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Teoria dos Novos Movimentos Sociais: contribuição no pensamento em torno dos

Alberto Melucci (1989) faz uma apreciação da reavaliação teórica sobre movimentos sociais, na década de 1970, e afirma que a ação coletiva, durante algum tempo, foi contemplada pelo olhar tradicional do marxismo, desconsiderando a ação dos sujeitos envolvidos. O comportamento dos indivíduos foi considerado homogêneo e a ação coletiva apresentada como incontestável, não necessária de um maior aprofundamento: “[...] este problema é evidente nas análises tradicionais dos fenômenos coletivos, dos quais aparece, assim, como ações sem atores, como uma soma de eventos individuais” (MELUCCI, 1989, p. 18)39. Esses são alguns problemas apontados pelo autor, que continua afirmando que a diferenciação de campos de atuação e resistência coletiva dos movimentos sociais, as formas de ação, os atores já não estão mais de acordo com a imagem estereotipada desses sujeitos coletivos como uma multidão sem configuração determinada.

O autor nomeia os trabalhos teóricos dessa época de paradigma cético (sceptical paradigm), e justifica ao afirmar que a ação coletiva não dava a devida importância ao que os movimentos diziam sobre si. Em vez disso, a importância era assentada no sistema de relações internas e externas que compõem a ação coletiva. Essa crítica irá se aplicar sobre as relações sistêmicas, desconsiderando as motivações dos atores. O porquê, e não o como, é elucidado pelo paradigma estrutural, não levando em conta as interações grupal e a constituição dos atores sociais.

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É necessário compreender que os movimentos sociais se constituem em processos diversificados, no qual coexistem conflitos e, deste modo, deve ser incluído como um princípio das relações sociais. Portanto, são plurais, não possuindo uma suposta unidade tão proclamada devido à subjetividade de seus protagonistas. Os movimentos sociais devem ser considerados como uma forma de ação coletiva que expressam conflitos entre atores antagônicos; que permite solidariedade repartindo uma identidade coletiva entre os mesmos e provoca rupturas com os limites do sistema em que ocorre a ação (MELUCCI, 1989).

Melucci (1989) conceitua identidade coletiva como a produção de mútuas influências entre os sujeitos que vão se preocupar com as direções de suas ações e com as oportunidades e entraves enfrentados. Para compreender como se dá a construção da identidade coletiva nos movimentos sociais, o autor afirma que nem os padrões macroestruturais da ação coletiva e nem as motivações pessoais são suficientes, porque é necessário um entendimento intermediário dessas ações. Esse “meio termo” será perceber que esses atores compartilham algumas orientações em comum e negociáveis; a partir daí, devem atuar enquanto coletivo. Portanto, é imprescindível que a análise da identidade coletiva supere o que os sujeitos definem de si e do campo de atuação.

Esse modelo de abordagem é chamado de Teoria dos Novos Movimentos Sociais (TNMS) porque, de acordo com Melucci (1989), as configurações contemporâneas de conflito possuem caráter permanente e coexistem com grupos sociais considerados tradicionais, e a participação e socialização são aperfeiçoadas por novas redes aprofundadas no cotidiano. Esse formato diferencia-se do modelo clássico, que considerava movimentos sociais somente a ação coletiva dos conflitos de classe, desconsiderando especificidades do coletivo e outras questões como gênero, étnico-racial, geracional, entre outras. Consequentemente, deve-se compreender que as ações coletivas acontecem de diferentes formas, e que a sociedade tem passado por transformações que produzem novos códigos. Assim, o novo está no sentido de reconhecer os movimentos como plurais nas suas constituições e ações que aspiram as transformações nos modos de vida e da sociedade civil.

A categoria movimentos sociais é estudada a partir do contexto europeu. Surge no século XIX, através da insurreição populacional na Europa. Esse conceito vem passando por várias ressignificações; entretanto, ainda se revela impreciso e, por este motivo, vem sendo empregado de diversas formas para qualificar todo tipo de associação civil (GOSS; PRUDÊNCIO, 2004). Neste trabalho, utilizo essa categoria para delinear as ações do movimento negro e, em especial, do movimento de mulheres negras. Assim, dentre os múltiplos modelos em torno dos movimentos sociais, elegi o da Teoria dos Novos

Movimentos Sociais.

Alguns autores apresentam críticas a TNMS. Edelman (2001) afirma que esta teoria, ao sair da Europa e ser abordada na América Latina, não consegue contemplar questões religiosas, comunitárias e da diversidade de origens de classes e a relação com o Estado. Reiter (2010) persiste no argumento de Edelman, declarando que os grupos historicamente excluídos não têm nada de novo quando se trata de suas condições pós-materialistas e seus empenhos para obter direitos. O autor exemplifica com a escravização de negras e negros no continente africano ao resistirem, sendo necessário a associação entre diversos grupos étnicos a partir de um "[...] sentido mínimo de identidade coletiva. Assim, temos de assumir que as identidades coletivas que eram transétnicas (e, portanto, mais 'racial' do que étnica) surgiu nos navios negreiros trazendo africanos para as Américas" (2010, p. 156, tradução nossa). No mesmo trabalho, Reiter examina que o período compreendido entre 1970 e 1980 no Brasil não foi o aparecimento de novos movimentos sociais, mas uma transferência de repertórios nos protestos, em resposta a novas oportunidades políticas e financeiras.

Esses racíocinios expressados por Edelman e Reiter (2001, 2010) demonstram restrições na TNMS. Todavia, mesmo com essas limitações, essa teoria oferece uma apreciação dos movimentos sociais sob cinco perspectivas, de acordo como Gonh (1997), que contemplam a investigação dessa pesquisa. São elas:

a) é um modelo que tem como suporte a cultura, considerando as ideologias e as falas como manifestações das estágios culturais, diferente da linha marxista que considera a consciência de classe;

b) recusa o modelo tradicional do marxismo, pois o mesmo não consegue

elucidar de que forma acontecem as ações dos sujeitos e do coletivo na sociedade contemporânea;

c) considera o sujeito como um ser complexo, sem hierarquias, que reivindica acesso aos bens, reconhecendo as consequências danosas que esses bens podem oferecer;

d) a política é vista a partir do enfoque da vida social, não possuindo divisões e sendo aplicada nos vínculos microssociais e culturais;

e) as ações e a identidade coletiva são os norteadores para apreciação dos atores sociais.

Mesmo admitindo que a TNMS possui falhas, as possibilidades elencadas acima, como: base na cultura, considerar outros fatores além da questão de classe social, perceber os sujeitos em suas subjetividades na formação de uma identidade e ações coletivas e reconhecer

que as questões microssociais têm grande importância nos fazem apoiar nessa teoria para analisarmos sobre Movimentos Sociais, em particular a organização de mulheres negras.

Ao analisarmos os Movimentos Negros, surge como questão o porquê de se ponderar a partir da TNMS, visto que esta passa a existir dentro de uma perspectiva societária bastante adversa do contexto brasileiro, sobretudo considerando que a população negra já se organizava desde o processo de escravização nas américas. Como exemplo temos: a Revolta de São Domingos, no Haiti (1791 a 1804), na qual a população negra escravizada declarou a independência desse país40; o Palenque de San Basílio41, cidade fundada na Colômbia por negros escravizados fugitivos, tendo os mesmos mantido sua linguagem e cultura; a formação dos quilombos como locais de resistência42, entre outros. No Brasil, tivemos várias sublevações, como: o Quilombo de Palmares, que foi o maior quilombo da diáspora negro- africana, constituindo-se como local de referência da luta da população negra brasileira, e a Revolta dos Malês, que aconteceu em 1835, na cidade de Salvador, e teve como uma das lideranças Luiza Mahin.

É nesta perspectiva que reflito sobre os movimentos negros brasileiro e, em especial, o movimento de mulheres negras, pois esses movimentos sociais evidenciam que o racismo e machismo não se limitam à questão de classe. Os fatores sociais e econômicos afetam a população negra, mas a ideologia da superioridade de uma raça em detrimento de outras, no caso a branca em relação à negra, pôs negros e negras em um lugar cristalizado e naturalizado pelo senso comum, que é o da inferioridade. A abordagem, através de uma releitura, que pretendemos dar à TNMS, permite que se possa analisar o movimento negro e de mulheres negras como um grupo de indivíduos que, mesmo no coletivo, possuem suas singularidades relacionadas a sexualidade, idade, classe social, entre outras, mas que se percebem parte de um grupo.

3.2 A construção da identidade negra como uma identidade coletiva e política

A partir da compreensão de que movimentos sociais se constituem como a ação coletiva de sujeitos plurais, considerando suas subjetividades e as relações estabelecidas entre os sujeitos, é que iremos pensar na construção da identidade negra como uma identidade

40 Para saber mais sobre a Revolta de São Domingo,s recomendo a leitura FICK, Carolyn F. The making of Haiti: the Saint Domingue revolution from Below. Knoxville: University of Tennessee Press, 2004.

41 Recomendo a leitura FRIEDEMANN, Nina S. de. San Basilio en el universo kilombo-África y palenque- América. In: Restrepo, Luz Adriana Maya (Coord.). Geografía humana de Colombia. Los afrocolombianos. Bogotá: Instituto Colombiano de Cultura Hispánica. 1998, p 79-101.

42 Recomendo a leitura Quilombos das Américas: articulação de comunidades afrorrurais: documento síntese. Brasília: Ipea: SEPPIR, 2012.