) e de sabor de Castoriadis (2006), pressupõe-se que todos os sujeitos envolvidos nesse procedimento de ensinagem e de aprendizagem se conscientizem de que o projeto educativo, não é estático, mas dinâmico, e influenciado pelo contexto social, cultural,

econômico e humano, podendo proporcionar o saber com sabor à história, e saboreando as potencialidades dessa realidade se construa conhecimentos realmente significativos, proporcionando assim, segundo Síveres (2006), um saber saboroso.

O saber é preponderante na instauração de um novo pensar, de uma nova maneira de entender a sociedade e suas contradições. Conforme Síveres (2006, p. 157), “O saber não se reduz, simplesmente, à ciência e ao conhecimento, mas se reproduz como uma energia transformadora da sociedade”.

Dessa forma, a aquisição do saber deve ultrapassar os simples conhecimentos e metodologias, unificando as relações, trabalhando o entrelaçamento de pensamentos e atitudes, e propondo uma nova organização social que possa verdadeiramente valorizar o indivíduo e legitimar uma sociedade com mais consciência ética e democrática.

Buscando novamente Síveres (2006), o autor lança mão da necessidade do saber ouvir, bem como saber viver, e saber fazer de maneira entrelaçada e articulada uma consonância com o saber científico.

Com base nesta proposta, a educação pode trazer uma maior significância para a sociedade, tornando-se parte de todos os sujeitos que buscam um projeto educativo que trabalhe a diversidade e a singularidade, o local e o global, o indivíduo e a comunidade.

Dessa maneira, o sabor está manifestado em todas as articulações dos saberes, para que assim haja uma troca entre educando e educador, e que essa troca possa proporcionar, tanto para quem ensina, quanto para quem aprende, uma possibilidade de aprendizagem interativa e saborosa, desenvolvendo atitudes e valores.

Nesse contexto, o princípio do sabor e do saber no projeto de ensino- aprendizagem perpassa a dimensão da formação e da reflexão, de maneira que o espaço educativo seja construído e considerado por todos os sujeitos educativos.

A educação e o conhecimento devem partilhar o mesmo espaço, no qual todos possam correlacionar teorias e práticas em função de um crescimento social, cognitivo, científico e humano.

Relacionar o saber e o sabor, no projeto de ensino-aprendizagem, indica para a superação de uma escola monológica e a proposição de uma educação dialógica; recomenda a minimização de um aluno dependente e a maximização de um estudante criativo; sugere a mudança de um professor informativo para um docente reflexivo. Na medida em tais aspectos puderem ser consolidados, é possível projetar uma educação pautada em saberes e sabores.

2 A TRAVESSIA PELO OBJETO DE PESQUISA

O contexto onde se ampara a pesquisa é a manifestação das práticas pedagógicas no interior das salas de aula e sua articulação com a promoção do pleno desenvolvimento do ser humano, com vistas a identificar os saberes que permeiam tais práticas.

Nessa dinâmica investigativa, foi utilizado o método de pesquisa qualitativa, que para Parra Filho e Santos (2011, p. 81) “[...] é o caminho a ser trilhado pelos pesquisadores na busca do conhecimento”.

Frente a este contexto, a pesquisa trouxe pontos de grande relevância nos discursos dos professores que refletem a resolução nº 4, de 13 de julho de 2010, (BRASIL, 2010) que define as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica, em seu artigo 6º, (BRASIL, 2006) onde estabelece que:

Na educação básica, é necessário considerar as dimensões do educar e do cuidar, em sua inseparabilidade, buscando recuperar, para a função social desse nível da educação, a sua centralidade, que é o educando, pessoa em formação na sua essência humana.

O método de pesquisa qualitativo utilizado neste trabalho, de acordo com Demo (2012), elucidou que a informação qualitativa não carece ser neutra ou objetiva, e muito menos manipulada. Dentro desta perspectiva, as informações obtidas nas entrevistas retrataram as práticas pedagógicas dos educadores de maneira espontânea.