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CAPÍTULO 1 A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO TERRITÓRIO EM RESEX: NOVA FORMA DE GERIR BENS COLETIVOS

2.1 A Reserva Extrativista Marinha de Caeté-Taperaçu

Retomando a análise olsoniana, é possível compreender a complexidade da ação coletiva na preservação dos recursos comuns na institucionalização de comunidades em RESEX. Ele aponta uma das estratégias em processos dessa natureza quando afirma que “[...] existe, contudo, outra estratégia que os grupos poderão adotar e que é a de convencerem o governo da necessidade que este legisle no sentido de tornar a filiação na organização obrigatória [...] A filiação compulsiva é apenas uma das formas por meio das quais os governos podem levar ao incentivo da ação coletiva (OLSON, 1998, p. xiii).

As Reservas Extrativistas podem se constituir uma forma estimulada de realizar a ação coletiva no sentido de preservação dos recursos em comum e, os modos de vida das populações associando a coerção legal advinda do reconhecimento de sua autoridade na jurisdição, com a participação dos moradores e usuários.

Em trabalho realizado sobre os manguezais da costa norte brasileira, a socióloga Cristina Maneschy chama a atenção para o crescente interesse sobre o estudo dos recursos comuns - os mangues e seus usos sociais. Conforme ressalta:

No que se refere aos manguezais da costa norte, tem crescido o interesse de cientistas sociais sobre a temática dos usos sociais desse ecossistema, procurando-se conhecer as modalidades e os fatores de ocupação humana, suas transformações, assim como caracterizar as populações que deles dependem (MANESCHY, 2003, p. 135).

Isto significa que, na região Norte, em especial, na região costeira, a instituição de Reservas Extrativistas exige um esforço de investigação sobre os efeitos da institucionalização desses territórios na confluência dos interesses das comunidades que neles vivem e a preservação dos meios de vida - o ambiente.

A RESEX pode ser incluída como experiência de gestão de bens comuns a partir dessa linha argumentativa. Criada em 2005, a Reserva Extrativista Marinha de Caeté-Taperaçu

abrange 42.068,1713 hectares da área costeira do município de Bragança (PA), no litoral nordeste do estado, cuja sede é a referência administrativa e de equipamentos sociais para as comunidades da RESEX.

Na economia paraense o município de Bragança destaca-se pela produção pesqueira, incluindo o extrativismo do caranguejo, e cultivo da farinha de mandioca. O turismo é também um dos elementos de destaque de Bragança ancorados no patrimônio cultural e praias do litoral. Contudo, é um dos municípios com menor Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) do país, 0,600 figurando na 4.144a posição do ranking brasileiro, em 201014, abaixo de municípios do nordeste paraense como Marituba (0,676), Castanhal (0,673), Benevides (0,665) e incluindo a capital do estado, Belém, cuja posição é a 628a, com IDHM de 0,746. Sobre o município há vasta produção documental e literária15.

A RESEX é composta de manguezais em sua maior parte, 24 mil hectares e, outra parte por estuários, praias, ilhas, dunas, restingas, campos naturais salinos e outros ambientes costeiros.16 A RESEX envolve tanto os habitantes que se encontram dentro dos seus limites quanto os que vivem em seu entorno, mais especificamente, na área de amortecimento e dela fazem seus meios de vida, por isso, os habitantes dessa área são denominados de moradores e usuários. A seguir apresenta-se um mapa da RESEX, com limites e a localização das duas vilas estudadas (Figura 3).

13 Decreto de Criação da RESEX. Art. 1o, de 25.05.2005.

14 Disponível em: http://www.pnud.org.br/atlas/ranking/Ranking-IDHM-Municipios-2010.aspx. Acesso em: 20

jul. 2016.

15 Sobre Bragança consultar: Armando Bordallo da Silva (1981); Benedito Cézar Pereira (1963); Dário Benedito

Rodrigues Nonato da Silva (2006); http://profdariobenedito.blogspot.com.br/2010/07/braganca-uma-historia-da- terra-de-caa-y.html entre outros igualmente importantes.

16 MMA/SPF/DAP/CADASTRO. Disponível em: http://sistemas.mma.gov.br/cnuc/index.php?ido= relatório

Figura 3 – Mapa com os limites da RESEX e localização das duas vilas estudadas

Segundo o Relatório Parametrizado no Cadastro de Unidades de Conservação17 a RESEX possui, aproximadamente, 5.000 (cinco mil) famílias extrativistas18, cujos meios de vida são os recursos naturais dos manguezais, em especial o caranguejo-uçá, incluindo o seu beneficiamento. Existem também diversas espécies de peixes marinhos e estuarinos, camarões, moluscos, além de frutas e outros recursos do manguezal. Ainda segundo esse relatório, apenas três comunidades localizam-se no interior da RESEX, ocupando uma área em torno de 80 ha, com aproximadamente 700 famílias. São elas: Castelo, Vila dos Pescadores e Vila do Bonifácio.

O Relatório ainda destaca:

[...] a diversidade no uso dos recursos naturais e nos padrões de ocupação nas comunidades rurais no entorno dos manguezais, assim como a expressiva presença de aves costeiras, marinhas e limícolas, grandes faixas com exuberantes manguezais ainda bem conservados, presença de fauna de dezenas de mamíferos e repteis de pequeno e médio porte nas áreas da RESEX. Há ainda processo de identificação do Sítio Arqueológico do Jabuti, com evidências de Terra Preta Arqueológica (TPA) e restos de cerâmica com datação estimada em 2300 anos (Relatório Parametrizado - Unidade de Conservação)19.

Corroborando esses dados, Maneschy acrescenta que a RESEX é classificada como bioma marinho, contudo é constituída por uma floresta de mangue da qual se extrai principalmente o caranguejo. É formada por comunidades que mantêm relações diversificadas com os recursos naturais, praticando uma “[...] economia polivalente baseada na agricultura, pesca e coleta” (MANESCHY, 2003, p. 134). As comunidades praticam tanto a pesca quanto a agricultura de subsistência - pequenos roçados, cultivo da mandioca e fabrico da farinha. A pesca se realiza nos rios e furos, mas principalmente no mar. A coleta de caranguejo é feita no mangue, de forma rudimentar, com o uso do braço para retirada do caranguejo. No extrativismo do caranguejo, os apropriadores “são chamados localmente de „tiradores‟ de caranguejos, „caranguejeiros‟, „catadores‟ e „catadoras‟ ou „catadeiras‟. São homens e mulheres que desenvolveram formas de ajustamento ao meio para dele extraírem seus meios de vida e responderem às solicitações dos mercados” (MANESCHY, 2003, p. 136).

Mesmo antes da instituição do território em RESEX - diante da crescente escassez do caranguejo no mangue - instituíram-se medidas de ordenamento, que se caracterizam na linha proposta por Olson e Ostrom, conforme explica Maneschy:

17 MMA/SPF/DAP/CADASTRO.http://sistemas.mma.gov.br/cnuc/index.php?ido=relatorioparametrizado.exibe

Relatorio&relatorioPadrao=true&idUc=248

18 Segundo a analista ambiental e gestora atual do ICMBio, a RESEX possui 4.500 famílias de acordo com

Cadastro realizado e, pessoas, em torno de 20.000.

19 MMA/SPF/DAP/CADASTRO.http://sistemas.mma.gov.br/cnuc/index.php?ido=relatorioparametrizado.exibe

Ao longo da última década, assiste-se a uma crescente preocupação quanto à sustentabilidade dos estoques de caranguejos, que estariam sendo comprometidos pela acentuada pressão. No Pará, em resposta ao problema, instituiu-se desde o ano de 2003 um período de paralisação da captura de caranguejos, o defeso. A efetiva aplicação dessa medida de ordenamento requer, de um lado, que as várias categorias sociais envolvidas participem das discussões e proposições, ou seja, desde os técnicos, pesquisadores, organizações profissionais e comunitárias, até os que trabalham nos manguezais e nas atividades pré - e pós captura (MANESCHY, 2003, p. 136).

Com a instituição do território em RESEX, um novo conjunto de medidas de ordenamento passou a definir regras de gestão. A mola mestra desse novo ordenamento é a cogestão envolvendo atores sociais em âmbito local, municipal, estadual e federal. Usuários e moradores, ou seja, os habitantes tradicionais passam a ser beneficiários da política pública. Esse novo estatuto lhes confere uma identidade de atores sociais que podem influenciar nos destinos do seu território. Assim, é imprescindível a participação nas instâncias de decisão da RESEX, tendo como referência interna e coletiva o plano de manejo, que lhes garante o direito de uso como pescadores artesanais, extrativistas, pequenos agricultores e criadores, processadores de produtos da pesca e apicultores. Fazem parte também desse conjunto de atores da RESEX os cientistas, as ONG, políticos e administradores governamentais, todos com assento no Conselho Deliberativo da RESEX.

O plano de manejo é um instrumento imprescindível para a instituição da cogestão da RESEX. Na reserva em estudo foi elaborado com a participação de representantes das comunidades envolvidas e de consultoria técnica especializada – a Cooperativa de Ideias Ambientais e Tecnologias Sociais (ECOOIDEIA) e a coordenação do órgão gestor ICMBio. Segundo esse documento:

Como características gerais, as RESEX representam áreas de domínio público com uso concedido à populações tradicionais extrativistas, são geridas por um Conselho Deliberativo, permitem o uso sustentável dos recursos naturais e a implantação de estruturas voltadas para a melhoria da qualidade de vida das comunidades, e possuem Planos de Manejo onde são definidas as normas de uso, o zoneamento das áreas e os programas de sustentabilidade ambiental e socioeconômica, entre outros aspectos (ABDALA et al., 2012, p. 1).

O plano de manejo da RESEX Marinha de Caeté-Taperaçu foi aprovado em reunião do Conselho Deliberativo realizada em 19 de dezembro de 2013 (Figura 4), na qual o coordenador do ICMBio apresentou o plano e contou com a aprovação dos conselheiros (Figura 5). Na Figura 6, detalhe da imagem do representante comunitário de Vila do Bonifácio presente na reunião.

Figura 4 – Apresentação do plano de manejo na

reunião do conselho deliberativo (dez. 2013) Figuras 5 e 6 deliberativo (dez. 2013)– Reunião do conselho

Fonte: Acervo da autora (2013) Fonte: Acervo da autora (2013)

A estrutura de representação política da gestão da RESEX é feita por meio da organização das comunidades em comitês e polos, com representantes que, por sua vez fazem parte do conselho deliberativo. Sobre os polos, o documento afirma: “[...] representação política de extrativistas moradores de comunidades próximas geograficamente, em um total de oito polos, como representação de base comunitária/extrativista no Conselho Deliberativo da RESEX” (ABDALA et al., 2012, p. 5). O comitê comunitário é a “[...] organização representativa dos extrativistas da RESEX Marinha de Caeté-Taperaçu” (ABDALA et al., 2012, p. 5). A Figura 7 mostra a placa indicativa do limite da RESEX, na Vila Que Era, às margens do rio Caeté.

Figura 7 – Placa do ICMBio indicativa da Área de RESEX na Vila Que Era

O Quadro 1 apresenta a distribuição de 68 (sessenta e oito) comunidades da RESEX por polos, segundo dados do plano de manejo (ABDALA et al., 2012, p. 5). Há, contudo, diferenças desse quantitativo no mesmo documento nas páginas 12 e 13, nas quais consta a tabela 1 apresentando os oito polos, porém com um número menor de comunidades, totalizando 57 (cinquenta e sete) comunidades. Segundo informações da gestora do ICMBio são 52 (cinquenta e duas) comunidades. As comunidades grafadas em itálico identificam aquelas que não constam na tabela do plano de manejo, citada acima, mas constam no texto do mesmo documento. As comunidades grafadas em negrito são as duas vilas objetos deste estudo.

Quadro 1 – Comunidades da RESEX Marinha de Caeté-Taperaçu por polos

No NOME DO POLO COMUNIDADES

1 Cidade (13) Aldeia Perpétuo Socorro

Alegre Riozinho

Centro Samaumapara

Cereja Taíra

Jiquiri Vila Nova

Morro Vila Sinhá

Padre Luiz

2 Caratateua (11) Camutá Rio Grande

Caratateua Sítio Grande

Chaú Taquandeua

Cipoara Vila dos Lucas

Jundiaí Vila Que Era

Montenegro

3 Bacuriteua (6) América Pontinha do Bacuriteua Bacuriteua Taperaçu-Porto Castelo Vila do Meio

4 Tamatateua (8) Patalino Serraria

Porto da Mangueira Tamatateua

Porto dos Milagres Taperaçu-Campo/Acarpará

Retiro Trapeval

5 Treme (7) Aciteua São Domingos

El Dorado Treme

Jandiaí Vila Nova Pimenteira

6 Acarajó (6) Acarajó Grande Acarajozinho Inambucuí Piçarreira São Benedito Vila Verde

7 Campos (14) Abacateiro Lago do Povo

Bom Jardim Maçarico Cafezal Ponta da Areia Cajueiro São Bento Cariambá São José Ferreira São Tomé

Lago Urubuquara

8 Ajuruteua (3) Bonifácio Campo do Meio Vila dos Pescadores

Dentre essas comunidades, apenas três encontram-se dentro dos limites da RESEX: Castelo, Vila dos Pescadores e Vila do Bonifácio, esta última objeto desta pesquisa. As demais se encontram no entorno, cuja população extrativista usufrui da RESEX, sendo por isso denominados de beneficiários nas modalidades: moradores e/ou usuários. Para efeito desta pesquisa referir-se-á à RESEX envolvendo essas duas modalidades – moradores e usuários. Na medida em que se tratar de demarcar diferenças entre ser de dentro dos limites da RESEX ou do entorno, haverá a respectiva particularização.

Esse ordenamento passou a vigorar e influenciar o modo de vida dos habitantes que podem ter motivado a adesão ao projeto de RESEX por vislumbrarem um meio de ter mais segurança, trabalho e garantia de sobrevivência em um momento de forte pressão da pesca industrial na região, o que dificulta o trabalho da pesca no mar (MANESCHY, 2012). Nesse sentido, as reflexões teóricas de Ostrom são pertinentes no estudo da RESEX com a ótica institucionalista – apropriação de recursos comuns, não privados, em regime de cogestão com comunidades viáveis (MANESCHY, 2011).

Nessa linha de interpretação, a relação se dá com as comunidades e não com indivíduos, comunidade entendida como grupo em relação ao qual há “[...] noção de pertencimento e identidade comum. Portanto, tende a gerar confiança, expectativas recíprocas de comportamento e redução de incertezas” (MANESCHY, 2011). Dá-se também em uso restrito a essas comunidades devidamente identificadas em oposição ao acesso livre, acrescentando um elemento a mais para evitar a ocorrência da “tragédia dos comuns”, de Hardin. A citação de Berkes et al. argumenta nesse sentido:

A principal razão pela qual a literatura sobre recursos comuns se refere tanto à gestão baseada na comunidade é o fato de que, quando os usuários se organizam como uma „comunidade‟, há tendência de se reduzir os custos de transação e a aumentar a probabilidade de sucesso na organização que visa à ação coletiva (BERKES et al., 2006, p. 250).

Como recurso para evitar a “tragédia dos comuns”, a institucionalização é uma alternativa viável, e a transformação dos habitantes em usuários e beneficiários da RESEX não significa, necessariamente, a mudança na sua identidade como habitante da comunidade. Talvez essa identidade se torne até mais consciente, com a noção de apropriadores legítimos dos bens comuns, com a responsabilidade por cuidar e utilizar racionalmente esses recursos comuns. Há, evidentemente, mudanças na forma de se organizar para gerir o território, como um jovem pescador que também se torna líder comunitário e representante da comunidade no Comitê, por exemplo. Essa nova posição na gestão estimulou-o a retomar os estudos para melhor acompanhar os processos e discussões travados na cogestão. Atualmente, trabalha em

uma das secretarias municipais na sede do município e pesca eventualmente. A seguir um fragmento de sua fala: Eu queria dizer que quanto mais eu trabalho pela minha comunidade eu me sinto mais feliz e um novo sonho realizado e uma nova esperança dos filhos e filhas dos moradores da Vila Que Era (D. B. S, 28 anos).

2.2 As duas áreas de estudo: Vila do Bonifácio e Vila Que Era