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A religião católica como local de início da militância

4.3 Pensamentos de algumas Mulheres Negras na cidade de Salvador

4.3.2 A religião católica como local de início da militância

As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) surgiram na década de 1960 com a participação de religiosos e fiéis ligados à Igreja Católica envolvidos em ações comunitárias e com o apoio da própria igreja, ajudando as pessoas com menor poder socioeconômico a lutar para garantir seus direitos. A Teologia da Libertação89 dava aporte teológico às CEBs nas lutas políticas da comunidade, pois era necessário um arcabouço teórico que explicasse a situação social e justificasse as ações.

Três entrevistadas, Adeola, Ayan e Nadifa, mencionaram que antes de ingressarem no movimento negro já vinham atuando em suas comunidades participando de grupos ligados à Igreja Católica. No período histórico referido pelas entrevistadas, final da década de 1970 e início de 1980, havia forte influência da Teologia da Libertação. Não iremos nos deter sobre a Teologia da Libertação, mas é necessário pontuar a sua importância nesse contexto histórico e como a mesma incentivou as entrevistadas a atuar enquanto ativistas sociais.

Joelma Gentil do Nascimento (2012), em sua pesquisa de mestrado, intitulada Memórias organizativas do movimento negro cearense: algumas perspectivas e olhares das mulheres militantes, na década de oitenta, apresenta similaridades com essa pesquisa ao evidenciar que algumas de suas entrevistadas também iniciam a militância fazendo parte da Igreja Católica, a partir das Comunidades Eclesiais de Base, e que nesse espaço principiam a motivação para a questão racial.

Adeola fala sobre o início de sua militância na causa étnico-racial, indicando que já atuava em sua comunidade com o grupo de jovens ligado à Igreja Católica:

89 O Concílio Vaticano II e o golpe militar em 1964 contribuíram para que alguns padres se envolvessem mais efetivamente com as questões econômicas e sociais. A Conferência de Medellin, que reuniu o Episcopado da América Latina, tirou como diretriz básica a opção preferencial pelos pobres. Para melhor compreensão da Teologia da Libertação indico a leitura: BOFF, Leonardo. Teologia do cativeiro e da libertação. Petrópolis: Vozes, 1998.

Minha inserção no movimento negro vai acontecer em 1981, quando um amigo meu que é padre vai me apresentar num evento referente à questão racial, no Campo Grande, a algumas lideranças do movimento negro que eram: Luiz Alberto90, Luiza

Bairros, Gilberto Leal91. Então eu fui apresentada a eles num desses eventos e a

partir daí eu comecei a fazer parte do MNU, Movimento Negro Unificado, em função do meu interesse em fazer a militância na causa racial. Já existia um interesse, já existia uma sensibilização, já existia uma consciência de que tinha algo errado nas relações e eu queria fazer parte desse movimento... Já vinha fazendo movimentos na igreja, eu era de grupo de jovens da igreja, então já tínhamos encenado Neimar de Barros, o Deus negro, então já vinha mexendo na comunidade em várias coisas, já vinha participando de várias atividades na comunidade (informação verbal)92.

A participação nas questões comunitárias por meio da atuação na igreja lhe proporcionou transitar de sua comunidade para outras partes da cidade e conhecer lideranças negras do movimento negro que a conduziram ao seu interesse maior, ser ativista negra.

Outra entrevistada que cita sua atuação a partir da pastoral da Igreja Católica é Nadifa. A depoente começou o seu ativismo no ano de 1986, através do grupo cultural Polêmica Negra, que atuava no bairro de Pernambués, influenciada por seus irmãos mais novos. Esse grupo tinha ligação com a Igreja Católica, por meio da Pastoral do Negro:

Eu morava em um bairro de periferia, Pernambués, e a maioria dos da minha geração que moravam ali não tinha muito movimento de ir para a cidade, ir e voltar, enfim. Mas, no bairro do Pernambués tinha um grupo cultural chamado Polêmica Negra, que era um grupo que meus irmãos faziam parte. Era um grupo cultural porque um dos objetivos do grupo era articular grupos de dança e participações em afoxés, também tinha uma parte do grupo que era ligado ao grupo da igreja. Naquele período as Comunidades Eclesiásticas de Base estavam em alta. Então tinha um grupo que era um grupo chamado Ginga que era ligado à igreja e que era um grupo que fazia estudos e também desenvolvia atividades de ações mesmo nas comunidades sobre a questão racial. Era coordenado por um padre italiano, padre Heitor. Ele era muito ligado a pastoral do negro e o Ginga era um grupo que se inseria também na pastoral do negro. Então, o Polêmica era formado por esse pessoal vinculado a igreja (informação verbal)93.

As Comunidades Eclesiais de Base, a partir da proposta da Teologia da Libertação, teve papel significativo na discussão racial dentro das comunidades da periferia e, como enunciado por Nadifa e Adeola, é esse espaço que se constitui como primeiro local da militância como militantes da causa racial.

A entrevistada Ayan, assim como as entrevistadas anteriores, evidencia que sua militância também inicia junto à igreja católica:

90Dirigente sindical, um dos fundadores do Movimento Negro Unificado (MNU) e da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Em 1997, foi o primeiro deputado federal negro eleito. É filiado ao Partido dos Trabalhadores.

91 Geólogo, foi um dos fundadores do MNU na Bahia, e atualmente é coordenador da Coordenação Nacional de Entidades Negras (CONEN).

92 Entrevista realizada com Adeola. 93 Entrevista realizada com Nadifa.

Eu era uma adolescente, eu fazia trabalho social lá na igreja, no movimento de igreja, fui catequista...então eu sempre fui inquieta, então eu estava sempre fazendo alguma coisa para melhorar a vida da minha comunidade, com jovem, com criança, com adulto, então fazia várias atividades (informação verbal)94.

Para a entrevistada, essa inquietação para atuar em prol das pessoas de sua comunidade vai ser ampliada quando a mesma passar a participar do movimento negro, como veremos em outro subtópico.