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CONSTRUINDO A TEORIA DA NATUREZA DA INSTITUIÇÃO DO DIREITO – OS DIREITOS JURÍDICOS

CAPÍTULO 3. A TESE DOS DIREITOS DE DWORKIN – PRINCÍPIOS E DIREITOS CONTROVERSOS COMO PARTE DO MUNDO JURÍDICO

3.2. A TESE DOS DIREITOS – CONSTRUÇÃO DE UMA TEORIA

3.2.2. CONSTRUINDO A TEORIA DA NATUREZA DA INSTITUIÇÃO DO DIREITO – OS DIREITOS JURÍDICOS

Da mesma forma que um árbitro do xadrez formula uma teoria ontológica do seu jogo, extraindo daí regras, normas, direitos e deveres, é papel do jurista formular a teoria da natureza da instituição do direito à qual está submetido, extraindo de tal modelo não somente os padrões jurídicos, como também os deveres e, especialmente, os direitos jurídicos.

A atividade do jurista será um pouco diferente da atividade do julgador de um esporte qualquer. A instituição jurídica, como já dito anteriormente, não é uma instituição autônoma e isolada. A moralidade política se infiltra ostensivamente nas questões de direito, em especial, nas questões difíceis.

O jurista de Dworkin, ao construir uma teoria de uma instituição infiltrada,

realiza um exercício de filosofia e de política para montar sua tese dos direitos, seu modelo jurídico geral. O magistrado de Dworkin deve ser um juiz-filósofo115, apto a

desenvolver toda uma teoria coerente da estrutura jurídica de sua competência (sob

sua jurisdição) e além dela.

Com o objetivo de exemplificar e justificar o seu modelo de construção da tese dos direitos, há a criação de um juiz utópico e paradigmático, de um jurista de “capacidade, sabedoria, paciência e sagacidade sobre-humanas” 116, apelidado de

Hércules. Tal magistrado seria o exemplo máximo de como os juristas devem (ou deveriam) atuar não somente para decidir os casos controversos, mas também para identificar o que é ou não é direito para cada caso concreto (critério de demarcação do direito).

O primeiro passo de um juiz ideal, no intuito de construir sua teoria ontológica jurídica, dá-se na formatação de um modelo de legislação117 que possa

responder como a Constituição e as leis infraconstitucionais se articulam dentro do sistema, tanto na relação vertical (constitucionalidade e vigência/validade das leis), como na relação horizontal (relação das normas constitucionais entre si ou das leis infraconstitucionais entre si).

O jurista deverá delinear sua teoria constitucional ou sua teoria sobre a constituição. Deverá levar em conta questões políticas como a legitimidade de um poder constituinte, a hierarquia das normas em relação à força constitucional e os efeitos da existência de uma “lei maior”. Deverá se perguntar quais princípios, expressos e implícitos, alicerçam o direito constitucional. Questionará se a Constituição “estabelece um sistema político geral que é justo o bastante para que o consideremos consolidado por razões de equidade”.118 Determinará se uma

Constituição pode, diretamente ou através de um processo, criar ou destruir direitos.

115 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério (2007:165) 116

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério (2007:165)

117 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério (2007:164) 118 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério (2007:166)

Possivelmente daí o filósofo-jurista poderá tirar uma teoria acerca do sistema de governo e um modelo de produção normativa.

Essa primeira tese sobre a constituição permite que o jurista responda, ou tente responder, algumas questões importantes que podem ser colocadas em debate (ou julgamento) em uma situação concreta que envolva regras ou princípios constitucionais. Caso um litígio envolvendo a concessão de vantagens ou privilégios de determinada religião chegue às mãos de um julgador de Dworkin, ele não poderá apenas decidir discricionariamente o caso sob a argumentação de que o direito é silente para tal questão. Ele deverá determinar se a constituição à qual está submetido define o Estado como laico ou religioso. Se a sua resposta for a favor da primeira opção, ele deverá se perguntar se o conceito de estado laico permite que uma religião seja privilegiada com dinheiro público, em detrimento de outras religiões, se todas as religiões devem ser premiadas ou se “Estado laico” significa que nenhuma religião deve receber qualquer vantagem pública.

Em outras palavras, o jurista deverá formular uma série de teorias- candidatas acerca da Constituição e das questões constitucionais,119 que serão

avaliadas, a partir de um enfoque não somente jurídico, mas também político e filosófico, em face da estrutura institucional mais ampla do direito120. A melhor teoria

que passar por este teste fornecerá uma série de conceitos controversos (contestados) que deverão ser ainda elaborados pelo jurista autor da teoria.

Literalmente, Dworkin dirá que o seu paradigma de jurista, Hércules, é

então levado, por este projeto, a um processo de raciocínio muito semelhante àquele do árbitro autoconsciente do jogo de xadrez. Deve desenvolver uma teoria da constituição na forma de um conjunto complexo de princípios e políticas que justifiquem o sistema de governo, assim como o árbitro de xadrez é levado a desenvolver uma teoria sobre a natureza do

119

A própria amplitude de o que serão questões constitucionais depende também de uma teoria constitucional.

seu jogo. Hércules deve desenvolver essa teoria referindo-se alternadamente à filosofia política e ao pormenor institucional. Deve gerar teorias possíveis que justifiquem diferentes aspectos do sistema, e testá-las, contrastando-as com a estrutura institucional mais ampla. Quando o poder de discriminação desse teste estiver exaurido, ele deverá elaborar os conceitos contestados que a teoria exitosa utiliza.121

Um outro exemplo é a questão da pesquisa com células-tronco. O magistrado Dworkiniano que se vê chamado a julgar a possibilidade ou proibição da pesquisa científica deve se perguntar qual conceito de vida é protegido pela sua lei maior e se a constituição regula, expressamente ou tacitamente, os limites éticos da pesquisa. Ele elaborará uma série de hipóteses que pretendem responder aos seus questionamentos. Estas teorias serão contrastadas com a estrutura da instituição jurídica e com o sistema jurídico.

Uma teoria que estabeleça a total possibilidade de pesquisas em fetos de seres humanos, com certeza, colidiria de modo fatal com os cânones éticos geralmente arrolados sob o nome de diretos fundamentais (ou dignidade da pessoa humana). Uma teoria que proibisse qualquer experiência, mesma aquela incólume, inofensiva para a vida humana, seria da mesma forma uma teoria incompatível com a maioria dos sistemas jurídicos, que aceitam e estimulam o avanço do conhecimento científico. O magistrado teria que encontrar uma teoria que, estando no meio destes dois extremos, melhor se adequasse à instituição jurídica do qual faz parte.

A proposta de Dworkin para o direito, portanto, evidencia um modelo baseado em uma série de teorias arranjadas a partir de um procedimento dedutivo. As teorias consideradas básicas, que pertencem à teoria da natureza primeira do direito, como as hipóteses que pretendem explicar a força da constituição, o processo legislativo e a função judiciária, possibilitam que o jurista possa deduzir daí um rol de teorias-candidatas para resolver um caso concreto, uma lide. Dessas

hipóteses, uma será apontada como a que resolverá juridicamente o caso concreto, por ser a melhor resposta, a resposta mais coerente.

O modelo de decisão de Dworkin, portanto, é um modelo dedutivo de resposta, onde há, em primeiro lugar, a elaboração de uma série de teorias para a solução dos casos (fáceis e difíceis). Tais teorias, após elaboradas, passarão pelo crivo do julgador, que, a partir de um juízo racional, determinará qual das teorias oferecidas é mais coerente com o arcabouço jurídico institucional da sua comunidade (sociedade) e é, assim, a resposta a ser dada para os casos litigiosos.

3.2.3. A RESPONSABILIDADE POLÍTICA, A COERÊNCIA ARTICULADA E A TEIA