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CAPÍTULO 1 – DIREITO, ORDENAMENTO JURÍDICO E NORMA JURÍDICA

1.4. NORMA JURÍDICA

1.4.4. Normas jurídicas e validade

Encerrando a análise das normas jurídicas, examina-se a validade, qualidade que recai sobre as normas que são formal e materialmente compatíveis com o ordenamento jurídico.

Existem basicamente duas visões normativistas sobre a validade: a primeira atrela validade à existência; a segunda considera que validade de uma norma depende da compatibilidade desta com as demais normas que a fundamentam75.

Bobbio adota esse primeiro posicionamento, considerando norma válida como aquela que simplesmente pertence a um ordenamento jurídico. Para aferi-la seria necessário realizar três operações: 1. Averiguar se a autoridade legislativa era competente; 2. Avaliar se a norma não foi ab-rogada, pelo que teria deixado de ser válida, ainda que o fosse antes e; 3. Verificar se ela não é incompatível com outras normas do sistema, por ser inferior hierarquicamente, por exemplo76.

Não obstante, verifica-se que a conceituação de Bobbio abarca os dois critérios. Isto porque, apesar de atrelar validade à existência, ele também indica que essa existência depende da compatibilidade com o sistema.

Guastini, por sua vez, evidencia que ao vocábulo “validade” a dogmática jurídica atribui pelo menos dois conceitos. Em sentido forte, validade significaria pertinência a um sistema jurídico, atendendo aos critérios de identificação desse sistema. Em sentido fraco, seria a relação com a existência, ou seja, a mera positivação da norma já a tornaria válida.

Em sequência, Guastini frisa que mesmo as normas válidas no sentido fraco, isto é, que meramente estão postas, sem que sejam compatíveis com o sistema, são capazes de produzir efeitos, vez que sua validade resta presumida enquanto não sobrevier uma decisão judicial que declare sua invalidade ou mesmo que venha uma norma posterior que a ab- rogue77.

Convergindo com Guastini78, adota-se o segundo posicionamento, pois se entende que norma válida, seja regra ou princípio, é apenas aquela que é formal e materialmente

75 CARVALHO, Aurora Tomazini de. op. cit. ps. 711-712. 76 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma cit. ps. 48-49. 77 GUASTINI, Riccardo. Das fontes cit. ps. 271-272. 78 GUASTINI, Riccardo. La sintassi cit. p. 245.

39 compatível com o ordenamento, apesar de reconhecer que a norma meramente existente é capaz de produzir efeitos até que seja declarada inválida pela autoridade competente.

Prosseguindo, frisa-se que a questão da validade varia conforme a acepção que se faz de “norma”. Com efeito, há diferentes critérios de validade para os atos normativos, as disposições, as normas explícitas e as normas implícitas.

A validade dos atos normativos – que consistem no ato de legislar e não se confundem com os documentos normativos, que são o produto desses atos – decorre de sua observância às meta-normas de competência e de direito processual79. Em outras palavras, o ato normativo deve ser realizado por autoridade competente em conformidade com o procedimento adequado.

Quanto aos critérios de validade das normas, diferenciam-se, conforme o entendimento de Guastini, de acordo com a natureza dessas normas, se implícitas ou explícitas.

As normas explícitas seriam válidas se decorressem da interpretação de uma ou mais disposições produzidas por atos normativos válidos e se não forem incompatíveis com normas superiores na hierarquia das fontes.

Já as normas implícitas seriam válidas quando extraídas de uma ou mais normas explícitas válidas e que não seja incompatível como normas superiores na hierarquia das fontes.

Essas normas superiores seriam as super-normas, que teriam superioridade em face de uma hierarquia jurídica, e não lógica (típica das meta-normas). Isto é, a norma superior é uma super-norma em relação à inferior em razão de condicionar a sua validade, enquanto que uma meta-norma é superior pela lógica, vez que ela disciplina sobre a criação da norma “inferior”80.

Seguindo, Guastini ainda distingue validade formal e validade material81.

Afirma que uma norma é formalmente válida quando sua criação observou os critérios das meta-normas. Essa propriedade é sempre inexistente nas normas implícitas de Guastini, que são sempre formalmente inválidas, pois criadas pelos juízes e não por autoridade legislativa.

79 GUASTINI, Riccardo. Das fontes cit. p. 277. 80 Idem. Ibidem. ps. 278-279.

40 Já validade material é a ausência de incompatibilidade com as normas superiores, valendo tanto para normas explícitas quanto para implícitas, ainda usando a divisão feita por Guastini.

Percebe-se que a teoria de Guastini sobre a validade é fortemente influenciada pela sua concepção sobre as normas implícitas. Isto porque, ao as considerar como elaboração dos juízes a partir de outras normas e não a interpretação do texto legal, Guastini acaba conferindo uma maior prevalência à validade material do que à formal.

Como já ressaltado82, discorda-se desse posicionamento do jurista italiano, pois se entende que todas as normas são extraídas do texto legal, não havendo que se falar em criação normativa pelos juízes, mesmo no caso de integração do Direito.

Em consequência, mantendo a independência entre a validade formal e a material, entende-se que há uma relação entre elas não de prevalência, mas sim de precedência. Com efeito, acredita-se que primeiro deve ser avaliada a validade formal da norma e, caso seja constatada, então verificar também a validade material. Assim, tanto a norma formalmente válida, mas materialmente inválida, quanto a norma formal e materialmente inválida são inválidas na totalidade.

Diante desse contexto, a concepção de validade normativa deste trabalho é a seguinte: uma norma é válida quando existe dentro do sistema sendo compatível com as exigências das normas superiores, sendo dotada tanto de validade formal, por ter sido derivada de disposição produzida por ato normativo realizado pela autoridade competente conforme o procedimento adequado, quanto de validade material, vez que deve ser compatível com as super-normas superiores.