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A RESPONSABILIDADE POLÍTICA, A COERÊNCIA ARTICULADA E A TEIA INCONSÚTIL.

CAPÍTULO 3. A TESE DOS DIREITOS DE DWORKIN – PRINCÍPIOS E DIREITOS CONTROVERSOS COMO PARTE DO MUNDO JURÍDICO

3.2. A TESE DOS DIREITOS – CONSTRUÇÃO DE UMA TEORIA

3.2.3. A RESPONSABILIDADE POLÍTICA, A COERÊNCIA ARTICULADA E A TEIA INCONSÚTIL.

As questões problemáticas do direito são respondidas através da construção de uma teoria geral da natureza da instituição do direito. Dessa teoria geral, pode-se deduzir uma série de hipóteses, sendo que a melhor hipótese responderá da melhor maneira o problema. Dworkin irá oferece alguns “fio- condutores” e algumas ferramentas que guiarão o jurista na construção de suas teorias que procuram explanar a natureza institucional do direito.

Um primeiro passo é evidenciar que há uma responsabilidade política122

que impregna todo o atuar dentro do instituto do direito. Um membro do parlamento que se vê na posição de votar a favor ou contra uma política proposta123 ao órgão

colegiado legislativo deve levar em consideração, para a escolha de sua decisão, suas posições anteriores e seu entendimento sobre as bases e os elementos que formam a instituição jurídica. Caso todas as suas decisões dentro do congresso se

122 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério (2007:137) 123

Política no sentido de uma meta coletiva a ser perseguida pela sociedade, em contraste com os princípios que abrigam direitos pertinentes à igualdade e à justiça – veja está questão alhures neste trabalho.

dessem em favor de um ideal absoluto da proteção da vida humana (em qualquer estágio e em qualquer condição) seria uma irresponsabilidade política, de sua parte, optar por votar também a favor de um projeto de lei que legalize toda e qualquer forma de aborto, mesmo nos casos em que não há perigo algum de vida ou assuntos morais relevantes em jogo (como na fecundação proveniente de um estupro).

A responsabilidade jurídica afeta também os outros agentes do direito de uma comunidade jurídica. O administrador público na função de normatizador, regulador e provedor deve se atentar para uma unidade em suas decisões, mesmo nas decisões calcadas em um juízo de conveniência e oportunidade. Seria indesejável (e inadmissível) aceitar que uma vez que a Administração Pública considere, em um caso, que a pena interna adequada para uma falta é a advertência e que, em outros casos idênticos, entendesse que a pena para a mesma falta seria a suspensão temporária.

A responsabilidade política que reside na tese dos direitos consiste na afirmação de que o direito não é um apanhado de escolhas triviais ou arbitrárias, mas sim uma estrutura com um mínimo de lógica e estabilidade, uma estrutura que trata igualmente (de forma equânime) as pessoas e as situações concretas, uma estrutura fundada em uma questão de uma consistência articulada.

A consistência articulada é um guia para a construção das teorias hipotéticas que serão construídas pelos juristas, especialmente pelos juízes, para, mediatamente, construírem a estrutura ontológica do direito e para, imediatamente, responder quais os direitos e deveres que a pessoa possui em função do instituto jurídico.

As teorias parciais124 desenvolvidas por um jurista não podem estar, pela

124

Parciais porque a totalidade delas irão formar a teoria sobre o que é o direito. São as teorias que pretendem explicar a validade e eficácia das leis parlamentares, a superioridade e suficiência da Constituição, os princípios oriundos dos precedentes de determinada jurisdição, os direitos em um

consistência articulada, em oposição. É a aplicação do pressuposto da não-

contradição para a construção de uma teoria da natureza e estrutura do direito. As

teorias oferecidas para responder os problemas ainda postos devem ser coerentes com as teorias já oferecidas anteriormente. As hipóteses que formam a tese dos direitos devem se articular em direção a uma estabilidade consentânea.

O direito, na visão de Dworkin, não é um mero agrupamento de normas e também não é um mero sistema de normas (como é para os positivistas). O direito não se constitui somente por padrões, mas sim por uma estrutura dedutiva e coerente de teorias e hipóteses calcadas não somente em regras válidas, mas também, em última instância, em valores.125

Quando se afirma que o jurista deve ser coerente, afirma-se que ele não pode contar com uma tese dos direitos internamente conflitiva. Não que não haja controvérsias ou direitos que se apliquem mesmo em controvérsias. Uma tese dos direitos não pode ser, na verdade, auto-refutadora ou arbitrária.

O exemplo do aborto também pode ser aplicado aos magistrados. Um juiz que construa a teoria da natureza do direito fundamentando a sua estrutura em diversas hipóteses que levam a considerar a vida como um bem jurídico absoluto (ou pelo menos um bem jurídico que quase sempre será preferido em detrimento de outros bens) não deverá, sob pena de tornar sua tese dos direitos arbitrária (e irracional do ponto de vista jurídico), sentenciar que um aborto realizado fora de circunstâncias emergenciais ou humanitárias é legal e juridicamente aceitável.

A mesma coisa ocorre quando um juiz é chamado a julgar casos semelhantes em que seus elementos, fáticos e jurídicos, são idênticos. Da mesma forma que o argumento “a mesma solução para quando houver a mesma razão” se aplica ao caso de sentenças fundadas em precedentes de juízos diversos, o magistrado deve manter a consistência dentro dos seus julgados referentes a casos

caso difícil)

análogos. Desrespeitar esta constância seria legitimar a acusação dos céticos de que o direito é apenas um fenômeno social cujo conteúdo sistêmico-racional é zero.

O jurista, ademais, ao construir a sua teoria geral, não pode deixar de anotar como as questões que pretendem ser respondidas por ele hoje já foram respondidas por outros antes. O jurista, em outras palavras, não pode, ao construir a sua teoria do direito, apenas deixar de levar em consideração toda e qualquer decisão proveniente de outras pessoas.

Não será encontrado, obviamente, um campo liso e bem arrumado quando essa atividade for desempenhada. Muitas hipóteses de um magistrado estarão, ao mesmo tempo, em conflito com uma série de decisões passadas e estarão de acordo com outra série de decisões do mesmo órgão julgador e de outros órgãos. Como resolver esta dificuldade, sem se entregar ao ceticismo ou sem abrir mão da consistência articulada?

Dworkin responderá que a saída é adotar uma convenção. Considera-se que a estrutura do direito é uma teia inconsútil 126, mesmo que de fato existam uma

série de incongruências e desvios ao se estudar a história das instituições de direito e a história das decisões (hipóteses) sobre o direito. Os magistrados e os juristas, portanto, a despeito de serem conscientes de que a história jurisprudencial da sua comunidade jurídica é internamente conflituosa, devem construir a sua teoria jurídica considerando que as decisões devem manter uma consistência entre si, dentro do possível, sendo, assim, dispositivos que trazem razões o suficiente para determinar direito e deveres que a instituição reconhece como sendo institucionais.

O direito não é uma teia inconsútil, mas deve ser tratado, prima face, como tal. As eventuais discordâncias internas serão tratadas, majoritariamente como

erros judiciais.

Ao mudar o centro de equilíbrio da norma para a teoria (ou para o método), Dworkin também mudou o conceito sobre o que seriam erros dentro do direito. Se para Hart o erro de identificação e julgamento era claro e crasso (por exemplo, ao considerar uma regra que não passou pelo crivo da regra de reconhecimento como uma regra válida) ou inexistente nos hard cases (pois ai não havia direito algum e o juiz não estava vinculado a nenhuma resposta necessária, não podendo errar), para Dworkin o erro poderia se fundar na falta de relação daquela teoria com os outros elementos institucionais do direito, isto é, na falta de equilíbrio e de consistência.

Um juiz (de Dworkin) pode, por exemplo, ao construir sua teoria ontológica jurídica, aventar a hipótese de que cada pessoa responderá pelos atos ilícitos que pratica e causar dano econômico para outra pessoa, exceto se houver uma razão mais forte para se excluir essa responsabilidade.

A sua teoria da responsabilidade aquiliana estará de acordo com uma série de elementos institucionais presentes em sua jurisdição, mas estará, contudo, em desacordo com uma pequena parcela de acórdãos (decisões judiciais) cujos dispositivos decidem pela falta de dever de contadores de indenizarem seus clientes por erros no exercício da atividade contábil, sem um fundamento claro para isso.

Apesar dessa disparidade, ainda é possível considerar o direito como uma

teia inconsútil, já que a teoria da responsabilidade ventilada é consistentemente

articulada, restando certo que são os acórdãos pró-contadores, na verdade, que se encontram em desequilíbrio com qualquer teoria conglobante do direito. Detecta-se que a teoria a favor da responsabilidade é mais coerente com a teoria geral do direito, da legislação e da constituição do que a teoria contrária (esta que, erroneamente, foi abarcada pelas sentenças a favor dos contadores).

A consistência articulada, deste modo, não somente deve envolver as teorias internas de cada jurista, isoladas das decisões de outras autoridades ou

pessoas. Muito mais do que um grande criador, o agente que constrói a sua teoria geral do direito deve levar em consideração todo o aspecto e arcabouço da instituição jurídica existente. Suas teorias não podem ser (apenas) fruto da imaginação e da sua vontade particular do que é o direito. A sua teoria do direito deve, por fim (mesmo que envolvendo certa dose de deontologia), mais descrever do que prescrever o que é a instituição do direito a qual está vinculado.

A teoria do direito, em outras palavras, mesmo que formulada por um juiz “Hércules”, não pode deixar de levar em conta uma teoria intersubjetiva do direito, a fim de não se tornar uma teoria desequilibrada.

3.2.4. SUBJETIVISMO / INTERSUBJETIVISMO POLÍTICO E O EQUILÍBRIO