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DESVENDANDO O MANGÁ NACIONAL

3. A Linguagem de Holy Avenger

3.1. A Representação Pictográfica do Som: as Onomatopéias

Como descrito no capítulo 2, tópico 2, as onomatopéias são importantes veículos de representação e por isso significantes neste processo de análise do mangá nacional. A Holy Avenger utiliza tanta onomatopéia quanto os mangás japoneses. As onomatopéias são utilizadas constantemente em todos os quadrinhos, mas os que mais utilizam nas histórias são os japoneses. Só para se ter uma idéia, um comic americano tradicional como Vingadores66, apresentar uma história de 15 páginas com apenas 05 (cinco) onomatopéias e um mangá como Yu-Gi-Oh67, numa história também de 15 páginas apresentar 33 (trinta e três) onomatopéias. A Holy Avenger se aproxima esteticamente do mangá quando apresenta um número significante de onomatopéias em suas histórias. Assim como no mangá original, cuja voltagem onomatopéica é de grande intensidade, apresentando muitas vezes 12 (doze) ruídos por página, as onomatopéias tendem ainda a assumir uma função além daquela destinada originalmente. Pois, no mangá japonês, devido à própria natureza do idioma e seu caráter pictórico-ideográfico, agem como elementos complementares a todo processo significativo. Determinadas palavras, desassociadas do contexto literário, são empregadas com uma imagem ou uma onomatopéia.

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“Dois Lados” história publicada na revista Superalmanaque Marvel, n.7, Ago. 1992. p. 73-87.

Podemos encontrar na Holy Avenger exemplos claros de uma hibridação intercultural ao analisarmos as onomatopéias utilizadas na revista. Aparecem representações típicas do estilo “comic americano”, como “Flash”, “Skull”, “Crash” e “Pow”, que já são consolidadas na produção nacional68, entre onomatopéias desenvolvidas com a sonoridade do português, como “Coça”, “Tadaa”, “Rasg” e “Risc”, e outras típicas da produção nipônica como frases repetidas e aglomeradas, que se transformam em ruídos de função onomatopéica, do tipo “elevaimematarelevaimematarelevaimematar...”, que são largamente utilizadas nos mangás, e aparecem na Holy Avenger, como nos mostra a figura abaixo:

No mangá também é comum a presença de ruídos “inventados” que buscam reproduzir ou se aproximar dos sons naturais e os mais variados acontecimentos tais como tremores, objetos em alta velocidade, agarrões, quedas, etc. Na Holy Avenger foram utilizadas 574 onomatopéias de 159 tipos diferentes69, algo próximo de 1,5 ruídos por página desenhada, num universo de 808 páginas. Um índice assustadoramente alto para as produções ocidentais que muitas vezes dispensam sua utilização. A que

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Como explicado no capítulo 2, tópico 2

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Para mais detalhes vide Anexo 1 e 2 .

Figura IX: A utilização de “onomatopéias literais”, típicas dos mangás, na Revista Holy Avenger.

apresentou maior freqüência foi a onomatopéia de riso “Hah!” com 64 utilizações70, seguida pela onomatopéia de aplausos “Clap!” que apesar de ter aparecido numa única página foi repetida 50 vezes. É a onomatopéia de encaixe “Clic!”71 que mais foi utilizada na história com 32 utilizações, seguidas pelas onomatopéias de velocidade “Vum!”, com 29 utilizações; a relativa a ação de cortar “Tchac!”72, com 28 aplicações; o rugido do personagem “Tork”, “Hunc!” e a onomatopéia de tremor “Bbbrrrlllmmm”, ambas com 26; a relativa a tilintar ou digladiar, “Clang!” com 25; a de estrondo “Graahh”, com 24; e a de grito de dor, “Argh!”, e a de surgimento ou aparição “Ziuf!”, ambas com 23. Cirne (1972) desenvolvendo uma pesquisa semelhante, encontra entre os dez ruídos mais utilizados nas revistas “Zum”73 e “Clic!”, em quarto e quinto lugares, respectivamente, no levantamento realizado na revista Holy Avenger eles aprecem, novamente entre os dez mais utilizados, em terceiro (Clic!) e quarto (Vum!) lugares.

Estes ruídos são expressões da herança norte-americana, através da continuada presença dos comics na nossa sociedade. Ao mesmo tempo em que ainda encontramos estes casos de dominação, como nos alertaria Dorfam (1977;1978), encontramos as tentativas de inserir um ruído de forte contato cultural-filológico nacional:

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Valor alto devido a necessidade gráfica de ilustrar um riso com no mínimo três “hah!”.

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E suas variações como “Klic!” ou “Clik!”

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Ou “Tchak!”

O exemplo da imagem VIII nos mostra a utilização do ruído “coça”, para indicar a necessidade do personagem em se coçar. Na atribuição do ruído desta ação, em material nacional, já se utilizou muito “Scrach!”, herdado dos comics, mas podemos perceber no caso acima como sua substituição não prejudica em nada o entendimento da ação.

Ao mesmo tempo, encontramos expresso nas páginas de Holy Avenger uma forma diferente de ruído: o ruído de sentido literal. Nos mangás é comum se dispensar o balão ou requadro, que engloba os textos, em determinadas frases de impacto. Estas frases mudam de forma e ultrapassam os limites do desenho, se assemelhando, pictoricamente, às intenções do pronunciante. A imagem a seguir exemplifica mais claramente esta ação:

As frases podem aumentar ou diminuir, estenderem-se ou retraírem-se conforme a situação empática do momento. As frases, na maioria das vezes, apenas palavras, são

Figura X: No desenvolvimento das onomatopéias, começa a aparecer versões “aportuguesadas” como “coça” descrita acima no centro do quadro.

Figura XI: A utilização de onomatopéias de sentido literal: “Burro” no primeiro quadro e “Repita o que disse!” e “Yes” no segundo.

dispensadas do balão e saem dos quadros, assumindo formas diferentes e enfatizando a cena. Sua função, portanto, muda, ganhando conotações de onomatopéia. E o uso deste tipo de onomatopéia é tão intenso que chega a dispensar a utilização de diálogos ou narrações na descrição e compreensão de uma cena na história:

A seqüência de imagens acima descreve bem a dependência que a Holy Avenger tem da onomatopéia na dinâmica da ação em suas histórias. Estas seqüências de até três páginas, sem texto e só com onomatopéias, repetem-se constantemente na Holy Avenger e são facilmente encontradas nos mangás.

A grande predominância das onomatopéias americanas, típicas dos comics na Holy Avenger, pode se explicada pela histórica aceitação nacional destas, em detrimento de versões nacionais. Dos tipos de onomatopéias utilizadas, a grande maioria de 39% são onomatopéias cuja classificação não pode ser circunscrita a um tipo de quadrinhos, por exemplo. Mas em segundo lugar, estão as convencionadas nos comics americanos com 37,1 % de utilizações, enquanto os ruídos que foram “aportuguesados” foram

Figura XII: A dependência das onomatopéias na estética japonesa é tão grande que chega a dispensar os textos. Acima vemos duas páginas da Holy avenger que acompanham este procedimento

Figura XIII: O Desenho mangá simplifica a constituição física, por exemplo.

utilizados apenas 18,2 %, e, aqueles característicos do universo do mangá apareceram em 5,7% das utilizações74. Através destas utilizações de onomatopéias podemos inferir que a Holy Avenger ainda apresenta uma ligação muito forte com a linguagem dos comics, apesar de que no quesito referente à utilização das onomatopéias, procura reproduzir o mangá japonês.