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A S INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR EM P ORTUGAL

3. A S INSTITUIÇÕES DO ENSINO SUPERIOR ENQUANTO ORGANIZAÇÕES EDUCATIVAS : P ROCESSOS DE GESTÃO E

3.1. A S INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR EM P ORTUGAL

Assume-se que a relação entre as instituições de formação de professores e as escolas no ensino básico e secundários é imprescindível no âmbito da formação dos futuros docentes (Cochran-Smith, 2000). Em concordância com este aspeto, e de acordo com o que já foi referido anteriormente, considera-se que o processo de supervisão implica uma importante partilha e colaboração entre diferentes organizações educativas: instituições de ensino superior e escolas de ensino básico e secundário (Sivan & Chan, 2003).

No âmbito legal, há uma distinção entre os objetivos e a missão do ensino superior, mediante o normativo em análise. Por um lado, a Lei de Bases do

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Sistema Educativo (1986, com a alteração de 2005), no número 2, do artigo 11.º, da Subsecção III, da Secção I, do Capítulo II, define sete objetivos distintos:

a) Estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e empreendedor, bem como do pensamento reflexivo;

b) Formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, (…) e colaborar na sua formação contínua;

c) Incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, (…) e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que se integra;

d) Promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos, que constituem património da humanidade, e comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação;

e) Suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretização, (…) na lógica de educação ao longo da vida e de investimento geracional e intergeracional, visando realizar a unidade do processo formativo;

f) Estimular o conhecimento dos problemas do mundo de hoje, num horizonte de globalidade, em particular os nacionais, regionais e europeus, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade;

g) Continuar a formação cultural e profissional dos cidadãos pela promoção de formas adequadas de extensão cultural;

h) Promover e valorizar a língua e a cultura portuguesas;

Por sua vez, a Lei n.º 62/2007 de 10 de setembro que estipula o Regime jurídico das instituições do ensino superior, estabelece 5 missões diferentes para estas instituições, no artigo 2.º, do Título I:

1) (…) tem como objetivo a qualificação de alto nível dos portugueses, a produção e difusão do conhecimento, bem como a formação cultural, artística, tecnológica e científica dos seus estudantes, num quadro de referência internacional.

2) valorizam a actividade dos seus investigadores, docentes e funcionários, estimulam a formação intelectual e profissional dos seus estudantes e asseguram as condições para que todos os cidadãos devidamente habilitados possam ter acesso ao ensino superior e à aprendizagem ao longo da vida.

3) (…)promovem a mobilidade efectiva de estudantes e diplomados, tanto a nível nacional como internacional, designadamente no espaço europeu de ensino superior.

37 4) (…) têm o direito e o dever de participar, isoladamente ou através das suas unidades orgânicas, em actividades de ligação à sociedade, designadamente de difusão e transferência de conhecimento, assim como de valorização económica do conhecimento científico.

5) (…) têm ainda o dever de contribuir para a compreensão pública das humanidades, das artes, da ciência e da tecnologia, promovendo e organizando acções de apoio à difusão da cultura humanística, artística, científica e tecnológica, e disponibilizando os recursos necessários a esses fins

Com base nos normativos apresentados, reconhece-se que o ensino superior é, legalmente, considerado como um elemento relevante para a formação científica, técnica e cultural da sociedade portuguesa, mas, também, para a sua promoção e aprofundamento, através da difusão pública de informação e na investigação científica nas diversas áreas do saber, dos conhecimentos das diferentes áreas científicas.

Por esse motivo, e de acordo com Magalhães (2006), a consolidação do ensino superior e das suas instituições encontra-se vinculada ao desenvolvimento dos estados-nação contemporâneos. Numa perspetiva económica, Cruz (2013) refere a importância do ensino superior para a valorização dos países e no progresso económico dos mesmos.

Na perspetiva de File (2013), o sistema de ensino superior em Portugal é diverso e complexo, com a existência de um sistema binário, com universidades e politécnicos que funcionam simultaneamente, ora como instituições especializadas ora como instituições multidisciplinares, e um sistema que integra instituições superiores públicas a privadas.

Note-se, porém, que este sistema binário não é inédito na Europa, não sendo específico de Portugal. Ainda que a expansão do ensino superior na Europa se tenham desenvolvido mais tardiamente que nos Estados Unidos (Leite & Magalhães, 2009), desde do início da segunda metade do século XX, que a diversidade tem marcado a agenda no âmbito das instituições de ensino superior na Europa. No continente europeu desenvolveram-se instituições de ensino superior complementares ao ensino universitário. Esse desenvolvimento possibilitou que surgissem diferentes instituições superiores

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não universitárias, como os politécnicos britânicos (no Reino Unido), os Instituts Universitaire de Technologie (em França), os Fachhochschulen (na Alemanha) e as Hogescholen (na Holanda), entre outros modelos ou sistemas europeus (Urbano, 2011; Weert & Vossensteyn, 2013).

É ainda necessário ter em atenção que, em Portugal, o ensino superior sofreu diversas alterações na sequência da revolução de 1974 (Amaral, 2007).

Entre essas alterações, salientam-se as mudanças na sua função social, estrutura organizacional, prática de funcionamento (Almeida & Vasconcelos, 2008) e o seu recente e drástico crescimento, seja em número de estudantes, professores e estabelecimentos de ensino, seja com o aumento de doutorados e publicação científica (Cruz, 2013). Reconhece-se, ainda, o aumento na quantidade de cursos e de oferta pública nos últimos anos, evidenciando-se, assim, uma maior diversificação existente no ensino superior português nas últimas décadas (Almeida & Vasconcelos, 2008; Urbano, 2011).

Na perspetiva de Amaral (2007), essas mudanças originaram alguns problemas estruturais, como a existência de cursos e instituições sem relevância, organizações com problemas financeiros, situações de iniquidade no acesso ao ensino superior, sistemas de avaliações de qualidades ineficazes, entre outros. De acordo com Leite e Magalhães (2009), ainda que a evolução e o aumento do acesso ao ensino superior incorpore preocupações relacionadas com a qualidade de distribuição/relevância dos cursos oferecidos, a expansão do sistema possibilitou o ingresso, em maior número e variedade, de estudantes no ensino superior. Esse aumento é percetível quando se analisa o gráfico 1, relativo aos estudantes matriculados no ensino superior: total, por subsistema e por tipo de ensino.

Constate-se, com base no gráfico 1, que houve um aumento de número de estudantes matriculados no ensino superior entre 1990 e 2015, ainda que haja uma ligeira quebra a partir de 2002 e novamente a partir de 2010. Todavia, ao comparar-se 1990 e 2015, verifica-se, no total de número inscritos, um aumento de, aproximadamente, 200.000 alunos no total. Numa breve nota, verifica-se que o ensino superior público apresenta maior número de

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estudantes matriculados, e que o ensino superior privado tem apresentado um contínuo decréscimo desde de 1997.

Num outro aspeto de análise, torna-se necessário ponderar os diferentes aspetos que enquadram e explicam os processos de governação nos sistemas de ensino superior (Pedrosa, Santos, Mano, & Gaspar, 2014). Tendo em atenção o que foi explorado, reconhece-se as profundas mudanças no sistema de ensino superior em Portugal nas últimas décadas, na sua oferta, na tipologia, número de inscritos e na sua dimensão (Almeida & Vasconcelos, 2008). A par dessas mudanças, também se indica, tal como é alertado, de forma crítica, por Bento (2014), mudanças no âmbito administrativo.

Numa perspetiva geral e transversal, as instituições de ensino superior eram entendidas como comunidades de investigadores e professores, em que o processo de gestão e administração estava ao encargo de um líder académico e não de um gestor (Deem, 1998). Todavia, reconhecem-se alterações que surgem de acordo com a necessidade de existir uma coordenação política das diferentes organizações públicas, nomeadamente das instituições do ensino superior, o que tem implicações na governança destas organizações (Vieira, Magalhães, Sousa, Ribeiro, & Amaral, 2014).

Gráfico 1. Estudantes matriculados no ensino superior: total, por subsistema e por tipo de ensino(dados retirados do Pordata/ DGEEC/MEd - MCTES - DIMAS/RAIDES)

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Recorde-se a definição de governança apresentada pela equipa liderada por Pedrosa (2012), que considerou que a

governança institucional tem, pois, associada a capacidade de liderança e de gestão participada. A governança revela-se nas escolhas das políticas e das estratégias.

Enquadra a gestão, ou seja, as práticas que levam à realização dos fins traçados, ao cumprimento da missão da instituição (p.42).

Atualmente, os documentos legais que estipulam e consagram as regras no âmbito administrativo são a Constituição da República Portuguesa, a Lei de Bases do Sistema Educativo e o Regime Jurídico das instituições de ensino superior (Pedrosa et al., 2014). Com exceção da substituição da Lei de Autonomia Universitária (1998) pelo Regime Jurídico das instituições de ensino superior, os normativos estabeleceram as bases jurídicas durante, aproximadamente, duas décadas (Pedrosa (coord.), Santos, Mano, & Gaspar, 2012).

De acordo com a VII Revisão Constitucional da Constitucional da República Portuguesa (2005), as «universidades gozam, nos termos da lei, de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira, sem prejuízo de adequada avaliação da qualidade do ensino» (n.º 2, Artigo 75.º, Capítulo II, Título III).

Por sua vez, o Regime Jurídico das instituições de ensino superior (2007), estabelece que as «instituições de ensino superior públicas gozam de autonomia estatutária, pedagógica, científica, cultural, administrativa, financeira, patrimonial e disciplinar face ao Estado, com a diferenciação adequada à sua natureza» (n.º 1, Artigo 11.º, Título I).

É necessário ter em atenção que a autonomia das instituições do ensino superior, de cariz público, relaciona-se com a relação que estas estabelecem com o Estado, relativamente ao facto destas organizações tomarem as suas próprias decisões, nomeadamente no contexto académico e da autogovernação (Pedrosa (coord.) et al., 2012). É relevante indicar, com base no que é reconhecido por Amélia Vieira e restantes colaboradores (2014), que

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a relação entre a tutela e as instituições do ensino superior é estabelecida com base nesta autonomia. Refere-se ainda que, de acordo com os mesmos autores, este novo diploma legal é influenciado pelas orientações preconizadas na perspetiva de Nova Gestão Pública.

Neste contexto, Amaral (2007) e Magro (2011) consideraram que a emergência da Nova Gestão Pública se coaduna com as perspetivas e políticas neoliberais, de culpabilização dos profissionais intelectuais e autónomos do sector público, promovendo a perda de confiança das organizações públicas em detrimento da defesa da capacidade de gestão privada.

Face ao aludido, as organizações públicas passam a ser encaradas como empresas e orientadas segundo critérios homólogos aos das organizações privadas, em que se pretende desenvolver a eficácia, eficiência e transparência das organizações públicas (Cruz, 2013; Magro, 2011).

No âmbito específico da educação, o paradigma da Nova Gestão Pública interpreta os estudantes como consumidores e clientes, que através do processo de decisões livre e autónomo, tomam decisões e escolhem as organizações educacionais, que tendem a assegurar a qualidade educativa do sistema (Lima, 1997), promovendo a competitividade entre as diferentes instituições (Deem, 1998).

Encarando-o numa perspetivista gestionária, o modelo reforça as funções de gestão dos responsáveis pelos diferentes organismos e departamentos das instituições (reitores, presidentes de escolas superiores, diretores de faculdades, responsáveis de departamento,…), com o aumento na preocupação no âmbito da eficácia e da eficiência (Veiga et al., 2014), da relação entre as instituições de ensino superior e as empresas (Magro, 2011) e da competitividade económica, de uma gestão que perceciona o estudante como um cliente (estudante-cliente) (Lima, 1997).

Esta situação aproxima-se ao que Costa (1998) considera de Escola como Empresa, em que se introduz antecedentes teóricos no âmbito da administração clássica ou da administração científica. Neste sentido, o ensino e o processo formativo podem associar-se ao funcionamento de uma indústria

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clássica, sustentada nos trabalhos de Taylor, Faylor e Webber. Ressalva-se que este tipo de perspetiva, focando-se em aspetos relacionados com a eficácia, eficiência e competitividade, pode desvirtuar e desumanizar o processo formativo, dificultando a mudança e adaptação aos contextos e às situações pedagógicas concretas.

Refira-se, ainda, que este tipo de modelos tende a relacionar os conceitos de eficácia e eficiência com os resultados dos estudantes. Todavia, à semelhança de Harare (1999), assume-se que as organizações de ensino não são mensuráveis neste sentido e deverão tomar em consideração outros aspetos, nomeadamente, o seu desenvolvimento integral (físico, social, ético,…) e o seu bem estar geral.

Mais se indica, que este normativo legal confere menor representação dos estudantes e docentes do ensino superior, aumentando a representatividade de elementos externos à instituição (Veiga et al., 2014, 2014; Bento, 2014).

Estes indivíduos associam-se ao conceito de stakeholder, em que se assume que estes elementos externos assumem a representação do meio em que as instituições do ensino superior se inserem. Todavia, e tal como já foi explorado, há quem critique o modelo, uma vez que se afasta de outras dinâmicas mais tradicionais nas universidades (Bento, 2014). Esta alteração de dinâmicas é percecionada através, por exemplo, da criação do Conselho Geral, órgão responsável pela eleição do reitor/presidente e pela definição da governança institucional e estratégica da organização (Pedrosa (coord.), et al., 2012;

Pedrosa et al., 2014).

Após as alterações mencionadas, e de acordo com Regime Jurídico das instituições de ensino superior, identificam-se três órgãos de governo dos institutos universitários ou politécnicos:

i) Conselho Geral que compete, entre outras funções: eleger o Reitor/Presidente; aprovar as alterações dos estatutos, planos estratégicos e proposta de orçamento; fixar propinas; criar, transformar ou extinguir outras unidades orgânicas.

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ii) Reitor/Presidente, que é considerado o órgão superior de governo e representação externa da instituição, é o responsável pela condução política, assumindo-se como presidente do Conselho de Gestão.

iii) Conselho de Gestão que assume a condução dos processos de gestão dos recursos humanos, gestão financeira, patrimonial e administrativa.

A par disso, estabelecem-se mais dois conselhos presentes nas instituições do ensino superior:

i) Conselho Científico (universidades) ou Conselho Técnico-Científico (politécnicos) que assumem, entre outros serviços: apreciar o plano das atividades científicas; deliberar sobre a distribuição do serviço docente;

aprovar os planos de estudo dos diferentes ciclos presentes na instituição.

ii) Conselho Pedagógico que assume, entre outras, a funções de: aprovar o regulamento de avaliação e aproveitamento dos estudantes; pronunciar-se sobre os planos de estudos dos diversos ciclos de ensino, sobre as orientações pedagógicas, sobre métodos de ensino e de avaliação, sobre as queixas de cariz pedagógico e propor providências nesse âmbito.

3.2.

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S INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR COMO ORGANIZAÇÕES