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O GRAFISMO DAS CAPAS DA REVISTA VÉRTICE (1ª SÉRIE ) NO MUSEU DO NEO-REALISMO

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE BELAS-ARTES

O GRAFISMO DAS CAPAS

DA REVISTA VÉRTICE (1ª SÉRIE 1942-1986)

NO MUSEU DO NEO-REALISMO

Análise gráfica e proposta de exposição

Inês Alexandra Madeira Ferreira

Dissertação

Mestrado em Museologia e Museografia

Dissertação orientada pelo Prof. Doutor Jorge dos Reis

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DECLARAÇÃO DE AUTORIA

Eu, Inês Alexandra Madeira Ferreira, declaro que a presente dissertação de mestrado intitulada “O grafismo das capas da revista Vértice (1ª série 1942-1986) no Museu do Neo- -Realismo: Análise gráfica e proposta de exposição”, é o resultado da minha investigação pessoal e independente. O conteúdo é original e todas as fontes consultadas estão devidamente mencionadas na bibliografia ou outras listagens de fontes documentais, tal como todas as citações diretas ou indiretas têm devida indicação ao longo do trabalho segundo as normas académicas.

O Candidato

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RESUMO

O presente trabalho consiste numa análise gráfica e tipográfica das capas da 1.ª série (1942-1986) da Vértice – revista de cultura e arte — a partir dos números da publicação disponíveis no espólio no Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira —, com a finalidade de aplicar o discurso utilizado nesta análise ao espaço expositivo do museu, através de uma proposta de exposição.

A análise ao grafismo das capas da revista Vértice desenvolve-se considerando as diversas camadas do objeto: enquanto revista literária portuguesa do século XX, preponderante no movimento neorrealista, enquanto objeto gráfico, e como objeto museológico. Como tal, consideram-se os contextos histórico, político, social e artístico em que a publicação se desenvolveu, com particular destaque para a perspectiva da redação da revista em relação à componente gráfica da mesma, verificável na leitura dos textos editoriais. Deste modo, partindo da observação das características gráficas e tipográficas das capas, dividem-se os números da 1.ª série segundo duas tipologias principais — capas tipográficas (constituídas por elementos tipográficos e formas geométricas simples) e capas gráficas (que incluem imagem) — sub dividindo-se as mesmas em sub tipologias que agrupam as capas de acordo com a sua composição, tipografia, cor e imagem. Cada uma das tipologias e sub tipologias são sistematizadas numa ficha de inventário adaptada, que adiciona aos dados gerais do objeto, os atributos gráficos que caracterizam os espécimes.

O processo de análise gráfica das capas tem como finalidade a sua adaptação ao discurso expositivo, correspondendo cada sub tipologia a um sub núcleo de exposição. Com o projeto expositivo, propõe-se comunicar a componente gráfica das capas da revista Vértice através da apresentação de uma seleção de números da publicação num dos espaços de exposição temporária do Museu do Neo-Realismo, em articulação com os resultados da análise realizada às suas capas, representados no projeto gráfico bidimensional da museografia da exposição.

Palavras-Chave:

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ABSTRACT

The present work consists of a graphic and typographic analysis of the covers of the first series of Vértice magazine (Vértice – revista de cultura e arte) — an analysis from the collection of the magazine at the Museu do Neo-Realismo, in Vila Franca de Xira —, aiming at applying the discourse of this analysis, to the museum exhibition space, through the proposal of an exhibition.

For the graphic analysis of Vértice’s magazine covers, the multiple layers of the object were taken in account: Vértice as a 20th century portuguese literary magazine, playing a main role in the neorealism movement, as a graphic artefact, and as a museological artefact. For that purpose, the historical, political, social and artistic contexts in which the magazine was brought up, were taking into consideration, with an emphasis in the regards of the editorial room of Vértice when it came to the graphic aspects of the magazine (which can be read in the editorials). Starting from an observational point of the graphic and typographic aspects of the magazine, we divided the issues of the first series of the magazine into two main typologies — typographic covers (which only have type and basic geometric shapes) and graphic covers (the ones which include imagery) — sub dividing them into sub typologies, which group the covers based on their composition, type, color and imagery. Each of the typologies is organized in an adapted inventory card, which adds to the general data, the graphic attributes of each object.

The process of the cover’s graphic analysis aims at its adaptation to the exhibition’s discourse, matching each typology to a segment of the exhibition. This exhibition project’s purpose is to communicate the graphic aspect in Vertice magazine’s covers, by exhibiting a selection of the publication's issues in one of the Museu do Neo-Realismo’s temporary exhibition spaces, articulating these issues with the results from the cover’s graphic analysis, results which are represented in the exhibition’s two-dimensional museographic project.

Keywords:

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Agradecimentos

Um agradecimento ao meu orientador, Professor Jorge dos Reis, pelo apoio e interesse que demonstrou, desde o início, a este trabalho, o qual, sem a sua orientação, não teria sido possível realizar.

À Professora Cristina Azevedo Tavares, pelo incentivo e apoio, e pela revisão de conteúdos relativos à temática neorrealista e da arte em Portugal no século XX, incluídos no primeiro capítulo.

Ao Museu do Neo-Realismo (MNR), por possibilitar a realização desta investigação, autorizando a consulta e inclusão dos materiais pertencentes ao espólio da revista

Vértice presentes neste trabalho, assim como a autorização para incluir imagens

fotográficas dos mesmos. À equipa do museu, pelo disponibilidade ao longo da investigação. Ao Centro de Documentação do MNR, na pessoa de Odete Belo, pela ajuda e assistência ao longo destas consultas.

À Imprensa Nacional – Casa da Moeda (INCM), pela possibilidade em consultar Catálogos de Tipos da INCM, e incluir imagens dos espécimes tipográficos presentes nos mesmos, neste trabalho. Ao arquivo histórico da instituição, na pessoa de Maria João Gaiato, pela disponibilidade e assistência na consulta destes materiais.

A João Palla Martins, pelas imagens de estudos das capas da revista Vértice, da autoria de Victor Palla, e pela autorização em incluí-las neste trabalho.

À minha família, por todo o apoio.

Aos meus pais, por serem uma presença constante, e pelas palavras de incentivo, não só ao longo deste mestrado, como desde sempre.

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Índice Introdução ... Objeto de estudo ... Objetivos ... Metodologia ... Estrutura do trabalho ... Estado da Arte ... Modelo Teórico ... Quadro conceptual ...

1. A revista Vértice e o Neorrealismo: contextualização do movimento ...

1.1. Da literatura às artes plásticas neorrealistas e a questão da forma vs. conteúdo.. 1.2. As artes plásticas e as artes gráficas...

2. O espólio da revista Vértice no Museu do Neo-Realismo: o museu ...

2.1. Os espólios editoriais na coleção do museu: testemunhos gráficos ... 2.1.1. O espólio editorial da revista Vértice no MNR ... 2.1.1.1. O objeto: breve contextualização da história da revista Vértice ... 2.1.1.2. No conjunto: contextualização do espólio da revista Vértice no MNR ..

3. O espólio da revista Vértice (1ª série): uma leitura gráfica e tipográfica ...

3.1. A componente gráfica na história da revista ... 3.1.1. Grafismo abordado nos editoriais da Vértice ... 3.1.2. Grafismo abordado na correspondência Joaquim Namorado e Mário Braga. 3.2. Análise gráfica e tipográfica das capas da revista Vértice ... 3.2.1. Características em análise ... 3.2.1.1. A composição de página: os layouts ... 3.2.1.2. Os autores gráficos das capas da Vértice ... 3.2.1.3. A tipografia: capas gráficas e capas tipográficas ... 3.2.1.4. A cor: variações cromáticas ... 3.2.1.5. A imagem ... 12 12 13 14 18 19 21 24 26 29 32 39 41 45 45 48 50 50 51 57 59 61 61 62 64 66 67

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3.2.1.6. Os principais autores das obras nas capas da Vértice ... 3.2.2. Matrizes de impressão das capas da revista Vértice no espólio do MNR ... 3.2.3. Divisão por tipologias gráficas e tipográficas ... 3.2.3.1. Capas Tipográficas ... a) Tipologia A ... b) Tipologia B – layout de Victor Palla ... c) Tipologia C – layout de Victor Palla ... d) Tipologia D ... e) Tipologia E (E1) ... f) Tipologia F ... g) Tipologia G ... h) Tipologia I (I1) – layout de Espiga Pinto ... i) Tipologia O (O1) – layouts e letterings de edição única ... 3.2.3.2. Capas gráficas ... a) Tipologia E (E2) ... b) Tipologia H (H1 a H4) ... c) Tipologia I (I2) – layout de Espiga Pinto ... d) Tipologia J (J1 a J3) – logótipo adaptado do lettering Espiga Pinto ... e) Tipologia L (L1 a L8) ... f) Tipologia M – layout de J. Daniel Abrunheiro ... g) Tipologia N – layout de Armando Alves ... h) Tipologia O (O2) – layouts e letterings de edição única ...

4. Proposta de exposição: as capas da Vértice – o projeto gráfico

da revista ...

4.1. Processos de comunicação no contexto museológico e expositivo ...

4.2. As capas da revista Vértice – proposta de exposição ...

4.2.1. Critérios curatoriais e seleção dos exemplares ... 4.2.2. Guião Expositivo e plantas de exposição ...

Conclusão ... Bibliografia ... Anexos ... 68 71 74 76 76 79 83 86 88 91 93 95 98 100 101 103 109 110 115 123 125 128 130 130 136 137 144 148 154 164

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Índice de figuras

Figura 1. Esquema do modelo teórico da dissertação ... Figura 2. Esquema do quadro conceptual da dissertação ... Figura 3. Exemplares da revista Vértice na exposição Batalha pelo Conteúdo ... Figura 4. Marcas na lateral das matrizes ... Figura 5. Diversas designações na atribuição da autoria das capas da revista Vértice . Figura 6. Assinatura de Victor Palla nas capas da Tipologia C ... Figura 7. Vértice, capa do n.º 446 ... Figura 8. Vértice, capa do n.º 464-5 ... Figura 9. Vértice, capa do n.º 17-21 ... Figura 10. Vértice, capa do n.º 27-30 ... Figura 11. Vértice, capa do n.º 196-197 ... Figura 12. Vértice, capas dos números 186, 258, 305 e 310 ... Figura 13. Vértice, capas dos números 119,124, 204, 213 ... Figura 14. Pormenor da matriz da capa do n.º 360 da revista Vértice ... Figura 15. Pormenor da mesa de trabalho ... Figura 16. Vista lateral de embalagem (matriz do n.º 147) ... Figura 17. Vista frontal de embalagem com prova de impressão (Tipologia C) ... Figura 18. Embalagem aberta com matriz no interior (Tipologia C) ... Figura 19. Alto relevo (pormenor de matriz do n.º 192) ... Figura 20. Baixo relevo (matriz do n.º 390 a n.º 435) ... Figura 21. Matriz plana (pormenor da matriz do n.º 360) ... Figura 22. Esquema do método aplicado à divisão por tipologias ... Figura 23. Exemplar (n.º 3, fev de 1944) e esquematização da Tipologia A ... Figura 24. Exemplar (n.º 17-21, nov de 1945) e esquematização da Tip. B ... Figura 25. Exemplar (n.º 27-30, mar de 1946) e esquematização da Tip. C ... Figura 25 a). Estudos de Victor Palla para as capas da revista Vértice ... Figura 26. Exemplar (n.º 53, jan de 1948) e esquematização da Tip. D ... Figura 27. Exemplar (n.º 65, jan de 1949) e esquematização da Tip. E1 ... Figura 28. Exemplar (n.º 148-149, jan-fev de 1956) e esquematização da Tip. F ... Figura 29. Exemplar (n.º 172, jan de 1958) e esquematização da Tip. G ...

23 25 48 52 53 53 56 56 67 67 67 69 70 71 71 72 72 72 73 73 73 75 79 81 84 85 87 89 93 94

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Figura 30. Exemplar (n.º 268, jan de 1966) e esquematização de Tip. I1 ... Figura 31. Exemplar (n.º 1, mai de 1942) e esquematização de Tip. O1 ... Figura 32. Exemplar (n.º 184-185, jan-fev de 1959) e esquematização de Tip. O1 ... Figura 33. Exemplar (n.º 234-236, mar-mai 1963) e esquematização de Tip. O1... Figura 34. Exemplar (n.º 118, jun de 1953) e esquematização de Tip. E2 ... Figura 35. Exemplar (n.º 188, mai de 1959) e esquematização de Tip. H1 ... Figura 36. Exemplar (n.º 209, fev de 1961) e esquematização de Tip. H2 ... Figura 37. Exemplar (n.º 232-233, jan-fev 1963) e esquematização de Tip. H3 ... Figura 38. Exemplar (n.º 229, Out de 1962) e esquematização de Tip. H4 ... Figura 39. Exemplar (n.º 378-379, jul-ago de 1975) e esquematização de Tip. I2 ... Figura 40. Exemplar (n.º 305, fev de 1969) e esquematização de Tip. J1 ... Figura 41. Exemplar (n.º 313, fev de 1970) e esquematização de Tip. J2 ... Figura 42. Exemplar (n.º 322-323, nov-dez 1970) e esquematização de Tip. J3 ... Figura 43. Exemplar (n.º 315-316, abr-mai 1970) e esquematização de Tip. L1 ... Figura 44. Exemplar (n.º 318, jul de 1970) e esquematização de Tip. L2 ... Figura 45. Exemplar (n.º 329, jun de 1971) e esquematização de Tip. L3 ... Figura 46. Exemplar (n.º 330, jul de 1971) e esquematização de Tip. L4 ... Figura 47. Exemplar (n.º 326, mar de 1971) e esquematização de Tip. L5 ... Figura 48. Exemplar (n.º 334-335, nov-dez 1971) e esquematização de Tip. L6 ... Figura 49. Exemplar (n.º 333, out de 1971) e esquematização de Tip. L7 ... Figura 50. Exemplar (n.º 390-391, set-out 1976) e esquematização de Tip. L8 ... Figura 50 a). Secção JORNAL ... Figura 51. Exemplar (n.º 440-1, jan-abr de 1981) e esquematização de Tip. M ... Figura 52. Exemplar (n.º 446, jan-fev de 1982) e esquematização de Tip. N ... Figura 53. Exemplar (n.º 186, mar de 1959) e esquematização de Tip. O2 ... Figura 54. Exemplar (n.º 200, mar de 1960) e esquematização de Tip. O2 ... Figura 55. Esquema do objeto em contexto museológico ... Figura 56. Esquema do processo de comunicação no museu, investigação à exposição Figura 57. Síntese de objetos, propriedade, materiais e fatores de conservação ... Figura 58. Protótipo de museografia para cada núcleo ... Figura 59. Protótipo de museografia para zona do foyer (cronologia) ... Figura 60. Protótipo de museografia para zona do foyer ...

121 124 127 128 128 134 134 140 141 141 142 97 99 99 99 102 105 105 105 105 109 113 113 113 119 119 119 120 120 120 121 121

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Figura 61. Protótipo de dispositivo por camadas ... Figura 62. Protótipo de pré-visualização da sobreposição no dispositivo por camadas . Figura 63. Expositores e vitrines de exposição ... Figura 64. Planta do piso 0 do Museu do Neo-Realismo ... Figura 65. Dimensões da museografia dos subnúcleos ... Figura 66. Planta do núcleo de introdução para zona do foyer MNR ... Figura 67. Planta do núcleo Capas Tipográficas para Sala de Literatura MNR ... Figura 68. Planta do núcleo Capas Gráficas para Sala de Arte Contemporânea MNR .

142 143 143 144 146 146 147 147

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Siglas e Acrónimos

DGPC – Direção-Geral do Património Cultural ICOM – International Council of Museums INCM – Imprensa Nacional-Casa da Moeda MFA – Movimento das Forças Armadas MNR – Museu do Neo-Realismo

MUD – Movimento de Unidade Democrática PIDE – Polícia Internacional e de Defesa do Estado SPN – Secretariado de Propaganda Nacional SNI – Secretariado Nacional de Informação SNBA – Sociedade Nacional de Belas Artes

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Introdução

Objeto de Estudo

A investigação para a presente dissertação, realizada no âmbito do mestrado de Museologia e Museografia, tem como questão de partida a análise gráfica e a exposição de objetos editoriais neorrealistas, enquanto artefactos de design gráfico e tipográfico, tendo como objeto de estudo as capas da 1ª série da revista Vértice, a qual foi publicada entre o n.º1, de maio de 1942, até ao n.º 473-475 de julho/dezembro de 19861. Selecionou-se a Vértice, enquanto título a estudar, pela relevância da mesma no seio das revistas que marcaram o movimento neorrealista, tendo sido uma “tribuna do movimento” e “palco privilegiado da resistência à ditadura” (Pires, 2000, p. 594), e pela diversidade gráfica das capas ao longo da 1ª série da publicação, matéria que, pelo que se pôde averiguar, ainda se encontrava por estudar em detalhe.

A escolha desta questão de investigação decorreu de uma sucessão de visitas realizadas ao Museu do Neo-Realismo — instituição museológica que investiga e expõe testemunhos do movimento Neorrealista em Portugal, localizado na cidade de Vila Franca de Xira, distrito de Lisboa —, realizadas no contexto de um trabalho de análise da instituição, o qual foi desenvolvido numa das unidades curriculares do mestrado, tendo essa pesquisa suscitado um interesse pelos espólios editoriais do museu.

Movimento literário e artístico do século XX, de marcado cariz político-social, influenciado pelas “teorias marxistas do materialismo histórico e dialéctico” (D. Santos & Redol, 2007a, p. 339) e pelo realismo socialista, a produção literária e artística neorrealista apresenta-se — segundo excerto do Dicionário da Academia de Ciências de

Lisboa, como citado no catálogo da exposição Batalha pelo Conteúdo, coordenado por

David Santos —, enquanto reflexão e contestação das precárias condições de vida da época, com ênfase na classe do proletariado (D. Santos et al., 2007, p. 335). A marcada índole literária traduz-se nos artefactos produzidos, entre estes, livros e publicações periódicas, veículos de disseminação do movimento. Este aspecto reflete-se nas coleções da instituição, sendo que, uma considerável parte do espólio é editorial e literária. O mesmo se pode constatar nos espaços expositivos do Museu do Neo-Realismo, tanto na exposição de longa duração Batalha pelo Conteúdo – O Movimento

1

Iniciando-se a 2ª série, em abril de 1988, após a aquisição da revista pela Editorial Caminho (Pires, 2000, pp. 593–594).

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Neo-Realista Português, como em diversas exposições temporárias realizadas na

instituição, nas quais os espólios literários e editorais se traduzem em grande número de objetos museológicos expostos.

A exposição de longa duração, inaugurada em 2008, segue uma tipologia interdisciplinar ao longo de dois pisos — tendo a Literatura como disciplina predominante, face à natureza do movimento —, num percurso pelos núcleos de Artes Plásticas, Música, Teatro e Cinema, dando a conhecer o panorama neorrealista. Estão presentes títulos de publicações periódicas de destaque no contexto do movimento, como, por exemplo, O Diabo (1934-1940), Sol Nascente (1937-1940) e Vértice, entre outras. As visitas ao museu, em particular ao espaço da exposição de longa duração, permitiram constatar a variedade e a riqueza gráfica dos espólios — visível, sobretudo, no núcleo de Artes Plásticas, e no subnúcleo Ilustração Neo-Realista, de Batalha pelo

Conteúdo, onde se encontram expostos alguns dos títulos mais relevantes da literatura

neorrealista, não apenas do ponto de vista literário, mas também artístico (destacando-se as capas de obras com ilustrações de autores como Victor Palla (1922-2006) e Manuel Ribeiro de Pavia (1910-1957)).

Complementar às visitas a exposições do museu, também a consulta no Centro de Documentação da instituição contribuiu para a seleção da questão e do objeto de investigação, uma vez que é neste espaço, que é possível aos utilizadores efetuar um pedido para consulta de materiais bibliográficos e documentação. Entre estes materiais, encontra-se uma vasta biblioteca de obras literárias neorrealistas, espólios com correspondência de autores e personalidades marcantes do movimento e espólios de publicações na íntegra, como é o caso da revista Vértice.

Objetivos

Com esta dissertação, pretende-se uma reflexão da componente de design gráfico e tipográfico nos objetos editoriais neorrealistas, tendo como caso de estudo as capas da 1ª série da publicação Vértice — uma análise da revista enquanto, simultaneamente, testemunho teórico e testemunho gráfico do neorrealismo. O estudo culmina num projeto de exposição das capas da revista: a Vértice enquanto objeto museológico — analisada a partir de espécimes do espólio no Museu do Neo-Realismo — e apresentada em contexto expositivo, na perspectiva de objeto gráfico e tipográfico.

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O projeto expositivo propõe a articulação da análise gráfica das capas do objeto com a linguagem museográfica2 da exposição. Considera-se esta linguagem como componente importante, pois opera enquanto elemento no processo de comunicação do objeto ao público, no contexto de exposição, atuando como uma “ponte (...) entre emissores e receptores”3 (Horta, 1992, p. 109). A exploração de métodos para transpor e adaptar a investigação e análise das capas da Vértice, do plano teórico, para a sala de exposição, onde o objeto é comunicado ao público, parte de um princípio referido em Conceitos-

-Chave de Museologia: “o designer de exposições ou museólogo parte dos êxpots4 e realiza pesquisas sobre o melhor modo de expressão, a melhor linguagem para fazer com que eles falem” (Desvalées & Mairesse, 2013, p. 45).

Metodologia

Iniciou-se a investigação a partir da questão de partida já referida — a análise e a exposição de objetos editoriais neorrealistas, enquanto artefactos de design gráfico e tipográfico —, selecionando-se a revista Vértice como objeto de estudo para a investigação desta questão, e delimitando-se a análise ao estudo do grafismo das capas da publicação ao longo da sua 1ª série, de 1942 a 1986. Decidiu considerar-se tal extenso período temporal por três motivos: 1988, foi o ano em que a Vértice foi adquirida pela Editorial Caminho, transitando a edição de Coimbra para Lisboa, o que fechou um ciclo na história da publicação; o facto dessa fase corresponder (sobretudo até à década de 60, inclusive) ao período com maior expressão do movimento neorrealista, especialmente no campo das artes plásticas, área de particular interesse para a análise das capas da revista; a quantidade de tipologias gráficas que se considerou nas capas da revista, ao longo deste período, ser diversa o suficiente para análise e

2

Por linguagem museográfica entende-se o que Maria de Lourdes Horta denomina como código de

design ou museográfico (Horta, 1992, p. 109). Tradução livre de: “The DESIGN code, or the

museographic code (...)”. Estes é um dos código apresentados pela autora, na sua abordagem ao museu e comunicação museológica, de um ponto de vista semiótico.

3

Tradução livre de: “acting as a ‘bridge’ (...) between emitters and receivers (...)”.

4

“(...) cada um dos elementos presentes no seio da exposição (objetos de museu, substitutos, textos, etc.) podem ser definidos como êxpot.” (Desvallées & Mairesse, 2013, p. 44). Segundo nota 37, da página 44, no livro citado, a edição em português do Brasil considerou adequado manter o termo francês, pois este não tem tradução para português, acrescentando uma indicação para consulta da entrada “Objeto [de Museu] ou Musealia” no mesmo livro.

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apresentação de resultados, mas não de um número tão elevado que impossibilitasse esta análise em tempo útil da investigação. Contudo, e exatamente por questões de gestão de tempo, e de modo a permitir uma análise mais frutífera, delimitou-se esta investigação às capas da revista, não abordando o miolo, ou seja, as características gráficas das páginas do interior da publicação. Deste modo, apresenta-se a metodologia do trabalho em sete passos.

1.

Feita a seleção do objeto de estudo, iniciou-se a pesquisa relativa ao estado da arte, seguida da construção da estrutura dos conteúdos a trabalhar, o que resultou na divisão da dissertação em quatro capítulos. Construída a estrutura interna do trabalho, organizaram-se as fontes e iniciou-se a pesquisa bibliográfica. Assim, os materiais ou fontes primárias da dissertação correspondem ao objeto em análise — a revista Vértice — e, como tal, incluem-se dois grupos de fontes: a) os números da 1ª série da revista, e b) os materiais gráficos e tipográficos utilizados para impressão, ambos pertencentes à coleção do Museu do Neo-Realismo, e que são, simultaneamente, objetos de estudo e fontes para a investigação.

2.

Nesse âmbito, foi possível consultar e fotografar as capas e contracapas de todos os números da 1ª série da Vértice, a) os números da revista, 343 espécimes, desenvolvendo-se um sistema de organização e consulta que inclui, por espécime, uma fotografia da capa, assim como um registo fotográfico das páginas que contêm o índice e a ficha técnica, para respetiva verificação dos conteúdos de cada edição, autores da obra ou composição gráfica da capa. Um dos fatores que nos levaram a fotografar todas as capas foi, segundo o que se conseguiu apurar, não existirem digitalizações das capas da Vértice disponíveis em repositórios online5.

3.

Após recolha e organização dos registos fotográficos das capas, estabeleceram-se critérios para a sua organização, o que se traduziu em duas categorias amplas — capas

5

Destaca-se o repositório “Revistas de Ideias e Cultura” (CHAM – Centro de Humanidades da Universidade Nova de Lisboa e da Universidade dos Açores, sem data-b), onde é possível encontrar publicações digitalizadas contemporâneas à Vértice, nomeadamente a Seara Nova (1921-1984, 1ª série).

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tipográficas e capas gráficas — tendo como denominador comum a presença do

lettering — o título VÉRTICE — em ambas, verificando-se uma variedade de 17 letterings ao longo da 1ª série analisada. Nesta sequência, realizou-se um documento

com função semelhante a um inventário (Anexo I), que compila os registos fotográficos das 343 capas da Vértice, divididos por letterings e layouts (visto que, em várias instâncias, a um lettering corresponde a mais do que um layout).

4.

A pesquisa das fontes b) materiais gráficos e tipográficos, matrizes utilizadas para a impressão das capas da Vértice — as quais fazem parte da coleção do Museu do Neo- -Realismo, estando, contudo, ainda por tratar arquivisticamente6 — surgiu após consulta do catálogo da exposição Ilustração & Literatura neo-realista (D. Santos, Rosinha, Santos, & Cotrim, 2008). Este catálogo inclui uma zincogravura do plano da capa de um livro editado pela Vértice (D. Santos et al., 2008, p. 164), o que levou a procurar outros materiais semelhantes da produção gráfica da revista. De referir que, como estes materiais não se encontram para consulta ao público, o registo fotográfico e a presença dos mesmos na investigação só foi possível graças à autorização da instituição. Armazenadas em caixas de arquivo, algumas identificáveis pelo invólucro (que contêm impressões das respetivas matrizes), noutros casos foi necessária a abertura das embalagens para identificação das matrizes. Embora se tenham identificado a maioria destas matrizes, alguns espécimes não foram incluídos no trabalho, por apresentarem marcas de deterioração, tornando necessária a intervenção de restauro nos mesmos.

5.

Procedeu-se, então, a uma primeira seleção das matrizes, subdividindo-as em a) gráfico (correspondentes a layout completo, layout parcial e imagem) e b) tipográfico (correspondentes a títulos e numeração). Consultaram-se também matrizes de capas de livros de edições Vértice7, mas considerando o foco da investigação nas capas da revista, estes não são incluídos no presente trabalho. Realizou-se, então, um documento

6

Informação segundo Odete Belo, técnica do Centro de Documentação do museu, sobre a consulta dos referidos materiais (comunicação pessoal, 20 de novembro, 2018).

7

Vértice editou quatro modalidades de livros – Colecção Vértice, Textos Vértice, Ensaios Vértice e Cancioneiro Vértice (Pires, 2000, p. 607). O autor também menciona, anterior a estas, uma “Colecção

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que compila as matrizes (ver Anexo II), assim como as provas de impressão que vinham com cada uma, e as capas a que correspondem (para comparação entre as matrizes e o produto final — as capas). Cada um destes campos identifica o número da edição, a data e o autor do layout ou obra na capa da revista, assim como informações técnicas necessárias para a identificação dos espécimes enquanto objetos museológicos: suporte, técnica, altura, largura e espessura8 (para a obtenção das dimensões dos objetos, efetuou-se uma medição das matrizes, a qual, desde já se admite poder ter alguma margem de erro, pela própria irregularidade da superfície destes materiais).

6.

Após análise às fontes a) os números da 1ª série da revista (ver Anexo I a) e b) os

materiais gráficos e tipográficos (ver Anexo II), realizou-se um outro documento (ver

Anexo VI), síntese do Anexo I, constituído por fichas de cada tipologia gráfica e tipográfica, contendo, cada uma, informações gerais e variáveis dependentes da respetiva tipologia. No campo das informações gerais, encontram-se dados gerais como a tipologia gráfica, o lettering (de entre 17 letterings identificados), o número, a data, o local de composição e impressão, os diretores, editores e outros cargos técnicos da revista durante a tipologia em questão, assim como informações relativas ao suporte, técnica e dimensões, estas últimas consolidadas, à semelhança do Anexo II, segundo Normas de Inventário disponíveis no MatrizNet (Pinho & Freitas, 2000, pp. 71–74), e dados relativos ao espólio no MNR — caixas de arquivo e matrizes das capas. No campo das variáveis dependentes, apresentam-se as características gráficas e tipográficas que determinam a tipologia — nos elementos da capa, lombada e contracapa (como a data, fascículo, local, número, sumário...) — sendo estas a composição, tipografia, cor e imagem9. A escrita dos capítulos de análise às capas gráficas e tipográficas da revista Vértice (sub capítulos 3.2.3.1. e 3.2.3.2.) partiu, então, destas fichas. As variáveis independentes — que dizem respeito ao contexto cultural, artístico e político-social em que cada tipologia se desenvolveu — estão presentes nestes capítulos. Em cada sub capítulo, de cada tipologia, consta a capa do primeiro

8

A descrição dos dados dos objetos tem como referência alguns dos parâmetros da ficha modelo de inventário (Pinho & Freitas, 2000, pp. 71–74), presente em normas de inventário disponíveis na plataforma da DGPC, MatrizNet.

9

A metodologia de análise às características da tipografia e da cor segue uma linha semelhante à da autora Cristiana Serejo, na sua análise à revista Presença (Serejo, 2016).

(18)

número enquadrado nessa tipologia, acompanhado de uma esquematização do respetivo

layout (de entre 14 layouts principais delineados, da Tipologia A à O, que se dividem

em 29 sub tipologias).

7.

Após a pesquisa das fontes, análise das capas e matrizes, e da construção de inventários que organizam a informação recolhida, procedeu-se à seleção dos espécimes para a construção do guião da exposição, que constitui o último capítulo da dissertação. Para tal, adaptou-se a delimitação das tipologias gráficas à construção dos núcleos expositivos, através de um modelo a aplicar na museografia de cada núcleo, o qual inclui uma zona de análise gráfica do layout, lettering e matrizes das respetivas tipologias. Procurou-se, assim, expor o trabalho de investigação e análise gráfica e tipográfica realizado ao longo da dissertação, no contexto museográfico e museológico.

Estrutura do trabalho

O trabalho organiza-se em quatro capítulos, aos quais acrescem subdivisões internas em subcapítulos.

O primeiro capítulo apresenta a contextualização histórica do movimento neorrealista, explorando, nos dois subcapítulos, o plano da literatura e o das artes plásticas, estabelecendo-se, neste último, pontos de contacto com as artes gráficas desse período.

A segunda secção do trabalho diz respeito ao Museu do Neorrealismo. Inclui uma breve descrição da instituição, mas aborda, preferencialmente, a questão dos espólios editoriais da mesma, em particular o espólio da revista Vértice, com um subcapítulo relativo ao objeto — de síntese da história da publicação —, e uma outra secção relativa ao conjunto — ao espólio da revista no museu.

O terceiro capítulo — de maior desenvolvimento — inicia-se com um subcapítulo relativo à componente gráfica na revista Vértice, a partir da leitura dos editoriais da revista, e de correspondência relativa à mesma, seguido de uma secção que apresenta as características gráficas em análise já referidas. Seguem-se dezessete secções, sub divididas em dois capítulos — capas gráficas e tipográficas — que correspondem às tipologias de capas e respetiva análise gráfica e tipográfica das

(19)

mesmas. Para não sobrecarregar o primeiro subcapítulo com uma exposição histórica alargada, desconectada dos restantes, cada secção de análise gráfica de tipologia inicia-se com pontos de destaque na história das artes gráficas (nacional e internacional) e da história da Vértice, no período temporal correspondente. Esta contextualização mostra-se importante, pois, embora a análimostra-se do grafismo mostra-seja o ponto principal da dismostra-sertação, não deixa de ser realizada no âmbito duma investigação museológica, sendo que, por diversas vezes, as opções gráficas da revista refletem os fatores históricos do período na qual foi produzida.

O quarto e último capítulo corresponde, assim, a uma proposta de exposição do projeto gráfico das capas da Vértice, que consolida e propõe uma aplicação prática da análise realizada nos anteriores capítulos da dissertação. Esta secção subdivide-se em subcapítulos relativos à comunicação em contexto museológico, à seleção e curadoria dos exemplares, e a uma proposta sintetizada de adaptação do projeto gráfico e tipográfico das capas da Vértice para o contexto museográfico de exposição, que incluem o delinear das plantas e guião da exposição.

Estado da Arte

Numa primeira instância, analisou-se o estado da arte num plano macro — o estudo das artes gráficas em Portugal, no século XX — e, posteriormente, num plano micro — estudos realizados sobre a Vértice e exposições e investigações acerca do tema, realizadas no Museu do Neo-Realismo.

No plano macro, as artes gráficas em Portugal, no período do século XX, foram tópico na investigação de Ana Margarida Fragoso, na tese de doutoramento Formas e

expressões da comunicação visual em Portugal : contributo para o estudo da cultura visual do século XX, através das publicações periódicas (Fragoso, 2009), onde a autora

dedica uma secção de um dos capítulos ao Neo-Realismo e Surrealismo, enquanto correntes estéticas e ideológicas10. Neste caso, a revista Vértice é mencionada no âmbito da comunicação visual gráfica, ao destacar ilustrações de autores como Manuel Ribeiro de Pavia, que “consolidaram o ideal neo-realista” (Fragoso, 2009, p. 144). Ainda dentro

10

“Capítulo 12 : Na Sequência da 2ª Guerra Mundial : 1. O Neo-Realismo e o Surrealismo : Correntes Estéticas de Base Ideológica” (Fragoso, 2009, pp. 311–315).

(20)

do estudo das artes gráficas portuguesas no século XX, mas no período específico dos anos 1940, destaca-se a tese de doutoramento de Ana Quintas, Grafismo e Ilustração em

Portugal nos Anos 40 (Quintas, 2014). Esta investigação é relevante enquanto

referência para o presente estudo, pois cobre a primeira década de publicação da revista

Vértice. A autora dedica um capítulo a publicações periódicas, analisando o grafismo,

tipografia e ilustrações que nelas figuram, e um subcapítulo que destaca o objeto

revista11, encontrando-se a Vértice como uma das revistas referidas(Quintas, 2014, pp. 368–373).

Num plano de investigação realizada entre o universo alargado das artes gráficas em Portugal, no século XX, e o campo específico da revista Vértice, consideram-se para o estado da arte do presente estudo as exposições realizadas no Museu do Neo-Realismo (e respetivos catálogos), que incluam ou destaquem as artes gráficas e a ilustração do século XX e no movimento neorrealista. Neste tema específico, destaca-se a exposição

Ilustração & Literatura Neo-Realista — patente de 19 jul. 2008 a 15 de fev. de 2009

(Museu do Neo-Realismo, sem data-b) —que compila as capas de livros ilustrados por autores de referência, revelando o panorama da ilustração no meio editorial neorrealista, tendo sido algumas capas da Vértice também incluídas no catálogo, assim como um excerto de uma carta de Rui Feijó (1921-2008) a Victor Palla, pedindo com urgência uma capa para um dos números da revista12. Em alguns textos de catálogos — como “Folhear Paisagens”, da autoria de João Paulo Cotrim (2008) e “‘Passou sem beliscaduras o teste de Gutemberg:’ o espólio gráfico de Carlos de Oliveira”, de Ana Sabino (2017) — é levantada a questão do design, sobretudo no último, onde a autora analisa a composição gráfica das capas dos livros de Carlos de Oliveira, escritor neorrealista. Também a exposição de longa duração do museu, Batalha pelo Conteúdo, destaca a ilustração no âmbito do movimento, através de um subnúcleo dedicado às capas de edições de obras literárias de referência, inserido no núcleo de Artes Plásticas.

Num plano micro, isto é, de investigação dedicada à revista Vértice, consideram--se o estudo de Viviane Ramond, o índice de autores de Carlos Santarém Andrade, e o

11

São estes o “Capítulo II: Jornais, revistas e livros” (Quintas, 2014, pp. 257–432) e o subcapítulo “II. 2 As revistas” (Quintas, 2014, pp. 335–380).

12

“O próximo número está quase pronto (...) Mas... falta-nos a capa, Palla! Sua, grita, tira os cabelos, mas manda com urgência uma capa (das melhores que algum dia fizeste) para a nossa revista. E, se puderes, assinantes, artigos, desenhos, panoramas, etc. (...)”, excerto de carta de Rui Feijó a Victor Palla, como citado no catálogo da exposição Ilustração & Literatura Neo-Realista (D. Santos et al., 2008, p. 162).

(21)

catálogo de uma exposição comemorativa do cinquentenário da Vértice, realizada nas antigas instalações do Museu do Neo-Realismo. No primeiro caso, trata-se de uma investigação da Vértice (Ramond, 2008), uma história detalhada da primeira década da publicação, onde a própria delimitação do período temporal de investigação — a década de 1940 — revela a complexidade da revista. Também a listagem de Carlos Santarém Andrade, que organiza os autores que contribuíram para a revista no âmbito literário, musical e artístico (C. S. Andrade, 1987) e o catálogo da exposição dos cinquenta anos da Vértice, compilação da história e documentação da publicação, são elementos importantes para o estado da arte da investigação.

Considerando que muita da bibliografia referenciada ou citada no presente trabalho corresponde a edições portuguesas do século XX, preservou-se o uso das aspas portuguesas na citação de frases originalmente publicadas com esse sinal gráfico.

Modelo Teórico

Devido ao cruzamento de áreas de estudo que a presente dissertação apresenta, o modelo teórico (Figura 1) constrói-se a partir de conceitos de autores, em três áreas: historiadores e críticos do movimento e artes plásticas neorrealistas; teóricos do design gráfico, português e internacional; e autores da área do conhecimento da museologia e museografia, sobretudo no que diz respeito à comunicação em contexto museológico.

Para a contextualização do movimento neorrealista, segue-se o pensamento teórico dos críticos Alexandre Pinheiro Torres, de David Santos e António Pedro Pita, estes últimos a partir de textos publicados em Batalha pelo Conteúdo (D. Santos et al., 2007), sendo ambas referências importantes, sobretudo no que diz respeito à “polémica interna do neo-realismo (...) problema da relação entre a forma e o conteúdo na afirmação da obra de arte” (D. Santos, 2017, p. 213)13, sintetizado, recorrentemente, na expressão forma vs. conteúdo. No tópico das artes plásticas portuguesas, no século XX, e artes plásticas neorrealistas, tem-se como principal referência a obra de José-Augusto França — sobretudo os textos de A arte em Portugal no século XX, 1911-1961 (1985) e

Os anos 40 na arte portuguesa (1982) —, e a história das Exposições Gerais de Artes

Plásticas, de Cristina Azevedo Tavares, um capítulo de A Sociedade Nacional de Belas-

13

(22)

-Artes (C. A. Tavares, 2006), autores que tratam de conceitos de modernismo e terceira

geração de modernistas, nos quais a produção neorrealista se insere. Para uma aproximação à produção gráfica desse período, tem-se como referência Fernando de Azevedo, particularmente no texto da sua autoria em Falando do Ofício (Azevedo, 1989), que apresenta o universo das artes gráficas da época. Ainda no âmbito das artes gráficas em Portugal, no século XX, têm-se ainda como referências as teses de doutoramento de Ana Quintas e de Ana Margarida Fragoso. Fernando Rosa Dias, no texto O Neo-Realismo nas artes plásticas: encruzilhadas para uma caracterização (Dias, 2015), é também tido como referência, ao apresentar o conceito de reprodutibilidade aplicado aos jornais e revistas no período do movimento neorrealista, veículos para a divulgação das artes plásticas junto do público, pela inclusão de reproduções de obras (muitas vezes nas capas, como é o caso da Vértice).

Para o desenvolvimento da análise relativa às tipologias gráficas das capas da

Vértice, recorre-se a uma perspectiva similar à dos autores Richard Hollis e Philip

Meggs — em Design gráfico: uma história concisa (2000) e A history of graphic design (1998), respetivamente — e à abordagem utilizada na coleção Design Português, sobretudo no que diz respeito ao cruzamento da análise gráfica com as circunstâncias históricas, políticas e sociais em que se insere. Para a análise técnica de elementos tipográficos, tem-se como referência John Kane, em A Type Primer (Kane, 2011), e

Graphic Design: The New Basics, de Ellen Lupton e Jennifer Cole Phillips, em paralelo

com a consulta indispensável de catálogos tipográficos da Imprensa Nacional-Casa da Moeda14. Consideram-se também obras de Manuel Pedro, “um dos grandes mestres da tipografia portuguesa” (Malaquias, 2007, p. 12), nomeadamente Guia Profissional do

Tipógrafo (1949), que elucidam o funcionamento da composição e da tipografia do

período em estudo. Também a Colecção D — coleção da Imprensa Nacional-Casa Moeda, que dedica doze volumes a artistas gráficos portugueses, um por volume15 — é

14

Os Catálogos de Tipos publicados pela INCM apresentavam os tipos disponíveis para venda às tipografias nacionais. Grande parte dos tipos de letra utilizados nas publicações portuguesas do século XX podem ser identificados nestes catálogos. Foram consultados os catálogos disponíveis no Arquivo Histórico da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, datados de 1950, 1952, 1961 (data possível, mas não confirmada, presente em documento anexo que abre o respetivo catálogo), 1971 e de 1978.

15

Um destes volumes é dedicado a Victor Palla (Coutinho & Martins, 2011), que aqui se destaca, pois é um dos poucos autores gráficos identificados na composição de um layout para a capa da revista Vértice.

(23)

uma referência para a construção de notas biográficas dos autores gráficos das capas da revista Vértice.

Para a construção do pensamento museológico e museográfico em torno do projeto de exposição que apresenta a análise gráfica das capas da Vértice, consideram-se como principais referências na construção do pensamento teórico, Maria de Lourdes Horta, e os autores dos textos presentes em Museum, Media, Message (Hooper- -Greenhill, 1995), todos trabalhando o conceito de comunicação em espaço

(24)

museológico. Toda a construção do capítulo do projeto de exposição conta ainda com o auxílio de conceitos apresentados em Conceitos-Chave de Museologia (2013), sobretudo os de comunicação, exposição e objeto de museu/musealia.

Quadro Conceptual

Ao longo do modelo teórico, foi possível destacar os conceitos-chave sob os quais a presente dissertação se orienta e desenvolve, e os autores que constituem as principais referências para a sua definição.

Naquilo que constitui o quadro conceptual desta dissertação (Figura 2), estes conceitos subdividem-se nas três aproximações ao objeto revista Vértice no trabalho de investigação: a revista como publicação relevante do movimento neorrealista; enquanto objeto gráfico e tipográfico; e enquanto objeto museológico, particularmente na sua apresentação em contexto expositivo.

Na perspectiva da Vértice enquanto publicação relevante do movimento — desenvolvida no primeiro capítulo da dissertação — consideram-se como conceitos-chave modernismo e terceira geração de modernistas, caracterizando o período artístico em que a revista se insere. Está também presente nesta perspectiva o conceito forma vs.

conteúdo, duas frentes que se opuseram no seio da produção neorrealista, e que se

comunicavam, sobretudo, através de textos publicados na revista Vértice: “De 1952 a 1954, as páginas da revista Vértice serviram de cenário a esse aceso debate intelectual [forma vs. conteúdo]” (D. Santos, 2017, p. 213)16.

Já na perspectiva da revista enquanto objeto gráfico — que compreende o segundo e terceiro capítulos — destacam-se os conceitos de artes gráficas e elementos tipográficos, numa perspectiva técnica da disciplina e dos elementos a analisar, mas também as circunstâncias históricas, políticas e sociais como fatores a considerar na contextualização dessa análise.

Finalmente, a revista Vértice enquanto objeto museológico é a perspectiva que engloba as anteriores, ao traduzir-se num projeto de exposição que apresenta a análise gráfica das capas da revista — no quarto capítulo — tendo como base a comunicação

16

(25)

em espaço museológico, e os conceitos de comunicação, exposição e objeto de museu/musealia.

(26)

1. A revista Vértice e o Neorrealismo: contextualização do movimento

A revista Vértice, o objeto de estudo da presente dissertação — que parte da questão relativa à análise e exposição de objetos editoriais neorrealistas, enquanto artefatos de design gráfico e tipográfico —, é um importante testemunho do movimento neorrealista português. Revista de particular relevância no âmbito literário do movimento, pela publicação de textos de autores que teorizavam e debatiam o neorrealismo, foi também relevante no contexto artístico, ao incluir reproduções de ilustrações e gravuras de artistas cuja obra refletia as ideias neorrealistas. Como tal, para a compreensão e análise da revista Vértice — enquanto objeto museológico, e como objeto de design editorial — é necessária uma contextualização da realidade17 que representa, a qual corresponde ao movimento neorrealista em Portugal.

No catálogo da exposição de longa duração do Museu do Neo-Realismo (D. Santos et al., 2007, p. 334) surge, em destaque, a definição da palavra neo-realismo18 como presente no Dicionário Houaiss, mais especificamente, o neorrealismo enquanto movimento literário em Portugal. Esta definição corresponde ao segundo de três pontos aí presentes, sendo que, uma leitura comparada dos restantes pontos, permite uma compreensão do neorrealismo noutros pontos geográficos e conceptuais, o que, por sua vez, contribui para a compreensão do contexto do movimento na conjuntura portuguesa. O primeiro ponto refere-se ao neorrealismo enquanto “corrente filosófica” onde o “acto cognitivo não distorce subjetivamente a compreensão e percepção da realidade objetiva” (Houaiss & Villar, 2001, p. 2606). Encontra-se, aqui, uma correspondência com o movimento literário português, considerando que um dos principais desígnios dos neorrealistas era, através de uma arte objetiva, que primava pelo conteúdo, representar e denunciar a realidade social vivida no país (procurando afastar-se da subjetividade, preterindo a forma, em favor do conteúdo). As “preocupações sociais e (...) simpatia pela classe trabalhadora” (Houaiss & Villar, 2001, p. 2606) que incitaram ao cinema e literatura neorrealista italiana — o terceiro ponto na definição de neorrealismo presente

17

De acordo com o pensamento de Desvallées & Mairesse, que referem que um objeto museológico possui um “valor documental da realidade” (Desvallées & Mairesse, 2013, p. 58).

18

Nas entradas do dicionário e catálogo de exposição mencionados, a palavra encontra-se hifenizada, correspondendo à grafia anterior ao Acordo Ortográfico em vigor: neo-realismo (Houaiss & Villar, 2001, p. 2606)

(27)

no volume do Houaiss — eram igualmente os fatores protagonistas na produção literária e artística neorrealista portuguesa.

Na leitura de autores que tratam do movimento neorrealista português, verifica-se a complexidade da constituição do movimento, na demarcação de uma data específica para o seu início: Alexandre Pinheiro Torres assinala este início nos “(...) últimos anos da década de 30”, período em que “se pode considerar fixado o surto do Movimento” (Torres, 1983, p. 7). António Pedro Pita menciona, no catálogo da exposição Batalha

pelo Conteúdo — tomando como referência um texto de Luís Augusto Costa Dias —

que para o “neo-realismo como movimento cultural autónomo, 1937 é, de facto, o ano chave” (Pita, 2007, p. 30). Assinalada uma década, e até um ano, num plano ainda mais específico, é destacado um livro: no texto de Pinheiro Torres, acerca da primeira fase neorrealista em Portugal, o autor refere a obra Gaibéus — do escritor Alves Redol — como “a baliza inicial do Neo-Realismo” (Torres, 1983, p. 9), em 1939. Como se lê no texto de Pinheiro Torres, a epígrafe do livro Gaibéus é determinante para a definição do início da Primeira Fase do Neorrealismo19 português, sendo reveladora da posição que os neorrealistas tomariam em relação ao registo e comunicação da realidade através da literatura, não enquanto obra de arte, mas num sentido documental, sendo o mais objetivo possível20 (posição que tomarão inicialmente, mas que sofrerá concessões no desenrolar do movimento21).

É com o termo heterogéneo22 que António Pedro Pita vincula a complexidade à diversidade e o carácter inusitado da génese do movimento neorrealista, que “(...) não

devém a partir de uma origem teórica” (Pita, 2007, p. 20), e que — citando o mesmo

autor, Mário Dionísio — “não foi encomendado por ninguém (...)” (Pita, 2007, p. 26), mas surgiu sim das circunstâncias políticas e sociais vividas na época. Aqui se entende a

19

O Movimento Neo-Realista em Portugal na sua Primeira Fase é o título do livro que teoriza e averigua

os limites que distinguem o pensamento teórico do neorrealismo em Portugal, e que tornam possível a delimitação de fases do movimento (Torres, 1983).

20

Alexandre Pinheiro Torres cita o texto da epígrafe de Gaibéus, onde se lê a vontade de Alves Redol em não querer que o livro fique “na literatura como obra de arte”, mas que este seja, “antes de tudo, um documentário humano” (Torres, 1983, p. 9).

21

Num período mais avançado do movimento, começa a ser dado algum espaço à forma: constatando-se “(...) num mais amplo investimento estilístico em torno da obra literária (...)” (D. Santos et al., 2007, p. 443).

22

O autor caracteriza o movimento neorrealista como “heterogeneidade teórica (ou doutrinária)” (Pita, 2007, p. 19).

(28)

importância da identificação temporal, de finais da década de 30, para o início da produção de cunho neorrealista no país, visto este período corresponder ao momento de expoente máximo dos valores do Estado Novo em Portugal, “período ascensional do salazarismo” (França, 1982a, p. 23), que se iniciou com a Constituição de 1933. São estas as circunstâncias contra as quais os autores neorrealistas vão batalhar, através do caráter de consciencialização, denúncia e intervenção da sua obra.

O Estado Novo português corresponde a um período de opressão e censura, apoiado numa constituição que abrangia, no seu articulado, matérias como a família, a opinião pública e a relação da igreja com o Estado23. O poder do Estado estendia-se a todas as áreas, incluindo a estética — gosto nacional que correspondeu à Política de

Espírito, cuja difusão coube aos órgãos de comunicação ao serviço do governo, na

entidade do Secretariado de Propaganda Nacional, a cargo de António Ferro. Desta forma, o movimento neorrealista surgiu como contestação e oposição ao que o Estado Novo representava, ao criticar e denunciar a situação precária dos extratos sociais mais baixos da população, tanto através da literatura, como também nas manifestações artísticas, sobretudo na pintura, com influências do realismo socialista. De salientar que, segundo José-Augusto França, o termo neorrealismo foi adoptado em Portugal, ao invés de realismo socialista, para passar pelas apertadas “malhas da censura salazarista” (França, 1982b, p. 80), surgindo esta definição no país, pela primeira vez, no título de um artigo de Joaquim Namorado (1914-1986), Do neo-realismo. Amando Fontes, publicado a 31 de dezembro de 1938, no jornal O Diabo24.

Verifica-se, então, que um dos pilares do neorrealismo constitui-se na relação com a população. Face ao contexto de opressão e condições precárias das classes mais baixas, os neorrealistas tinham como objetivo alertar para o estado precário das condições de vida destas classes, mas também exaltá-las pelo seu esforço: Alexandre Pinheiro Torres descreve o neorrealismo como um movimento que “não procura dar só a realidade, mas também transformá-la (...) faz realçar o heroísmo da luta daqueles que são os meios da sua transformação” (Torres, 1983, p. 62). Esta representatividade do povo através da produção neorrealista, pretendia não ser feita de forma impessoal, mas

23

Tais áreas correspondem a títulos de secções da Constituição (Constituição de 1933, 1933).

24

Segundo informação presente na nota 65 do texto de António Pedro Pita, no catálogo da exposição

(29)

expressar o que não podia ser dito na primeira pessoa pelas classes desfavorecidas. Nas palavras de Mário Dionísio, como citadas no texto de Alexandre Pinheiro Torres, “O Neo-Realismo não se debruça sobre o povo: mistura-se com ele a ponto das suas obras não serem mais que uma das muitas vozes dele.” (Torres, 1983, p. 63).

1.1. Da literatura às artes plásticas neorrealistas e a questão da forma vs. conteúdo

O Neo-Realismo materializa-se nas palavras e nos traços da produção cultural e artística realizada no âmbito do movimento, que teve na literatura o seu campo de maior expressão e teorização. Segundo o crítico literário Alexandre Pinheiro Torres, o ano de 1939 é um marco na literatura neorrealista, visto que, em dezembro desse ano, é publicado Gaibéus — de Alves Redol — “o primeiro romance neo-realista (...) que, pelo seu fôlego, novidade e ambições, inaugura o Neo-Realismo português” (Torres, 1983, p. 72).

De uma “concepção comprometida e militante” (Reis, 1983, p. 30), encontram-se, na literatura neorrealista, as linhas de orientação ideológica do movimento. Surgido num momento particular de tensão, opressão e precariedade nacional, os escritores e artistas afastavam-se da representação da realidade, no plano individual, para um discurso no plural: a produção artística e o discurso literário eram criados “para gerar

comunidade” (Pita, 2007, p. 25). Tal só era possível pois o artista ou escritor, como

refere Carlos Reis, tinha “uma relação de solidariedade (...) para com os fenómenos que o rodeia (...)” (Reis, 1983, p. 30), isto é, considerava a realidade envolvente.

Este compromisso e ideologia que define a produção neorrealista tem implicações nas características intrínsecas da mesma — a forma e o conteúdo — colocadas em oposição, mesmo incompatíveis, num primeiro momento do movimento. A este primeiro momento, corresponde o que Alexandre Pinheiro Torres caracteriza como “Primeira Fase (...) a de assentamento de posições teóricas (...)” (Torres, 1983, p. 14). É neste ponto que se verifica o conflito forma vs. conteúdo como um dos principais tópicos do movimento neorrealista. Contudo, e antes de mais, para contextualizar esta primeira fase, há que recuar ao período a que esta corresponde — finais dos anos 30.

Os autores que abordam o movimento neorrealista, identificam as publicações periódicas da época — nomeando os títulos O Diabo e Sol Nascente — como os meios

(30)

onde se iniciou a discussão de ideias e intenções neorrealistas, isto é, onde se “(...) teorizou e praticou pela primeira vez o Neo-Realismo (...)” (Torres, 1983, p. 35). Os textos e ideias aí publicadas — de uma “arte útil”, que representava e alertava para o estado social — opunham-se às de uma outra revista: a Presença (1927-1940), com primeiro número no ano de 1927, que defendia uma arte descomprometida, subjetiva (D. Santos & Redol, 2007a, p. 339), valendo por si mesma. De referir ainda que, tanto no texto de Alexandre Pinheiro Torres sobre a Primeira Fase do movimento (Torres, 1983), como no texto de Santos & Redol, no catálogo da exposição Batalha pelo

Conteúdo (D. Santos & Redol, 2007a), é mencionada a influência do contexto social e

político, relativo às Frentes Populares, para a produção de textos de consciencialização político-social que surgiam n’O Diabo e em Sol Nascente.

Se, em finais de 1930, se começava a explanar o ideário neorrealista nas páginas das referidas publicações, reforçadas pela produção literária como a referida obra,

Gaibéus — período de vincado caráter conteudista25, isto é, que defendia o conteúdo —, em 1939 esta ideologia é definida de forma mais clara e concisa num depoimento de Álvaro Cunhal para O Diabo numa apologia ao conteúdo, em detrimento da forma, pois, esta última, não significava nada por si só: “«formas novas podem conter um significado velho» (...) enquanto «formas velhas — ainda que excepcionalmente — podem conter um significado moderno e progressista»” (Cunhal como citado em França, 1985, p. 355).

A principal dicotomia do movimento neo-realista, traduz-se, então, na expressão

forma vs. conteúdo. A plataforma para discussão e veículo de disseminação deste

conflito foi, no início da década de 1950, a revista Vértice (D. Santos et al., 2007). Se, numa primeira fase, se deu prevalência ao conteúdo, isto é, a “ênfase à mensagem simples e direta comunicada pela obra de arte (quer fosse literária, artística ou outra)” (D. Santos & Redol, 2007b, p. 364), por outro lado, a questão da forma ia ganhando expressão no contexto do movimento, mas sempre acompanhando a importância da mensagem social, subjacente à utilização de novos recursos estilísticos: “apesar da diversificação e enriquecimento estético-formal (...) as preocupações político-sociais manter-se-iam como matriz de uma produção cultural que não abandonara o seu

25

Termo referente aos autores que defendiam o conteúdo em detrimento da forma, assim caracterizado em textos teóricos do movimento neorrealista.

(31)

propósito de consciencialização (...)” (D. Santos & Redol, 2007c, p. 443). Se, na secção dos conteudistas, um dos principais defensores era Álvaro Cunhal, já Mário Dionísio não excluía alguma importância da forma, sendo “defensor de uma osmose entre forma e conteúdo” (D. Santos & Redol, 2007b, p. 364).

A produção literária neorrealista contou com diversas obras que vincularam as ideias do movimento — destacam-se Gaibéus, de Alves Redol, Esteiros (1941), de Soeiro Pereira Gomes (1909-1949) e Rosa dos Ventos (1940), de Manuel da Fonseca (1911-1993) — alguns de edição própria, outros, edições de revistas — como os livros editados pela revista Vértice —, mas também através de coleções, testemunhos relevantes do movimento neorrealista literário —, coleções que reuniam obras de diversos autores, tipologia que se pode até relacionar com o carácter coletivo que o movimento neorrealista advogava. Destacam-se, neste âmbito, o Novo Cancioneiro (1941-1944), coletânea que estabeleceu o neorrealismo poético português, com autores como Joaquim Namorado, Manuel da Fonseca e João José Cochofel (1919-1982) (Torres, 1983, p. 72), assim como Novos Prosadores, que reunia romances de diversos autores.

Todavia, ainda que tenha sido a literatura o lugar onde o ideário neorrealista alcançou maior expressão e consolidação, o neorrealismo também se difundiu, no decorrer da década de 50, no campo das artes plásticas (C. A. Tavares, 2006, p. 144), com características particulares. Como referido por Fernando de Azevedo, não se pretendia “(...) procurar no neo-realismo plástico o que possa conter de transposição literária, como processo de lhe encontrar uma raiz.” (Azevedo, 1981, p. 22). Ainda que partilhassem a ideologia expressa na literatura — de representação da realidade social — as artes plásticas do movimento distinguiram-se pelo contexto próprio em que surgiram. Neste contexto, grande parte destas obras integraram-se no âmbito das

Exposições Gerais de Artes Plásticas26 — mostra organizada pela Subcomissão dos Artistas Plásticos da Comissão dos Jornalistas, Escritores e Artistas do Movimento de Unidade Democrática - MUD, de forma anónima (França, 1985, p. 362), que reunia não apenas autores neorrealistas, mas também um grupo de naturalistas, autores da

26

José-Augusto França refere esta situação no contexto das Exposições Gerais de Artes Plásticas, consideradas como marco na história das artes plásticas neorrealistas, pois mesmo se “a percentagem dos artistas neo-realistas presentes nas exposições sucessivas não era elevada” (França, 1982b, p. 85), as suas obras, pelo “significado” e “interesse por elas despertado”, foi suficiente para tal (França, 1982b, p. 85).

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primeira e da segunda geração modernista, e os “activos jovens da «terceira geração»” (França, 1985, p. 361) — tópico que se desenvolve no subcapítulo seguinte, onde se fala das artes plásticas e das artes gráficas no contexto neorrealista.

1.2. As artes plásticas e as artes gráficas

O Neorrealismo surge nas artes plásticas portuguesas num contexto específico, de forma complexa e difícil, tanto no seio do próprio movimento, como na história das artes plásticas portuguesas (Dias, 2015, p. 11), devido à “problemática caracterização formal a partir das suas obras” e ao “emaranhado de referências” (Dias, 2015, p. 11) segundo as quais se constituíram. Como referido pelo historiador de arte, Rui Mário Gonçalves, perante o contexto de opressão política, social e cultural que a ditadura salazarista impunha, isolando o país do mundo, das referências exteriores e da própria História (Gonçalves, 1991, p. 6) a situação artística portuguesa constituía-se ainda de um “academismo oitocentesco” (Gonçalves, 1991, p. 6) e do gosto oficial imposto pelo governo, através da política de espírito, de António Ferro, que projetava uma imagem idílica do país, que em nada correspondia à realidade. Contudo, o contexto nacional, em conjunto com o cenário de guerra vivido na Europa, anunciava a necessidade de transformação na arte portuguesa, visto, em contextos como este, se poder “ressaltar a acção determinante das vanguardas artísticas” e de “momentos de ruptura” (Gonçalves, 1991, p. 7).

Assim, na tentativa de modernizar a produção artística nacional, de valores académicos vincados — os quais persistiam através dos salões da Sociedade Nacional de Belas Artes — António Ferro cria, por via do Secretariado de Propaganda Nacional, em 1935, as Exposições de Arte Moderna do S.P.N./S.N.I. (França, 1982b, p. 68). Exposições que, embora se apresentassem como modernas, perpetuavam um “carácter academizante” (C. A. Tavares, 1999, p. 238), sendo uma amostra do que viria a ganhar dimensão na Exposição do Mundo Português, em 1940, que consolidou o gosto e a ideologia nacional regulamentada pelo S.P.N. É de salientar que, já no contexto desta exposição, se verifica a presença de artistas gráficos: a concepção do programa oficial, do design, das ilustrações, da fotografia e dos próprios pavilhões e exposições que

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