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3 COMPREENSÃO LEITORA: A COMPLEXIDADE DO PROCESSAMENTO

3.4 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS ACERCA DA LEITURA DE TEXTOS

3.4.2 A relação semântica entre as imagens e o texto verbal

Os gêneros discursivos/textuais que concretizam a comunicação humana materializam-se por meio de códigos linguísticos e não linguísticos, que se dividem nas categorias: verbal e não verbal. A linguagem verbal organiza-se nas modalidades escrita e oralidade e a linguagem não verbal está ligada aos modos de significação que não se expressam por meio de palavras, como as linguagens visual/imagética e sonora. (GOMES, 2013)

Conforme pontuamos anteriormente, no segundo capítulo, a língua alia-se a outros modos semióticos, como as imagens estáticas e em movimento, para fins representacionais e comunicativos, resultando na circulação social de uma grande variedade de textos que não se restringem ao emprego do código verbal escrito em sua composição. Assim, a imagem apresenta-se como uma linguagem tão potencialmente significadora quanto o texto verbal, uma vez que também está impregnada de valores sociais, históricos e culturais, de modo que é de fundamental importância na produção dos sentidos em diversos gêneros discursivos/textuais.

Os estudos e reflexões acerca da imagem e de seu potencial comunicativo não são recentes. Santaella (2012) aponta que uma das definições mais antigas pode ser encontrada no livro VI da obra A república, de Platão, na qual o filósofo define as imagens, primeiramente, como sombras, depois, como reflexos observados na água ou na superfície de corpos opacos. Esse registro denota a relevante função desempenhada pelas imagens nos contextos culturais das sociedades devido à sua inata expressividade.

Além disso, a imagem está presente no processo histórico da comunicação humana desde a era primitiva, período em que o homem registrava sua fala simbolicamente por meio de pinturas nas paredes das cavernas. Gomes (2013, p. 79) relata que no período medieval, os manuscritos e textos impressos apresentavam traços e peculiaridades visuais que os configuravam também como textos visuais: “[...] apresentavam algum tipo de combinação de

tamanho de letras, tipos de fontes, margens e espaços entre letras, adereços visuais, de forma que todo texto impresso é visual”.

Na contemporaneidade, em virtude das possibilidades disponíveis nos meios digitais e pelos recursos das tecnologias da informação e comunicação, os limites entre a linguagem verbal e o imagético estão cada vez mais tênues. Frequentemente, percebemos a inserção da imagem em enunciados produzidos em variadas situações de interação social. Estamos cercados por imagens nas mais diversas áreas da atuação humana. Nesse contexto, esses recursos visuais (as imagens) exercem variadas funções comunicativas, como divertir, informar, opinar, promover, denegrir, comprovar ou esclarecer etc., constituindo-se como um elemento de grande relevância na comunicação humana.

As múltiplas funções exercidas pelas imagens enfatizam o seu papel enquanto unidade comunicativa, cujo significado pode ser expresso independentemente do discurso verbal e funcional com propósitos retóricos como um eficiente meio de persuasão (ALMEIDA, 2013, p. 191).

Corroborando essa perspectiva sobre a autonomia das imagens, Rojo (2012) e Gomes (2013) afirmam que as imagens e seus arranjos podem ser tão ou até mais esclarecedores e tão expressivos semanticamente quanto o código verbal. Assim, as relações semânticas que se estabelecem entre a linguagem verbal e a não verbal cumprem um papel de extrema relevância nos contextos de interações sociais da contemporaneidade.

Nessa perspectiva, nos baseamos nos estudos de Santaella (2012) para entendermos as relações semânticas estabelecidas entre as materialidades verbal e visual. Segundo Santaella (2012), as relações entre o código verbal e a imagem são íntimas e diversificadas, podendo a imagem ilustrar o texto verbal ou o texto verbal apresentar-se como esclarecedor e explicativo da imagem. Ainda assim, a imagem parece não ser suficiente como recurso comunicativo sem o código linguístico para alguns estudiosos, levando-os a questionamentos acerca da autonomia da imagem. Santaella (2012) explica que esse questionamento está pautado na abrangência interpretativa inerente à imagem, que se dá pelo caráter cultural e pelo caráter ideológico dos elementos imagéticos. Deste modo, as imagens “serão discursos polissêmicos” (SANTAELLA, 2012, p. 110), podendo apresentar uma variedade de possíveis atos comunicativos, demandando, portanto, especificação, explicação por meio do emprego da linguagem verbal.

Santaella (2012) afirma que as relações entre texto e imagem podem ser observadas através de diferentes pontos de vista. Assim, ela apresenta três perspectivas analíticas: as relações sintáticas, as relações semânticas e as relações pragmáticas. As discussões tecidas

nesta pesquisa serão em torno das relações semânticas, que são tomadas como uma de nossas estratégias metodológicas de análise do corpus, uma vez que nossa pesquisa objetiva analisar a abordagem das imagens enquanto produtoras de sentidos em atividades de leitura propostas por LDPs do ensino médio para o gênero tira. Investigaremos, então, se a leitura das imagens constituintes das tiras e de sua integração com a linguagem verbal nestes textos foi contemplada nessas atividades de compreensão leitora, considerando a abordagem da informatividade das imagens e de outros elementos visuais, como o uso de cores, por exemplo, que compõem esses textos.

De acordo com a autora, na perspectiva semântica, as relações entre linguagem verbal e imagem analisam a contribuição da articulação entre os elementos verbais e os imagéticos para a construção de uma mensagem/enunciado. As relações semânticas caracterizam as cargas informativas desses elementos por meio de dois polos extremos de um contínuo, que vão da redundância à informatividade. Nesse contínuo, há quatro diferentes relações semânticas que se estabelecem entre a imagem e o texto verbal: redundância, dominância, complementaridade e discrepância.

Segundo Santaella (2012), a imagem pode ser semanticamente inferior ao texto quando ela apenas o ilustra, sem acrescentar informações ao que é apresentado pelo código verbal. Assim, o recurso imagético constituinte do texto torna-se inferior ao elemento verbal, pois seu nível de informatividade não contribui para uma melhor compreensão dos sentidos do texto, tornando a relação entre as duas linguagens redundante, caracteriza-se como “a contraparte extrema da dominância” (2012, p. 114). Nesse tipo de relação, a linguagem verbal tem primazia sobre a imagem, o leitor necessita retornar a determinada parte do texto para compreender o elemento imagético.

A dominância dos elementos imagéticos acontece quando “há uma sobrevalorização da imagem frente ao texto: a imagem é considerada mais informativa do que o texto.” (SANTAELLA, 2012, p. 113). Nesse caso, a linguagem verbal é subordinada à linguagem imagética, precisando desta para ser contextualizada na construção de sentidos no texto. Essa ocorrência apresenta-se, segundo a autora, por exemplo, em volumes de gravuras artísticas, em propagandas, em fotos com assinaturas e exemplificações enciclopédicas; “sem a imagem, uma concepção do objeto é muito difícil de ser obtida” (SANTAELLA; NÖRTH, 1997, p. 57).

Martinec e Salway (2005, p. 343, tradução nossa) dizem que quando o status da imagem é igual ao do texto verbal pode haver duas classificações: independente e complementar. “Uma imagem e um texto são considerados independentes e de igual status

quando estão juntos e não há sinais de que um modifique o outro”. Ou seja, o código verbal e a imagem apresentam a(s) mesma(s) informação(ões). Eles também apontam que “Quando texto e imagem estão juntos e modificam-se mutuamente, o seu status é considerado complementar” (MARTINEC; SALWAY, 2005, p.343). Nesse caso, as informações apresentadas pela(s) imagem(ns) e pelo código verbal não são (totalmente) iguais e se complementam para construir o sentido do texto.

De acordo com Santaella (2012), a relação de complementaridade acontece quando a imagem e o texto verbal possuem o mesmo nível de informatividade. Nesse caso, a imagem é integrada ao texto verbal e ambos possuem o mesmo valor informativo, ou seja, as informações apresentadas pelo texto verbal contribuem para a compreensão da imagem, ao mesmo tempo em que o conteúdo apresentado pelo elemento visual é fundamental para a compreensão do dito por meio do código verbal.

Santaella e Nörth (1997) e Santaella (2012) alegam que a relação de discrepância ou contradição entre a imagem e o texto é uma combinação que não é redundante, nem informativa. Nessa ocorrência, a linguagem verbal e a imagem não combinam, não há coerência entre seus conteúdos ou até apresentam-se como contraditórios. Os autores explicam que a relação de discrepância pode ser inclusive proposital, não se tratando de uma soma de informações apenas, havendo, nessa situação, a possibilidade de realização de uma nova interpretação da mensagem total.