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desenvolvinmentos na Política Interna e Externa do Brasil

O capítulo I tem como objetivo contextualizar os debates acerca dos conceitos de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) e sobre o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) na agenda internacional. Além desta contextualização política e conceitual, será feita uma exposição de como as questões relativas a essas temáticas se desenvolveram nas agendas da política doméstica brasileira e posteriormente ganharam espaço na sua Política Externa.

Para este efeito, no primeiro tópico será evidenciado o incremental desenvolvimento e as disputas ideológicas relativas aos conceitos de SAN, DHAA e soberania alimentar. Na seção seguinte, serão colocadas as discussões acerca da política interna do Brasil, sendo traçado um histórico da construção da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional desde a redemocratização do País (1988). Esta descrição histórica visa detalhar como os princípios do DHAA foram desenvolvidos nessa política e como a participação social e a intersetorialidade foram fulcrais para o desenvolvimento dos principais programas e espaços institucionais para elaboração, execução e monitoramento das políticas sociais na área.

Os dois últimos tópicos abordam a incorporação do combate à fome na agenda da Política Externa Brasileira. Primeiro, são apresentadas as colaborações brasileiras para os fóruns internacionais, de modo a destacar como o combate à fome tornou-se um dos principais elementos da atuação externa do Brasil para o ganho de status no sistema internacional.

Por fim, a abordagem da agricultura sensível à nutrição desenvolvida no Brasil é aprofundada no contexto da partilha da experiência brasileira, sendo este o espaço para introduzir as principais formas de cooperação Sul-Sul nesta área e algumas de suas especificidades. Desta forma, a contextualização apresentada neste primeiro capítulo, de acordo com as diretrizes do modelo de Dolowitz e Marsh (2000), identifica alguns atores envolvidos na transferência de políticas, suas motivações, assim como elucida sobre o que é transferido.

1.1 - A segurança alimentar e nutricional e o Direito Humano à

Alimentação Adequada na agenda internacional: desenvolvimentos

conceituais

Como todos os conceitos desenvolvidos na agenda internacional, a segurança alimentar foi historicamente construída por discursos e práticas que moldaram as discussões sobre a temática. Desde a criação da FAO, em 1945, e das agências associadas à cooperação alimentar, os debates sobre a segurança alimentar e sobre o Direito Humano à Alimentação tornaram-se cada vez mais complexos, fazendo com que o então regime de segurança alimentar ganhasse a dimensão de um complexo de regimes internacionais na década de 1990 com a criação da Organização Internacional do Comércio (OMC) e a formulação do Acordo sobre Agricultura (1994) e do Acordo para a Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (1995). Tais desenvolvimentos fizeram com que esta questão fosse transversal a três regimes internacionais: segurança alimentar, comércio internacional e direitos humanos (Margulis, 2013: 55).

No período pós-guerra, a criação da FAO e do Programa Mundial de Alimentos, em 1961, representam a preocupação do sistema internacional liderado pelos Estados Unidos com a erradicação da fome perante um cenário de crescimento da população e de baixa produção nos países em desenvolvimento. Com a liderança dos Estados Unidos, países Europeus e outros grandes produtores de cereais, como o Canadá e a Austrália, foram consolidadas as práticas da assistência alimentar baseadas na transferência de tecnologia e produtos, como fertilizantes e pesticidas, características da Revolução Verde

6 (Margulis, 2013: 54).

É nesse período também que a alimentação adequada aparece como componente do repertório dos Direitos Humanos. Citado de forma genérica pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) entre os direitos fundamentais, apenas em 1966 na Convenção Internacional sobre Direitos Sociais, Econômicos e Culturais, o Direito Humano à Alimentação Adequada foi apresentado como um conceito mais amplo e aprofundado.

6 O termo Revolução Verde diz respeito ao conjunto de desenvolvimentos tecnológicos voltados para o

exponencial aumento da produção agrícola, impulsionadas pelas experiências do agrônomo americano Norman Borlaug (Prêmio Nobel da Paz em 1970), as quais baseiam-se no melhoramento genético de plantas altamente produtivas como trigo, milho e arroz. As maiores críticas à Revolução Verde recaem sobre aspectos ecológicos e macroeconômicos, pois tal alta produtividade só é possível por meio do uso intensivo de fertilizantes, pesticidas e monoculturas mecanizadas em latifúndios (Glaeser, 2010).

O termo segurança alimentar aparece nos debates internacionais no início da década de 1970, durante uma severa crise alimentar. Naquele momento, na Conferência Alimentar Mundial (1974), o conceito de segurança alimentar tinha como foco a garantia de uma produção estável para o atendimento da demanda mundial crescente (FAO, 1974). Assim, novos arranjos institucionais foram pensados para lidar com essas questões, como o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) e o Comitê de Segurança Alimentar Mundial, dando robustez ao então nascente regime de segurança alimentar.

Em 1979, a FAO lançou um Plano de Ação para a Segurança Alimentar que tinha como foco o gerenciamento de estoques. Naquele momento, o Direito à Alimentação Adequada e a Segurança Alimentar ainda não eram tratados de forma estreitamente articulada no discurso e na ação diplomática internacional. Entretanto, após o fim da Guerra Fria, quando as divisões ideológicas entre direitos civis e políticos por um lado, e direitos sociais, econômicos e culturais por outro, foram amenizadas, esses conceitos desenvolveram-se gradativamente a partir da agregação de novas reflexões a respeito das causas da fome as quais não se restringiam ao défice produtivo.

Fundamental para esta evolução foi o trabalho do economista Nobel da Paz em 1997, Amartya Sen, que demonstra que não apenas o aumento da produção é fundamental para o fim da fome, mas também que os canais de acesso aos alimentos são fundamentais para o alcance desse objetivo (Sen, 1981). Os estudos de Sen apontam que o combate à fome exige uma estratégia abrangente que considere de forma adequada a interdependência de vários fatores políticos e sociais, tais quais renda e consumo, produção e comércio nos diferentes países, estabilidade macroeconômica e segurança alimentar, empoderamento das mulheres e taxas de natalidade, incentivos políticos e a direção das políticas governamentais e ativismo e compromisso social (Sen, 1997).

Por conseguinte, o desenvolvimento incremental do conceito de segurança alimentar passou a abranger não apenas a questão da produção e do acesso à alimentação, mas a qualidade nutricional desta, a relação da fome com o contexto da pobreza, bem como questões culturais e a observação dessa segurança nos vários níveis, ou seja, do global ao individual (Mechlem, 2004: 647). Dados esses desenvolvimentos, o conceito de segurança alimentar passou a apresentar estreita relação e complementaridade com o Direito Humano à Alimentação.

Durante a Cúpula Alimentar Mundial de 1996, para o cumprimento do objetivo colocado na Declaração de Roma sobre Segurança Alimentar de reduzir pela metade o número de pessoas em situação de fome, considerando as estimativas de 1990-1992, até

2015, foi elaborado um Plano de Ação, o qual tinha como um de seus objetivos clarificar o conteúdo normativo do Direito à Alimentação.

Na Declaração de Roma, os Estados reafirmam “o direito de todos a terem acesso a alimentos seguros e nutritivos, em consonância com o direito a uma alimentação adequada e com o direito fundamental de todos a não sofrer a fome.” Por conseguinte, o Plano de Ação da Cúpula Mundial da Alimentação define que existe segurança alimentar quando “as pessoas têm, a todo momento, acesso físico e econômico a alimentos seguros, nutritivos e suficientes para satisfazer as suas necessidades dietéticas e preferências alimentares, a fim de levarem uma vida ativa e sã” (FAO, 1996).

No escopo do Plano de Ação, o objetivo 7.4 é esclarecer o conteúdo do direito a uma alimentação adequada e do direito fundamental de todos a não ter fome, como declarado no Pacto Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais, a aplicação e à realização plena e progressiva desse direito, como meio de conseguir segurança alimentar. Para o cumprimento desse objetivo, em 1999, o DHAA foi objeto do Comentário Geral nº12 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, documento que coloca como essenciais para a realização desse direito a formulação e implementação de estratégias nacionais que cumpram com os princípios da

accountability, transparência, participação popular, descentralização, capacidade

legislativa e independência do judiciário.

O Comentário coloca como obrigação respeitar, proteger e cumprir com a realização do DHAA, por meio de passos para o alcance da realização progressiva dests direito (CESC, 1999, item 23). No ensejo das aproximações entre os conceitos de segurança alimentar com o DHAA, em 2002, foi criado no âmbito da FAO um grupo de trabalho para a criação de Diretrizes Voluntárias para a Realização Progressiva do Direito à Alimentação.

Após dois anos de atividade do grupo de trabalho, em 2004, foram apresentadas as Diretrizes Voluntárias para a Realização Progressiva do Direito à Alimentação. Essas diretrizes partem do princípio de que todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e estão relacionados entre si e condenam o uso dos alimentos como meio de pressão política e econômica. Além disso, recordam que o objetivo a longo prazo do Acordo sobre Agricultura da OMC é promover um sistema de comércio de produtos agrícolas mais equitativo, remediando as restrições e distorções que afetem a segurança alimentar, e ressaltando assim o primado do bem-estar social sobre os interesses econômicos (FAO, 2004: 2; 31;38).

Na época da construção dessas Diretrizes, o Brasil retomava com todo vigor as políticas de SAN que já vinham de demandas e de articulações da sociedade civil desde a redemocratização. Tal retomada, acontece num momento em que o Brasil, ao mesmo tempo que promove reformas internas no sentido de diminuir suas desigualdades históricas, empreende também uma diplomacia que tem como objetivo elevar o perfil internacional do País, buscando situá-lo como ator relevante no sistema internacional.

Entre 1990 e 2012, o Brasil reduziu de 25,5% para 3,5% o percentual da população em situação de pobreza extrema, principal causa da fome, alcançando assim o Objetivo do Desenvolvimento do Milênio antes do prazo estabelecido para 20157. Neste

contexto, a diplomacia brasileira sob a liderança de Lula da Silva tenta posicionar o País como interlocutor necessário para a construção de uma ordem mais justa e democrática.

Por conseguinte, a promoção das políticas de SAN são colocadas na agenda externa como forma de alcançar legitimidade, suporte político e oportunidades econômicas. Assim, essa estratégia busca conciliar o princípio da solidariedade, fundamental para a cooperação Sul-Sul brasileira, com os interesses de ganho de legitimidade e poder no cenário internacional e de expansão das atividades de suas agências nacionais, como a EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) (Albuquerque: 2015: 559; 576).

Nos tópicos seguintes, discorreremos sobre este processo abordando como as políticas de SAN foram formadas no Brasil e como elas ganharam espaço na ação externa do País. Construída esta base, nos capítulos seguintes serão aprofundadas as questões que giram em torno do Brasil como promotor do desenvolvimento a partir da cooperação Sul- Sul em SAN e o desenvolvimento da temática no espaço da CPLP.

1.2 - O Combate à fome no Brasil

O Brasil tornou-se referência internacional em políticas nas áreas de segurança alimentar, desenvolvimento rural e redução da pobreza ao cumprir a primeira meta dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM) antes do prazo estabelecido – reduzir a extrema pobreza pela metade entre 1990 e 2015. Isso aconteceu devido à colocação do

7Brasil é exemplo na redução da pobreza, segundo relatório da ONU. 27/09/2015 http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2015/09/brasil-e-exemplo-na-reducao-da-pobreza-segundo- relatorio-da-onu (Consultado em 10/02/2017).

combate à fome no centro da agenda nacional, à articulação desse objetivo com a política macroeconômica e à organização de um sistema de SAN baseado em um conjunto de políticas articuladas (Cassel, 2010: 7).

A criação do Fome Zero representa o culminar da trajetória de um movimento histórico de combate à fome no Brasil que ganhou força com a redemocratização e o fortalecimento dos direitos sociais na Constituição de 1988. Desde as décadas de 1940 e 1950, os trabalhos do médico, sociólogo e geógrafo Josué de Castro, intelectual que ressaltava a problemática da fome como uma questão estrutural proveniente não da escassez de alimentos, mas de desigualdade social, influenciou um pensamento crítico acerca do combate à fome no Brasil8.

Passado o período de desmobilização social causado pela ditadura, no início do processo de redemocratização, em 1985, aparece pela primeira vez a expressão segurança alimentar em documento do Ministério da Agricultura, intitulado “Segurança Alimentar – proposta de uma política de combate à fome”. No ano seguinte, o Ministério da Saúde realizou a I Conferência Nacional de Alimentação e Nutrição, mobilizada por profissionais de saúde e outros setores da sociedade (Menezes, 2010: 248).

A ideia da criação de uma política de segurança alimentar esteve presente nas propostas apresentadas por Lula da Silva como candidato à presidência desde 1989. Em 1991, o Partido dos Trabalhadores propõe uma Política Nacional de Segurança Alimentar para ser implementada por Collor e, posteriormente, por Itamar Franco. Em 1993, o tema ganhou destaque devido ao movimento Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, fundado pelo sociólogo Hebert de Souza, conhecido como Betinho. Aquele movimento tinha como objetivo a mobilização de todos os segmentos da sociedade brasileira na busca de soluções para as questões da fome e da miséria. A partir da confluência desses movimentos políticos, em 1993, foi criado o Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional e, em 1994, realizada 1 Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional9.

8 Josué de Castro tem entre a sua extensa produção, o clássico livro Geografia da Fome, publicado pela

primeira vez em 1946, no qual introduziu os conceitos de áreas alimentares, áreas de fome endêmica, áreas de fome epidêmica, áreas de subnutrição, mosaico alimentar brasileiro, compondo assim o primeiro mapa da fome no Brasil.

9 Com a redemocratização, ocorreu uma disseminação de conselhos em várias áreas de políticas públicas

com o objetivo de promover a participação social. Para uma abordagem sobre a trajetória e o papel do CONSEA ver Nascimento, Renato. 2012. O papel do CONSEA na Construção da Política e do Sistema

Com a ascensão de Fernando Henrique à Presidência, a segurança alimentar perdeu centralidade política e o CONSEA foi fechado. Entretanto, a mobilização social continuou e exemplo desse processo foi a pressão de organizações da sociedade civil em favor de uma participação social na Cúpula Mundial da Alimentação, realizada em Roma, em 1996, e a criação, em 1998, do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, composto por aproximadamente 100 organizações, entre ONGs, movimentos sociais, pastorais da criança e da terra, instituições acadêmicas e outras (Menezes, 2010: 250).

Desse diálogo multi-atores, impulsionado ainda na década de 1990, nasceu o Projeto e posterior Programa Fome Zero, que lançaria as bases para o Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional10, que ao longo dos anos foi contemplado com

instrumentos legais de regulamentação. No centro das políticas de SAN do Brasil estão os conceitos de DHAA, estreitamente ligado à segurança alimentar e nutricional, e o de soberania alimentar.

Ao traçar as semelhanças e diferenças entre os conceitos de segurança alimentar e o Direito à Alimentação, Mechlem (2004: 643-645) destaca que, no que diz respeito à natureza do objeto, a segurança alimentar é um conceito ligado à realização de um objetivo de política pública. Em contraste, o DHAA diz respeito a uma obrigação legal com conteúdo normativo relativamente claro. Portanto, segundo o autor, colocar o DHAA apenas como meio para alcançar a segurança alimentar é ignorar essas diferenças e o enquadramento do DHAA em um escopo mais amplo de abordagem do desenvolvimento e redução da pobreza baseada em direitos, o qual desloca o foco da satisfação das

10O Decreto-lei nº 7.272 de 2010 regulamenta a Lei no 11.346 2006, que cria o Sistema Nacional de

Segurança Alimentar e Nutricional - SISAN com vistas a assegurar o DHAA, institui a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - PNSAN, estabelece os parâmetros para a elaboração do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, e dá outras providências. Essa Política tem como diretrizes: 1) promoção do acesso universal à alimentação adequada e saudável, com prioridade para as famílias e pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional; 2) promoção do abastecimento e estruturação de sistemas sustentáveis e descentralizados de base agroecológica de produção, extração, processamento e distribuição de alimentos; 3) instituição de processos permanentes de educação alimentar e nutricional, pesquisa e formação nas áreas de segurança alimentar e nutricional e do DHAA; 4) promoção, universalização e coordenação das ações de segurança alimentar e nutricional voltadas para Quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais, povos indígenas e assentados da reforma agrária; 5) fortalecimento das ações de alimentação e nutrição em todos os níveis da atenção à saúde, de modo articulado às demais políticas de segurança alimentar e nutricional; 6) promoção do acesso universal à água de qualidade e em quantidade suficiente, com prioridade para as famílias em situação de insegurança hídrica e para a produção de alimentos da agricultura familiar e da pesca e aquicultura; 7) apoio a iniciativas de promoção da soberania alimentar, segurança alimentar e nutricional e do DHAA em âmbito internacional e a negociações internacionais; 8) monitoramento da realização do DHAA.

necessidades básicas para o cumprimento dos direitos fundamentais em que o Estado assume compromissos internacionais.

Em consonância com a perspectiva apresentada por Mechlem, a Política de SAN desenvolvida no Brasil tem como norte uma abordagem de desenvolvimento baseada em direitos e portanto na responsabilidade do Estado em elaborar e manter políticas públicas em estreita colaboração com a sociedade civil. Assim sendo, na Política de SAN brasileira, o DHAA diz respeito ao direito universal ao acesso físico e econômico, e ininterrupto, à alimentação adequada e aos meios para sua obtenção, sendo dever do Estado garantir esse direito.11 Em estreita relação com o DHAA a soberania alimentar

também é destacada na legislação brasileira como o direito dos povos de definirem suas próprias políticas e estratégias sustentáveis de produção, comercialização e consumo dos alimentos, respeitando-se as múltiplas características culturais (Aranha, 2010: 85; Menezes, 2001).

Amparado pelas prévias elaborações conceituais desenvolvidas na esfera internacional, a definição brasileira de segurança alimentar apresenta algumas peculiaridades. O acréscimo do adjetivo “nutricional” à expressão mais comumente utilizada como “segurança alimentar” pretende deixar clara a ligação entre as esferas socioeconômica e da saúde e nutrição, de modo a ressaltar a intersetorialidade que este conceito abarca, assim como a abrangência das dimensões da disponibilidade de alimentos (food security) e a qualidade desses bens (food safety). Essa proposta conceitual permite questionar os modelos predominantes de produção e consumo e as referências de alimentação saudável (Leitão e Maluf, 2012: 47).

Em 2001, o então candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva apresentou o “Projeto Fome Zero – uma proposta de política de segurança alimentar para o Brasil”, via Instituto da Cidadania. Esta iniciativa marca a centralidade do tema na agenda do Partido dos Trabalhadores construída desde a redemocratização. O projeto foi elaborado com a participação de representantes de ONGs, institutos de pesquisa, sindicatos, organizações populares, movimentos sociais e especialistas.

O projeto que deu origem ao Fome Zero iniciado em 2003 apresentava a fome como um problema de natureza estrutural que precisava ser combatido com um conjunto de ações voltadas para reformas estruturais complementadas por programas de assistência

11 Em 2004, após dois anos de negociações num grupo de trabalho intergovernamental, com representantes

da sociedade civil, o Conselho da FAO adotou as Diretrizes Voluntárias para Apoio à Realização Progressiva do Direito à aAimentação no Contexto da Segurança Alimentar Nacional.

emergencial. Portanto, apontava-se que o problema da fome no Brasil tinha três dimensões. Primeiro, a insuficiência de demanda, decorrente da concentração de renda, dos elevados níveis de desemprego e subemprego e do baixo poder aquisitivo dos salários pagos à maioria da classe trabalhadora. Segundo, a incompatibilidade dos preços dos alimentos com o baixo poder aquisitivo da maioria da sua população. A terceira, a exclusão do mercado daquela parcela mais pobre da população (Projeto Fome Zero Documento Síntese, 2001).

Por conseguinte, a Política de SAN implementada a partir de 2003, com a eleição de Lula da Silva, foi composta por eixos combinados baseados em um ajuste econômico para a distribuição de renda e fortalecimento do mercado interno. Assim sendo, a Política Nacional associava três tipos de políticas:

1) Políticas estruturais - políticas agrícolas e agrárias, de abastecimento (incluindo a reforma agrária e fortalecimento da agricultura familiar), de comercialização e distribuição dos alimentos, de geração de emprego e renda, de educação e saúde.

2) Políticas específicas - políticas de transferência de renda para famílias em situação de pobreza, de distribuição de alimentos e de segurança e qualidade dos alimentos.

3) Políticas locais - políticas de mobilização dos gestores estaduais e municipais na promoção da SAN, compreendendo a criação de restaurantes populares e bancos de

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