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A Romaria da Nossa Senhora Medianeira entre o sagrado e o profano

CAPÍTULO 3 A ETERNA BUSCA

3.3 A Romaria da Nossa Senhora Medianeira entre o sagrado e o profano

Segundo Steil (1996, p.59), as romarias são portadoras de uma tradição que é continuamente reinventada por romeiros, moradores e pelo clero, como uma forma de legitimar valores, ações, normas de comportamento que cada uma das categorias considera centrais dentro de suas redes de convenções. Quando evocam a tradição, esses diversos atores pretendem, na verdade, acionar um estoque de referências religiosas e práticas rituais que foram sendo acumuladas em torno do santuário, com ou sem o selo da ortodoxia, mas que hoje são usadas

para socializar seus sistemas de ideias e padrões de comportamento.

Turner (apud CARNEIRO, 2004, p.79) salienta ainda alguns aspectos gerais do fenômeno, ao afirmar que todos os locais de peregrinação têm em comum o fato de serem lugares onde se acredita que ocorreram milagres, que acontecem milagres ou que ainda podem acontecer novamente, e também que, em sua maioria, as peregrinações são as maiores experiências liminares da vida religiosa. Desta forma, sustentam que, se o misticismo é uma peregrinação interior, a peregrinação é a exteriorização do misticismo. Desta forma, a peregrinação, para Turner, longe de refletir ou reforçar a estrutura secular, é antes um fenômeno liminar que indica a possibilidade de suspensão, parcial ou completa, da estrutura. Adquirindo com isso um caráter de antiestrutura que tende sempre para a communitas, principal motivação dos peregrinos, que se despem de sua persona social, vivida na estrutura, para restaurar sua individualidade essencial na experiência da communitas.

A possibilidade do consumo para o turista surge a fim de observar a “autêntica” cultura da crença na Nossa Senhora Medianeira de Todas as Graças. Peregrinos, turistas juntos na Romaria numa mesma cadência, não conseguindo distingui-los na massa de participantes.

La mirada es construida a través de signos, y el turismo abarca uma colección de signos. La mirada del turista se dirige a la búsqueda de la “cosa em si”, del francesismo, del anglosajonismo, del exotismo, de la autenticidad. (…) esse modo de mirar demuenstra cómo los turistas son, de cierto modo, practicantes de la semiótica, leyendo el paisaje em la búsqueda de significantes o de ciertos conceptos o signos preestablecidos, que derivan de los varios discursos del viaje y del turismo. (JOHN URRY apud STEIL, 1996, p. 28 e 29)

Evidencia-se um desejo de ruptura com a vida cotidiana e com a rotina de trabalho, ao mesmo tempo, tenta transpor para a superfície da existência ordinária em direção ao encontro com algo que transcenda a vida cotidiana. Peregrina-se na crença de que podem ser reapropriados por meio do movimento do corpo, modos de vida adormecidos nos sujeitos, que foram pouco a pouco suplantados e reprimidos pelos valores e o modus operandi citadino e moderno (STEIL, 2008, p.39).

Segundo Carneiro (2004, p.74) a principal diferença entre turismo e peregrinação, consideradas como estruturas de significados, caracteriza-se pela externalidade do olhar e pelo grau de imersão que cada uma das experiências proporciona às pessoas que delas participam. Por isso, aqueles que se autodenominam peregrinos resistem ao uso do termo turista para designar a experiência que definem como “transformadora”.

Os romeiros vão demarcando um espaço sagrado que torna determinados lugares e objetos mais próximos de Deus do que outros. A sua consciência está inextricavelmente associada ao território, de forma que o sagrado se apresenta sempre encharcado de concretude, ao alcance da vista e da mão, podendo ser tocado (STEIL, 1996, p.23).

Pode-se perceber essa noção de um espaço sagrado com o Santuário da Nossa Senhora Medianeira de Todas as Graças, já que foi justamente neste local, em que hoje há o Santuário e o Parque Medianeira, que havia o antigo Seminário São José, onde iniciou a devoção popular à essa santa. Outro fator que reforça tal ideia é a quase inexistência de outro local, no Brasil, onde haja uma Romaria em homenagem à Nossa Senhora Medianeira.

Para Sales (2009, p.62), os locais de peregrinação, chamados Santuários, possuem uma referencia geográfica fixa. O espaço do Santuário é considerado sagrado pelos devotos, permanentemente sagrado, sendo realizadas peregrinações constantes para esses locais. Embora na época de realização da Festa o número de peregrinos seja maior, trata-se de um espaço permanentemente sagrado. Já o Santuário Basílica da Nossa Senhora Medianeira, onde o maior número de visitantes ocorre durante o dia da Romaria, não pode ser considerado um local que configure como representante significativo do turismo religioso no âmbito nacional, pois é pouquíssimo visitado durante o restante do ano.

Caminar, y más aún escalar, significa transformar la espera em esperanza, por obra de la sola virtud del movimiento. Los hombres, siempre han tenido la necesidad de puntos fijos para alejarse y retornar, para gozar sucesivamente de los placeres de la distancia e de la emoción de la aproximácion, la necesidad de introducir em su vida el sentido de lo sagrado. (...) los lugares privilegiados atraen a la vez a los peregrinos y a los turistas. Los peregrinos piensam reanimarf allí su fe, su visión del mundo y de la historia, su certidumbre de existir. Los turistas solo creen movidos por la curiosidad. Pero em esos lugares todos se mezclan. Los peregrinos asimilan de buen grado los turistas, a su vez, aprecian em la presencia de los peregrinos uma señal suplementaria de autenticidad. (AUGÉ, 1998, p.64 e 66).

Menezes (apud ARRUDA, 2008, p.88) ao se dedicar ao exame sistemático das práticas votivas, que observa que os atos de pedir e agradecer aos santos revelam vínculos mais complexos do que o sugerido no modelo interpretativo das três etapas (promessa-graça- agradecimento/devoção), pois:

[...] nem todos os pedidos são promessas: a promessa parece ser um tipo especifico de pedido que “é pago”, como forma de retribuição, enquanto que os demais pedidos “são agradecidos” ao santo. Ou ainda nem todos os que pedem e obtêm a graça de um santo se consideram seus devotos: é possível pedir a um santo porque ele domina uma

especialidade da qual se necessita, ou por ter ouvido falar de sua reputação, sem que a pessoa se torne necessariamente sua devota [...] (MENEZES, 2006, p. 4).

A relação de devoção, de acordo com Menezes (apud ARRUDA, 2008, p.89):

[...] um vínculo duradouro e permanente [...], vinculo que pode se estender pela vida afora [...] envolve a fidelidade, mas não a exclusividade, pois é possível se combinar devoções a vários santos [...] é ainda marcada pela amizade, a fé, a confiança, a gratidão e reconhecimento [...] e principalmente a devoção fervorosa manifesta-se ainda numa atitude de doação do devoto ao santo. (MENEZES, 2006, p.5-6).

De acordo com Rigo (2006), a procissão, como prática da maioria das religiões, é costume muito anterior à redação da Bíblia. É uma viagem dos fiéis para um local consagrado por uma manifestação divina para aí apresentar sua prece em um contexto favorável. A motivação da participação na Romaria da Nossa Senhora Medianeira: a tradição familiar, passada de geração em geração; a fé pessoal; a mobilização dos meios de comunicação; as promessas feitas durante o ano; aumento da devoção popular que une multidões em torno do sagrado.

Segundo Rigo (2006), a cada ano, durante a avaliação da Romaria da Nossa Senhora Medianeira, depara-se com a questão do comércio de ambulantes ocorrido durante a mesma, e até hoje não se chegou a alternativas. Há ambulantes que viajam de norte a sul com objetos religiosos, perambulando de romaria em romaria, sobrevivem desse trabalho. Ele infere que o trabalho dos ambulantes se aproveitam da falta de possibilidades de controlar o espaço público, como a Avenida Medianeira, administrado pelo poder municipal.

Uns já utilizavam fatos históricos que envolvem a instituição promotora do evento como causa inicial do comércio, outros acusam a prefeitura e os próprios vendedores de incitadores do fator „profano‟ da religiosidade, outros se colocam como constituintes desse processo, mesmo tendo clareza dos seus efeitos sobre a sociedade.

Na Romaria da Nossa Senhora Medianeira de Todas as Graças, o tempo e o espaço organizam-se em âmbitos sagrados e profanos, o que determina diferentes condutas e posturas dos seus participantes. No entanto, não são âmbitos totalmente separados, assim como também não se consegue distinguir as motivações de maneira absoluta, pois nem todo romeiro dará uma “olhada” no comércio informal existente em frente à Basílica, já aquele que se denomina turista terá que frequentá-lo necessariamente.