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CAPÍTULO 1 – DIREITO, ORDENAMENTO JURÍDICO E NORMA JURÍDICA

1.5. A SANÇÃO JURÍDICA

1.5.2. A sanção positiva ou premial: a função promocional do Direito

Para compreender a sanção positiva, válido primeiramente expor o entendimento de Norberto Bobbio acerca da função promocional do Direito, que proporciona uma visão diferenciada acerca das categorias jurídicas básicas, em especial a sanção.

Frisa-se que essa concepção do autor italiano representa uma ruptura ao clássico conceito de sanção, ao qual ele mesmo era filiado93. Logo, seguiu, de certa forma, o caminho inverso ao de Kelsen, que reconhecia que o prêmio podia ser uma consequência normativa, mas optou por atrelar sanção à punição.

Com efeito, Bobbio passou a entender que o Estado social moderno tem como característica uma nova forma de controle social e que se contrapõe à ação do Estado liberal clássico, qual seja a utilização de formas de encorajamento para realização de condutas em detrimento das tradicionais medidas de desestímulo94.

Elucida que, tal como ressaltado no item 1.5.1, a teoria geral do direito ainda é essencialmente conectada a uma concepção repressiva do Direito, segundo a qual a função do

91 SILVA, Paulo Roberto Coimbra. Direito tributário sancionador. São Paulo: Quartier Latin. 2007. ps. 50-52. 92 Idem. Ibidem. ps. 53-57.

93 Cf. BOBBIO, Norberto. Teoria da norma cit. p. 159.

44 Estado seria proteger a sociedade do descumprimento legal, punindo o praticante do ilícito com a sanção jurídica prevista no ordenamento jurídico95.

Contudo, no Estado moderno, o objetivo não é mais simplesmente reprimir as ilicitudes e desencorajar as violações legais, mas também promover a realização de condutas positivas à sociedade por parte dos indivíduos, encorajando tal posicionamento através da previsão de recompensas para aqueles que observarem as normas.

Bobbio esclarece que as duas alavancas principais do desenvolvimento social, a política e a economia, possuem lógicas diferentes de funcionamento, sendo a primeira eminentemente baseada na pena e a segunda na recompensa96.

Essa fundamentação é utilizada pelo jurista italiano para sustentar a função promocional do direito, ao lado da função clássica de garantir e tutelar através da potencial punição. Essa nova função se caracterizaria pela utilização do caráter indutor das normas não mais para desencorajar comportamentos positivados como socialmente inadequados, mas, em verdade, para estimular que os indivíduos assumam condutas benéficas para a sociedade, conforme a valoração positivada97.

Para tanto, o ordenamento promocional se utiliza de operações que tornem a conduta do indivíduo necessária, fácil e vantajosa. Ou seja, as normas jurídicas passam a promover comportamentos98.

Encerrando a questão da função promocional do Direito, vale ressaltar que Bobbio sustenta que as normas de encorajamento têm como objetivo primordial a conservação social, enquanto que as segundas pretendem mudar a sociedade99.

Do exposto, depreende-se que o entendimento do jurista italiano é que as normas jurídicas não se limitam a prever penalidades para aqueles que as descumprem com o fim justamente de desencorajar tal violação, podendo também prever como consequência à subsunção fática da previsão normativa da hipótese uma recompensa100.

Logo, entende-se que a sanção, dentro dessa concepção peculiar de Bobbio, é caracterizada como a consequência normativa, não necessariamente vinculada a uma penalidade, a algo negativo, mas podendo ter caráter positivo, pelo que se pode defender que, 95 Idem. Ibidem. p. 3. 96 Idem. Ibidem. p. 9. 97 Idem. Ibidem. ps. 14-15. 98 Idem. Ibidem. p. 15. 99 Idem. Ibidem. p. 19.

100 Em sentido semelhante é Tércio Sampaio Ferraz Júnior, que se desvincula da noção padronizada de sanção

como consequência negativa, admitindo que no Estado contemporâneo é admissível a previsão de sanções premiais, ou seja, aquelas que recompensam e encorajam aqueles que cumprem faticamente as hipóteses normativas. Cf. FERRAZ JR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. São Paulo: Atlas. 1990. p. 101.

45 dentro desse posicionamento, a sanção tem potencial bivalente, tanto podendo ter caráter negativo quanto positivo.

Bobbio enfatiza que a noção de sanção positiva é depreendida a partir da compreensão contrario sensu do conceito de sanção negativa. Com efeito, “[e]nquanto o castigo é um reação a uma ação má, o prêmio é uma reação a uma ação boa. No primeiro caso, a reação consiste em restituir o mal ao mal; no segundo, o bem ao bem”101.

Propugna-se então o caráter retributivo do Direito, que, conforme Álvaro Melo Filho, caracteriza-se quando:

[o] bem se retribui com o bem e o mal com o mal, ou seja, que a virtude e o mérito de uma conduta boa sejam premiados, e o vício e o demérito sejam castigados. Que o homem bom – o que se conduz bem – viva social e juridicamente bem, e o mau, social e juridicamente mau: estas são as exigências do sentimento de simetria moral, ou mais positivamente, de um sentimento social de sanção102.

Independentemente da avaliação de aspectos morais, importa reconhecer que, sim, o Direito não apenas serve como instrumento coativo para reprimir condutas, mas também prevê normas que recompensam os agentes que são cumpridores das prescrições.

Logo, sinteticamente, pode-se conceituar sanção positiva como sendo a reação prevista em norma para o caso de subsunção à previsão da hipótese que seja caracterizada como uma recompensa pelo cumprimento normativo.

Bobbio leciona que “(...), o bem do prêmio pode consistir tanto na atribuição de uma vantagem quanto na privação de uma desvantagem”103 e prossegue afirmando que:

[h]á sanções positivas, como os prêmios, que têm função exclusivamente retributiva: são uma reação favorável a um comportamento vantajoso para a sociedade. Mas pode haver, também, sanções positivas que visam a compensar o agente pelos esforços e pelas dificuldades enfrentadas, ou pelas despesas assumidas, ao proporcionar à sociedade uma vantagem; essas sanções têm valor não de mero reconhecimento, mas (inclusive) de compensação104.

Vale destacar que, para inserir a sanção positiva no conceito de sanção em geral, afastando-se da vinculação à reação negativa, Bobbio ainda propõe uma mudança na compreensão da categoria jurídica da sanção, lecionando que considerá-la como sendo a garantia do cumprimento da sanção é suficiente para garantir essa adaptação105.

101 BOBBIO, Norberto. Da estrutura cit. p. 24.

102 MELO FILHO, Álvaro. Teoria e prática dos incentivos fiscais: introdução ao direito premial. Rio de Janeiro:

Eldorado Tijuca. 1976. p. 69.

103 BOBBIO, Norberto. Da estrutura cit. ps. 24-25. 104 Idem. Ibidem. p. 25-26.

46 Nesse particular, apesar de compreender a ressalva feita por Bobbio, ressalta-se que as normas que preveem sanções positivas são caracterizadas por sua não compulsoriedade, ou seja, em princípio não há repressão em caso de descumprimento, mas apenas a previsão de recompensa para quem observar a norma.

Para finalizar a definição de sanção positiva em Bobbio, importante elucidar a distinção que o jurista italiano faz entre essa categoria jurídica e a facilitação. Precisamente, Bobbio leciona que a recompensa (sanção positiva) é posterior, enquanto que a facilitação é anterior ou simultânea à ação que se pretende realizar. Isto é, na sanção o indivíduo é recompensado por ter cumprido a norma, já na facilitação são disponibilizados meios para auxiliar a consecução do comportamento pretendido106.

Logo, para este trabalho, sanção jurídica consiste na consequência normativa, sendo externa e institucionalizada pelo Estado, podendo ser positiva ou negativa. Ou seja, o Direito tanto pode prever sanção negativa no caso de descumprimento de uma conduta prescrita, quanto uma sanção positiva no caso de observância da prescrição.

Por fim, evidencia-se que essa concepção de sanção positiva é importante para o Direito, em especial para os fins deste trabalho, pois serve para caracterizar diversas consequências normativas que são benéficas àquele que cumpre a previsão como sendo justamente sanção positiva.

Seria o caso, ao menos por hipótese, das isenções fiscais, que são concedidas àqueles que observam determinados requisitos ou para que adotem determinado comportamento; isto é, aquele que cumprir os requisitos da norma, receberá como recompensa algum tipo de desoneração fiscal a título de isenção, ou, em alternativa, a isenção pode ser concedida como um meio de facilitação para a realização de uma determinada conduta.

Esse tema, que tem importância lateral nesta dissertação, será mais detidamente abordado capítulo quatro, quando finalmente será possível combinar a conceituação de sanção positiva com a categoria isenção fiscal verde.

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