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CAPÍTULO 1 – DIREITO, ORDENAMENTO JURÍDICO E NORMA JURÍDICA

1.4. NORMA JURÍDICA

1.4.3. Regras x Princípios

Tradicionalmente as normas jurídicas eram relacionadas de forma estrita com as regras jurídicas, cuja estrutura se apresentou no item anterior. Hoje, porém, já se reconhece os princípios jurídicos como sendo espécie normativa, que, tal como as regras, prescrevem condutas que devem ser seguidas pelos indivíduos, apesar de possuírem uma estrutura diferente.

Este trabalho utilizará Robert Alexy como o referencial teórico para a compreensão dos princípios e de sua distinção em relação às regras. A exposição aqui realizada não se pretende exaustiva, dada a riqueza e a complexidade da temática, mas apenas intenta fixar as bases para a diferenciação entre as duas espécies de normas jurídicas.

Nesse sentido, a compreensão do conceito de princípios jurídicos em Alexy deriva justamente da distinção feita pelo teórico alemão entre eles e as regras, ambos considerados normas jurídicas, sendo essa diferenciação a base de sua argumentação em favor de um constitucionalismo moderado63, que se situaria entre o legalismo e o constitucionalismo

36 propriamente dito, bem como “a estrutura de uma teoria normativo-material dos direitos fundamentais”64.

Por serem normas jurídicas, tanto regras quanto princípios são razões para juízos concretos de dever-ser, ainda que diferentes65.

Alexy considera que o ponto central para distinguir regras e princípios é que estes são mandados de otimização e aquelas são mandados de definição66.

Como mandados de otimização, os princípios ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, de acordo com as circunstâncias fáticas e jurídicas de cada caso, sendo que a medida de sua aplicação é influenciada pelas regras e princípios com os quais se opõem e que também incidem sobre os eventos normatizados.

Dessa característica básica decorre que os conflitos entre princípios são resolvidos por ponderação, pelo que a precedência de um sobre o outro em determinada hipótese não significa que sempre será dessa forma, pois as circunstâncias fáticas e jurídicas podem variar, o que pode implicar numa alteração da solução do conflito.

Consequentemente, a “vitória” de um princípio sobre o outro não faz com que o perdedor seja considerado excluído do ordenamento jurídico, não lhe retira sua validade.

As regras, por sua vez, são mandados de definição, pelo que têm um caráter de certeza muito mais acentuado, uma determinação quanto ao âmbito do que é fática e juridicamente possível, sendo aplicadas por subsunção, em um caráter de “tudo ou nada”67.

Por isso, em um conflito de regras, a solução é a introdução de uma “cláusula de exceção” que o elimine para determinados casos ou então a declaração de invalidade da regra derrotada68, através dos critérios de solução de antinomias69.

Sobre o tema, válido transcrever a lição de Humberto Ávila:

Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementariedade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção70.

64 Idem. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros. 2008. p. 87. 65 Idem. Ibidem. p. 87.

66 Idem. El concepto cit. p. 162. 67 Idem. Ibidem. p. 162. 68 Idem. Teoria cit. p. 92.

69 Cf. BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento cit. ps. 93-95.

70 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 10 ed. São Paulo:

37 Em suma, os princípios se caracterizariam como normas que são aplicadas visando determinado fim, representado por um conteúdo pretendido, cuja realização depende da análise da correlação entre o objetivo pretendido e os meios para sua consecução.

Essa avaliação se mostra necessária em especial quando houver no caso concreto um conflito entre princípios, situação que, para ser solucionada, depende da ponderação entre a finalidade de cada um deles e os efeitos, positivos e negativos, que sua aplicação gerará, devendo ser dada preferência para a realização daquele que, vindo a prevalecer, melhor alcançar o objetivo pretendido e menos prejuízos causar pela não adoção do outro princípio com o qual se confrontou.

Apesar da brevidade da exposição, verifica-se a grande relevância que a teoria de Alexy tem para a compreensão dos princípios jurídicos. Seu pensamento é uma das principais bases teóricas utilizadas hodiernamente para a caracterização dos princípios.

É verdade que, apesar da robustez da teoria de Alexy, o estudo dos princípios gera dúvidas consideráveis, dado o seu caráter mais indeterminado em relação às regras.

Nesse sentido, Guastini, que considera os princípios destinados à orientação do comportamento71, ressalta que esta espécie normativa comumente é caracterizada por sua “especial importância” ou por ser “caracterizadora do ordenamento”, o que consiste em uma avaliação eminentemente subjetiva, opinável72.

Destaca ainda Guastini que uma forma de identificar um princípio seria através de sua maior vagueza, seja por não possuir um campo exato de aplicação ou por ter conteúdo programático. A maior generalidade também seria uma característica dos princípios, que se refeririam a um campo maior de situações. Porém, o próprio jurista italiano admite que tanto vagueza quanto generalidade são qualidades graduáveis73.

Por fim, ao analisar os usos dos princípios, Guastini assevera que são usados na produção, na interpretação e na integração do direito74, no que, de certa forma, converge com Alexy, visto que toma os princípios como normas que orientam a utilização das demais, que servem para conferir coesão valorativa ao ordenamento.

Conclui-se que, como norma jurídica o princípio impõe um dever-ser, tendo natureza deontológica, mas com lógica interpretativa e aplicativa diversa das regras. Com efeito, os princípios servem como parâmetros dentro do ordenamento jurídico, favorecendo a

71 GUASTINI, Riccardo. Das fontes cit. p. 186. 72 Idem. Ibidem. p. 187.

73 Idem. Ibidem. ps. 189-190. 74 Idem. Ibidem. p. 199.

38 produção, a interpretação e a integração do Direito, garantindo coerência e completude ao sistema.