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A revista Vértice e o Neorrealismo: contextualização do movimento

A revista Vértice, o objeto de estudo da presente dissertação — que parte da questão relativa à análise e exposição de objetos editoriais neorrealistas, enquanto artefatos de design gráfico e tipográfico —, é um importante testemunho do movimento neorrealista português. Revista de particular relevância no âmbito literário do movimento, pela publicação de textos de autores que teorizavam e debatiam o neorrealismo, foi também relevante no contexto artístico, ao incluir reproduções de ilustrações e gravuras de artistas cuja obra refletia as ideias neorrealistas. Como tal, para a compreensão e análise da revista Vértice — enquanto objeto museológico, e como objeto de design editorial — é necessária uma contextualização da realidade17 que representa, a qual corresponde ao movimento neorrealista em Portugal.

No catálogo da exposição de longa duração do Museu do Neo-Realismo (D. Santos et al., 2007, p. 334) surge, em destaque, a definição da palavra neo-realismo18 como presente no Dicionário Houaiss, mais especificamente, o neorrealismo enquanto movimento literário em Portugal. Esta definição corresponde ao segundo de três pontos aí presentes, sendo que, uma leitura comparada dos restantes pontos, permite uma compreensão do neorrealismo noutros pontos geográficos e conceptuais, o que, por sua vez, contribui para a compreensão do contexto do movimento na conjuntura portuguesa. O primeiro ponto refere-se ao neorrealismo enquanto “corrente filosófica” onde o “acto cognitivo não distorce subjetivamente a compreensão e percepção da realidade objetiva” (Houaiss & Villar, 2001, p. 2606). Encontra-se, aqui, uma correspondência com o movimento literário português, considerando que um dos principais desígnios dos neorrealistas era, através de uma arte objetiva, que primava pelo conteúdo, representar e denunciar a realidade social vivida no país (procurando afastar-se da subjetividade, preterindo a forma, em favor do conteúdo). As “preocupações sociais e (...) simpatia pela classe trabalhadora” (Houaiss & Villar, 2001, p. 2606) que incitaram ao cinema e literatura neorrealista italiana — o terceiro ponto na definição de neorrealismo presente

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De acordo com o pensamento de Desvallées & Mairesse, que referem que um objeto museológico possui um “valor documental da realidade” (Desvallées & Mairesse, 2013, p. 58).

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Nas entradas do dicionário e catálogo de exposição mencionados, a palavra encontra-se hifenizada, correspondendo à grafia anterior ao Acordo Ortográfico em vigor: neo-realismo (Houaiss & Villar, 2001, p. 2606)

no volume do Houaiss — eram igualmente os fatores protagonistas na produção literária e artística neorrealista portuguesa.

Na leitura de autores que tratam do movimento neorrealista português, verifica-se a complexidade da constituição do movimento, na demarcação de uma data específica para o seu início: Alexandre Pinheiro Torres assinala este início nos “(...) últimos anos da década de 30”, período em que “se pode considerar fixado o surto do Movimento” (Torres, 1983, p. 7). António Pedro Pita menciona, no catálogo da exposição Batalha

pelo Conteúdo — tomando como referência um texto de Luís Augusto Costa Dias —

que para o “neo-realismo como movimento cultural autónomo, 1937 é, de facto, o ano chave” (Pita, 2007, p. 30). Assinalada uma década, e até um ano, num plano ainda mais específico, é destacado um livro: no texto de Pinheiro Torres, acerca da primeira fase neorrealista em Portugal, o autor refere a obra Gaibéus — do escritor Alves Redol — como “a baliza inicial do Neo-Realismo” (Torres, 1983, p. 9), em 1939. Como se lê no texto de Pinheiro Torres, a epígrafe do livro Gaibéus é determinante para a definição do início da Primeira Fase do Neorrealismo19 português, sendo reveladora da posição que os neorrealistas tomariam em relação ao registo e comunicação da realidade através da literatura, não enquanto obra de arte, mas num sentido documental, sendo o mais objetivo possível20 (posição que tomarão inicialmente, mas que sofrerá concessões no desenrolar do movimento21).

É com o termo heterogéneo22 que António Pedro Pita vincula a complexidade à diversidade e o carácter inusitado da génese do movimento neorrealista, que “(...) não

devém a partir de uma origem teórica” (Pita, 2007, p. 20), e que — citando o mesmo

autor, Mário Dionísio — “não foi encomendado por ninguém (...)” (Pita, 2007, p. 26), mas surgiu sim das circunstâncias políticas e sociais vividas na época. Aqui se entende a

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O Movimento Neo-Realista em Portugal na sua Primeira Fase é o título do livro que teoriza e averigua

os limites que distinguem o pensamento teórico do neorrealismo em Portugal, e que tornam possível a delimitação de fases do movimento (Torres, 1983).

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Alexandre Pinheiro Torres cita o texto da epígrafe de Gaibéus, onde se lê a vontade de Alves Redol em não querer que o livro fique “na literatura como obra de arte”, mas que este seja, “antes de tudo, um documentário humano” (Torres, 1983, p. 9).

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Num período mais avançado do movimento, começa a ser dado algum espaço à forma: constatando-se “(...) num mais amplo investimento estilístico em torno da obra literária (...)” (D. Santos et al., 2007, p. 443).

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O autor caracteriza o movimento neorrealista como “heterogeneidade teórica (ou doutrinária)” (Pita, 2007, p. 19).

importância da identificação temporal, de finais da década de 30, para o início da produção de cunho neorrealista no país, visto este período corresponder ao momento de expoente máximo dos valores do Estado Novo em Portugal, “período ascensional do salazarismo” (França, 1982a, p. 23), que se iniciou com a Constituição de 1933. São estas as circunstâncias contra as quais os autores neorrealistas vão batalhar, através do caráter de consciencialização, denúncia e intervenção da sua obra.

O Estado Novo português corresponde a um período de opressão e censura, apoiado numa constituição que abrangia, no seu articulado, matérias como a família, a opinião pública e a relação da igreja com o Estado23. O poder do Estado estendia-se a todas as áreas, incluindo a estética — gosto nacional que correspondeu à Política de

Espírito, cuja difusão coube aos órgãos de comunicação ao serviço do governo, na

entidade do Secretariado de Propaganda Nacional, a cargo de António Ferro. Desta forma, o movimento neorrealista surgiu como contestação e oposição ao que o Estado Novo representava, ao criticar e denunciar a situação precária dos extratos sociais mais baixos da população, tanto através da literatura, como também nas manifestações artísticas, sobretudo na pintura, com influências do realismo socialista. De salientar que, segundo José-Augusto França, o termo neorrealismo foi adoptado em Portugal, ao invés de realismo socialista, para passar pelas apertadas “malhas da censura salazarista” (França, 1982b, p. 80), surgindo esta definição no país, pela primeira vez, no título de um artigo de Joaquim Namorado (1914-1986), Do neo-realismo. Amando Fontes, publicado a 31 de dezembro de 1938, no jornal O Diabo24.

Verifica-se, então, que um dos pilares do neorrealismo constitui-se na relação com a população. Face ao contexto de opressão e condições precárias das classes mais baixas, os neorrealistas tinham como objetivo alertar para o estado precário das condições de vida destas classes, mas também exaltá-las pelo seu esforço: Alexandre Pinheiro Torres descreve o neorrealismo como um movimento que “não procura dar só a realidade, mas também transformá-la (...) faz realçar o heroísmo da luta daqueles que são os meios da sua transformação” (Torres, 1983, p. 62). Esta representatividade do povo através da produção neorrealista, pretendia não ser feita de forma impessoal, mas

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Tais áreas correspondem a títulos de secções da Constituição (Constituição de 1933, 1933).

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Segundo informação presente na nota 65 do texto de António Pedro Pita, no catálogo da exposição

expressar o que não podia ser dito na primeira pessoa pelas classes desfavorecidas. Nas palavras de Mário Dionísio, como citadas no texto de Alexandre Pinheiro Torres, “O Neo-Realismo não se debruça sobre o povo: mistura-se com ele a ponto das suas obras não serem mais que uma das muitas vozes dele.” (Torres, 1983, p. 63).

1.1. Da literatura às artes plásticas neorrealistas e a questão da forma vs. conteúdo

O Neo-Realismo materializa-se nas palavras e nos traços da produção cultural e artística realizada no âmbito do movimento, que teve na literatura o seu campo de maior expressão e teorização. Segundo o crítico literário Alexandre Pinheiro Torres, o ano de 1939 é um marco na literatura neorrealista, visto que, em dezembro desse ano, é publicado Gaibéus — de Alves Redol — “o primeiro romance neo-realista (...) que, pelo seu fôlego, novidade e ambições, inaugura o Neo-Realismo português” (Torres, 1983, p. 72).

De uma “concepção comprometida e militante” (Reis, 1983, p. 30), encontram-se, na literatura neorrealista, as linhas de orientação ideológica do movimento. Surgido num momento particular de tensão, opressão e precariedade nacional, os escritores e artistas afastavam-se da representação da realidade, no plano individual, para um discurso no plural: a produção artística e o discurso literário eram criados “para gerar

comunidade” (Pita, 2007, p. 25). Tal só era possível pois o artista ou escritor, como

refere Carlos Reis, tinha “uma relação de solidariedade (...) para com os fenómenos que o rodeia (...)” (Reis, 1983, p. 30), isto é, considerava a realidade envolvente.

Este compromisso e ideologia que define a produção neorrealista tem implicações nas características intrínsecas da mesma — a forma e o conteúdo — colocadas em oposição, mesmo incompatíveis, num primeiro momento do movimento. A este primeiro momento, corresponde o que Alexandre Pinheiro Torres caracteriza como “Primeira Fase (...) a de assentamento de posições teóricas (...)” (Torres, 1983, p. 14). É neste ponto que se verifica o conflito forma vs. conteúdo como um dos principais tópicos do movimento neorrealista. Contudo, e antes de mais, para contextualizar esta primeira fase, há que recuar ao período a que esta corresponde — finais dos anos 30.

Os autores que abordam o movimento neorrealista, identificam as publicações periódicas da época — nomeando os títulos O Diabo e Sol Nascente — como os meios

onde se iniciou a discussão de ideias e intenções neorrealistas, isto é, onde se “(...) teorizou e praticou pela primeira vez o Neo-Realismo (...)” (Torres, 1983, p. 35). Os textos e ideias aí publicadas — de uma “arte útil”, que representava e alertava para o estado social — opunham-se às de uma outra revista: a Presença (1927-1940), com primeiro número no ano de 1927, que defendia uma arte descomprometida, subjetiva (D. Santos & Redol, 2007a, p. 339), valendo por si mesma. De referir ainda que, tanto no texto de Alexandre Pinheiro Torres sobre a Primeira Fase do movimento (Torres, 1983), como no texto de Santos & Redol, no catálogo da exposição Batalha pelo

Conteúdo (D. Santos & Redol, 2007a), é mencionada a influência do contexto social e

político, relativo às Frentes Populares, para a produção de textos de consciencialização político-social que surgiam n’O Diabo e em Sol Nascente.

Se, em finais de 1930, se começava a explanar o ideário neorrealista nas páginas das referidas publicações, reforçadas pela produção literária como a referida obra,

Gaibéus — período de vincado caráter conteudista25, isto é, que defendia o conteúdo —, em 1939 esta ideologia é definida de forma mais clara e concisa num depoimento de Álvaro Cunhal para O Diabo numa apologia ao conteúdo, em detrimento da forma, pois, esta última, não significava nada por si só: “«formas novas podem conter um significado velho» (...) enquanto «formas velhas — ainda que excepcionalmente — podem conter um significado moderno e progressista»” (Cunhal como citado em França, 1985, p. 355).

A principal dicotomia do movimento neo-realista, traduz-se, então, na expressão

forma vs. conteúdo. A plataforma para discussão e veículo de disseminação deste

conflito foi, no início da década de 1950, a revista Vértice (D. Santos et al., 2007). Se, numa primeira fase, se deu prevalência ao conteúdo, isto é, a “ênfase à mensagem simples e direta comunicada pela obra de arte (quer fosse literária, artística ou outra)” (D. Santos & Redol, 2007b, p. 364), por outro lado, a questão da forma ia ganhando expressão no contexto do movimento, mas sempre acompanhando a importância da mensagem social, subjacente à utilização de novos recursos estilísticos: “apesar da diversificação e enriquecimento estético-formal (...) as preocupações político-sociais manter-se-iam como matriz de uma produção cultural que não abandonara o seu

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Termo referente aos autores que defendiam o conteúdo em detrimento da forma, assim caracterizado em textos teóricos do movimento neorrealista.

propósito de consciencialização (...)” (D. Santos & Redol, 2007c, p. 443). Se, na secção dos conteudistas, um dos principais defensores era Álvaro Cunhal, já Mário Dionísio não excluía alguma importância da forma, sendo “defensor de uma osmose entre forma e conteúdo” (D. Santos & Redol, 2007b, p. 364).

A produção literária neorrealista contou com diversas obras que vincularam as ideias do movimento — destacam-se Gaibéus, de Alves Redol, Esteiros (1941), de Soeiro Pereira Gomes (1909-1949) e Rosa dos Ventos (1940), de Manuel da Fonseca (1911-1993) — alguns de edição própria, outros, edições de revistas — como os livros editados pela revista Vértice —, mas também através de coleções, testemunhos relevantes do movimento neorrealista literário —, coleções que reuniam obras de diversos autores, tipologia que se pode até relacionar com o carácter coletivo que o movimento neorrealista advogava. Destacam-se, neste âmbito, o Novo Cancioneiro (1941-1944), coletânea que estabeleceu o neorrealismo poético português, com autores como Joaquim Namorado, Manuel da Fonseca e João José Cochofel (1919-1982) (Torres, 1983, p. 72), assim como Novos Prosadores, que reunia romances de diversos autores.

Todavia, ainda que tenha sido a literatura o lugar onde o ideário neorrealista alcançou maior expressão e consolidação, o neorrealismo também se difundiu, no decorrer da década de 50, no campo das artes plásticas (C. A. Tavares, 2006, p. 144), com características particulares. Como referido por Fernando de Azevedo, não se pretendia “(...) procurar no neo-realismo plástico o que possa conter de transposição literária, como processo de lhe encontrar uma raiz.” (Azevedo, 1981, p. 22). Ainda que partilhassem a ideologia expressa na literatura — de representação da realidade social — as artes plásticas do movimento distinguiram-se pelo contexto próprio em que surgiram. Neste contexto, grande parte destas obras integraram-se no âmbito das

Exposições Gerais de Artes Plásticas26 — mostra organizada pela Subcomissão dos Artistas Plásticos da Comissão dos Jornalistas, Escritores e Artistas do Movimento de Unidade Democrática - MUD, de forma anónima (França, 1985, p. 362), que reunia não apenas autores neorrealistas, mas também um grupo de naturalistas, autores da

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José-Augusto França refere esta situação no contexto das Exposições Gerais de Artes Plásticas, consideradas como marco na história das artes plásticas neorrealistas, pois mesmo se “a percentagem dos artistas neo-realistas presentes nas exposições sucessivas não era elevada” (França, 1982b, p. 85), as suas obras, pelo “significado” e “interesse por elas despertado”, foi suficiente para tal (França, 1982b, p. 85).

primeira e da segunda geração modernista, e os “activos jovens da «terceira geração»” (França, 1985, p. 361) — tópico que se desenvolve no subcapítulo seguinte, onde se fala das artes plásticas e das artes gráficas no contexto neorrealista.

1.2. As artes plásticas e as artes gráficas

O Neorrealismo surge nas artes plásticas portuguesas num contexto específico, de forma complexa e difícil, tanto no seio do próprio movimento, como na história das artes plásticas portuguesas (Dias, 2015, p. 11), devido à “problemática caracterização formal a partir das suas obras” e ao “emaranhado de referências” (Dias, 2015, p. 11) segundo as quais se constituíram. Como referido pelo historiador de arte, Rui Mário Gonçalves, perante o contexto de opressão política, social e cultural que a ditadura salazarista impunha, isolando o país do mundo, das referências exteriores e da própria História (Gonçalves, 1991, p. 6) a situação artística portuguesa constituía-se ainda de um “academismo oitocentesco” (Gonçalves, 1991, p. 6) e do gosto oficial imposto pelo governo, através da política de espírito, de António Ferro, que projetava uma imagem idílica do país, que em nada correspondia à realidade. Contudo, o contexto nacional, em conjunto com o cenário de guerra vivido na Europa, anunciava a necessidade de transformação na arte portuguesa, visto, em contextos como este, se poder “ressaltar a acção determinante das vanguardas artísticas” e de “momentos de ruptura” (Gonçalves, 1991, p. 7).

Assim, na tentativa de modernizar a produção artística nacional, de valores académicos vincados — os quais persistiam através dos salões da Sociedade Nacional de Belas Artes — António Ferro cria, por via do Secretariado de Propaganda Nacional, em 1935, as Exposições de Arte Moderna do S.P.N./S.N.I. (França, 1982b, p. 68). Exposições que, embora se apresentassem como modernas, perpetuavam um “carácter academizante” (C. A. Tavares, 1999, p. 238), sendo uma amostra do que viria a ganhar dimensão na Exposição do Mundo Português, em 1940, que consolidou o gosto e a ideologia nacional regulamentada pelo S.P.N. É de salientar que, já no contexto desta exposição, se verifica a presença de artistas gráficos: a concepção do programa oficial, do design, das ilustrações, da fotografia e dos próprios pavilhões e exposições que

estavam a cargo de designers do Secretariado de Propaganda Nacional (Bártolo, 2015c, p. 56). No campo gráfico, considere-se também a publicidade ao acontecimento, sendo que, segundo Ana Quintas, se encontravam anúncios oficiais da exposição em periódicos como o Diário de Notícias, alguns, cuja autoria das ilustrações, apresenta “forte possibilidade” de corresponder a Bernardo Marques (1898-1962) (Quintas, 2014, p. 132). É, pois, num contexto de salões e de exposições que permaneciam no passado, e num panorama nacional que urgia por uma arte que refletisse as reais circunstâncias político-sociais, que surgem as Exposições Gerais de Artes Plásticas.

As Exposições Gerais de Artes Plásticas, muitas vezes denominadas como

Gerais, que se realizavam na Sociedade Nacional de Belas-Artes, iniciam-se em 1946,

decorrendo até 1956. Caracterizadas como “salão da Oposição” (França, 2000, p. 44), estas exposições reuniam diversas disciplinas artísticas — pintura, desenho, gravura, escultura e, inclusive, em algumas das edições, um núcleo de artes gráficas — e constituíram-se como espaço para a difusão do neorrealismo nas artes plásticas: o prefácio do catálogo da 10ª e última edição das exposições, como citado por Tavares, registava que “(...) a própria (...) história do neo-realismo nas artes plásticas em Portugal (era), numa boa parte, a história das Exposições Gerais de Artes Plásticas” (C. A. Tavares, 2006, p. 141). Deste modo, estas exposições revelaram-se um espaço partilhado entre artistas da Terceira Geração Modernista27 — neorrealistas e surrealistas —, e ainda alguns artistas que mantinham o naturalismo académico (França, 1985, p. 361). Entre estes vários grupos, a presença da estética da ideologia neorrealista encontrou-se presente, de forma acentuada, na 2ª edição das Gerais, em 1947, num “clima diferentemente polémico” (França, 1985, p. 362) que, incitado por declarações na imprensa, levou à apreensão de obras e à instituição de regulamentação prévia para participação nas edições futuras do evento (C. A. Tavares, 2006, p. 136). Alguns dos artistas que participaram em edições das Gerais, como Júlio Pomar (1926-2018), Querubim Lapa (1925-2016), Rogério Ribeiro (1930-2008), Mário Dionísio (1916-1993), Cipriano Dourado (1921-1981), Lima de Freitas (1927-1998), Francisco Relógio (1926-1997), Armando Alves (n. 1935) e Victor Palla são também autores cujas obras ilustram capas de números da revista Vértice, ou mesmo, no caso de Alves e Palla, que desenvolveram layouts para a revista. De destacar Júlio Pomar (com obras que também

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constam nas capas da Vértice), com o quadro, Almoço do Trolha — “pintura-bandeira do neo-realismo” (Vieira, 2000, p. 180)28, presente na 2ª edição das Gerais29 —, pela acentuação das mãos e dos pés, instrumentos de trabalho do povo, características pictóricas que expunham o carácter social da obra.

É também no contexto das Exposições Gerais de Artes Plásticas que os neorrealistas começaram a adoptar, recorrentemente, a gravura, como meio de expressão, interesse que se comprova, mais tarde, na fundação da Cooperativa de

Gravadores Portugueses Gravura (C. A. Tavares, 2006, p. 142). Tal predileção pela

gravura revelou-se de forte importância na difusão da arte neorrealista pela população, pois permitia a reprodução, em periódicos, de obras de arte que veiculavam a estética e a mensagem ideológica neorrealista — a “reprodutibilidade (...) para esta dimensão pública da imagem” (Dias, 2015, p. 17).

Paralelamente às artes plásticas, no decorrer dos anos 40, vários artistas proliferaram na produção de obras gráficas, no âmbito da campanha do bom gosto (França, 1982b, p. 146). Alguns destes, modernistas, considerados como “os precursores do design em Portugal” (Almeida, 2009, p. 68), começaram a desenvolver a sua atividade para o SPN na década de 1930, tais como Bernardo Marques, Carlos Botelho (1899-1982), Emmerico Nunes (1888-1968), Fred Kradolfer (1903-1968), José Rocha (1907-1982), Paulo Ferreira (1911-1999), Manuel Lapa (1914-1979), Roberto Araújo (1909-1990), Tomaz de Mello “Tom” (1906-1990) e Almada Negreiros (1893-1970) (Almeida, 2009, p. 68). É ao longo desta década, contra um panorama precário para a empregabilidade de artistas gráficos, ainda nem assim denominados, que surgem a galeria UP, o estúdio Tom, a ETP (Estúdio Técnico de Publicidade), a Belarte, o Martins da Hora — agências e estúdios percursores na atividade profissional dos artistas gráficos portugueses (Mello, 1989, p. 29). Após esta geração — da qual se pode dizer que preparou o caminho do design gráfico em Portugal — surge a geração de gráficos da década de 1940. José-Augusto França desenvolve o panorama desta geração no texto do catálogo da exposição Os anos 40 na arte portuguesa, analisada, também, segundo

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Na legenda da reprodução do quadro, Almoço do Trolha, na respetiva página.

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