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Neste capítulo, apresentaremos a Teoria dos Papéis, explorando o seu potencial como ponte entre a estrutura sistêmica e a agência estatal, assim como entre conceitos originários das Teorias das Relações Internacionais e da Análise de Política Externa. O objetivo de estabelecer essas relações é propiciar uma abordagem da estratégia de inserção e projeção internacional do Brasil que tenha como foco o uso da identidade e da projeção de valores para a aquisição de status no sistema internacional. Tal exercício teórico tem como proposta elucidar como a cooperação para o desenvolvimento está ligada a práticas e discursos relativos a uma estratégia de aquisição de status.

Como a Teoria dos Papéis emprega uma adaptação de conceitos trabalhados na Psicologia Social de cariz interacionista à análise da formulação e da prática da Política Externa, antes de identificar as questões colocadas por autores que trabalham com esta teoria, discorreremos sobre como tradicionais autores das Relações Internacionais, tais Wendt (1987, 1992, 1999)62, em especial a partir do conceito de estrutura de identidade e

interesse (Construtivismo Estrutural), e Nye (2001), com conceito de soft power (Institucionalismo), referiram-se de forma específica ao conceito de papel. Em seguida, abordaremos como a Teoria dos Papéis busca tratar questões sistêmicas e da política externa de forma integrada.

Ao considerar que essas teorias abordam as relações de poder, os interesses e as identidades no contexto da interação entre os Estados, compreendendo aspectos ideacionais que orientam estratégias, o objetivo dessa articulação é explorar a relação entre agência e estrutura interligando os níveis de análise. Tal articulação justifica-se porque a análise da estratégia de inserção e projeção do Brasil no sistema internacional e no Sistema de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (SCID), especificamente, relaciona-se tanto com o nível da unidade, ou seja, como o Brasil desenvolveu suas políticas sociais e como transplantou as temáticas sociais para sua Política Externa, como a percepção de sua posição e missão no sistema internacional de forma mais ampla.

62 Apesar das divergências com os estudos de Política Externa, Wendt é referenciado pelos analistas que

empregam a Teoria dos Papéis, pois muitos deles partem de uma perspectiva construtivista e/ou interacionista.

Devido ao Construtivismo ser a meta-teoria que orienta nossa análise, iniciaremos com seu enquadramento na Teoria das Relações Internacionais, passando pela abordagem dos conceitos de estrutura, poder, identidades e interesses de acordo com a perspetiva do Construtivismo Estrutural de Wendt. Em seguida, abordaremos o conceito de soft power, desenvolvido na tradição institucionalista por Nye, de modo a relacioná-lo com o arcabouço construtivista.

Posteriormente, será abordada a temática do Estado como ator à luz do Interacionismo Simbólico, momento em que serão tratadas as diferenças entre as abordagens do Estado como ator unitário e como ator que reflete a influência de diversos interesses internos. Por fim, será apresentada a Teoria dos Papéis e seus conceitos-chave. A partir dessas exposições é possível explicitar como esta teoria pode servir como ponte entre as teorias das Relações Internacionais e a análise de Política Externa, proporcionando também uma abordagem transversal aos níveis de análise sistêmico, da agência estatal e mesmo da agência individual63.

2.1 - O Construtivismo e a teoria das Relações Internacionais

O Construtivismo Social é um ramo da Teoria Sociológica que serviu de base para a formação de uma gama de princípios “guarda-chuva” para o estudo das Relações Internacionais. Como meta-teoria, o Construtivismo, em suas várias ramificações, foi utilizado por autores das Relações Internacionais e da Psicologia Social para a exploração de diversos fenômenos sociais. Um dos grandes debates dessa corrente teórica é a relação entre agência e estrutura. Nesse enquadramento, a aplicação de elementos do Interacionismo Simbólico também trouxe colaborações ao debate. Devido a sua plasticidade e abrangência conceitual, o Construtivismo foi escolhida para tratar de conceitos fundamentais para nossa análise, como as identidades, os papéis e mesmo, as estratégias e poder, especialmente o soft power, conceito tradicionalmente atrelado à corrente institucionalista.

63 Como a Política Externa das últimas décadas, especialmente nos governos de Fernando Henrique e Lula

da Silva, a diplomacia presidencial teve um grande papel, apresentando declínio no primeiro governo de Dilma Rousseff, a articulação do Construtivismo com a Teoria dos Papéis oferece elementos para análise também do nível individual, o qual será utilizado para observar a atuação do Brasil em termos de protagonismo no cenário internacional e a oscilação desse protagonismo com as mudanças presidenciais.

Fundamental para a constituição do pensamento construtivista na Teoria Sociológica foi o trabalho de Peter Berger e Thomas Luckmann (1966) “A Construção

Social da Realidade: Tratado da Sociologia do Conhecimento”. Nesse trabalho, os

autores analisaram a construção social da realidade a partir da consolidação de significados que são criados e recriados em um processo contínuo pelas interações cotidianas. A partir desse processo, padrões de comportamento, símbolos e valores cristalizam-se e são reconhecidos como uma realidade objetiva.

Assim, o pensamento construtivista baseia-se na ideia de que as estruturas da realidade são socialmente construídas por meio das interações e do processo intersubjetivo que as interações desencadeiam. Por conseguinte, essa corrente enfatiza que as interações humanas são moldadas por ideias que estão acima do patamar individual e que são partilhadas por uma coletividade. Essas ideias compõem as crenças que são partilhadas de forma intersubjetiva e, por sua vez, moldam os interesses e as expectativas dos atores.

Especialmente na última década, muitas teorias que abordam a política internacional como socialmente construída, a Teoria Crítica, o Pós-modernismo, o Interacionismo Simbólico, a Teoria da Estruturação, o Institucionalismo Histórico e o Sociológico, têm embasado diferentes estudos e difundido as premissas construtivistas nessa disciplina, as quais consistem no argumento de que as estruturas da associação humana são determinadas primordialmente por ideias partilhadas, mais que por forças materiais e que as identidades e interesses dos atores são construídos por essas ideias partilhadas e não são dadas por natureza64 (Wendt, 1999: 1)

Essa teoria social de base ontológica alicerçada em elementos ideacionais e coletivistas apresenta várias vertentes, nas quais é praticamente consensual que a interpretação tem um papel central, tendo em vista o reconhecimento de que o investigador é um agente social influenciado por seus valores e crenças. Entretanto, podemos diferenciar duas principais correntes dentro do Construtivismo: a pós-moderna e a moderna.

Na corrente pós-moderna, a necessidade de encontrar um ponto válido de verificação das análises e do conhecimento adquirido é rejeitada, pois a interpretação é o foco. Essa linha, por um lado, traz colaborações para uma construção crítica do

64 De acordo com Wendt (199:1), a primeira premissa representa uma abordagem idealista e a segunda é de

natureza holística ou estruturalista, pois enfatiza a força das estruturas sociais emergentes que se opõem à visão individualista.

conhecimento, mas, por outro lado, não facilita a validação e o acúmulo de conhecimento verificável em uma dada área. Em contrapartida, os construtivistas modernos, assumem que o mundo é sempre interpretado, mas que algumas interpretações têm maior poder lógico e persuasivo que outras, especialmente quando apresentam evidências empíricas sistematizadas (Finnemore; Sikkink, 2001: 395).

Para construtivistas da vertente moderna, como Wendt (1999) e Adler (1999), em termos epistemológicos, o Construtivismo situa-se como uma teoria intermédia entre o racionalismo e as teorias interpretativistas relativistas. Em termos ontológicos e epistemológicos, sobre a realidade das ideias, esses autores enquadram o Construtivismo em uma perspetiva mediativista que tem como base o realismo ontológico.

Como exemplo, vemos que a via média de Wendt é uma combinação do idealismo e holismo com as premissas científicas do positivismo. O autor assume que, sendo o Estado e o sistema internacional dotados de estruturas reais, é possível analisá-los a partir de um realismo científico, o qual destaca que o mundo existe independente dos seres humanos individualmente. Dessa forma, Wendt considera-se um realista ao assumir que a estrutura do sistema internacional pode ser examinada em profundidade, não a enquadrando nem como uma abstração inobservável, como dizem os empiristas, nem como um discurso que molda totalmente a realidade, como dizem os pós-modernos (Wendt, 1999: 47).

De acordo com essa perspetiva, a realidade é afetada pelo conhecimento e pelos fatos sociais. Ou seja, a realidade emerge a partir da atribuição de funções a objetos físicos. Adler (1999) exemplifica essa questão ao explorar o conceito de norma, pois as normas podem ser compreendidas como sendo entendimentos coletivos que ajudam a constituir a realidade por atuarem sobre objetos físicos. A partir desse entendimento, considera-se que os atores políticos agem de acordo com identidades e interesses que são construídos por significados, prossupostos e interpretações coletivas (Adler, 1999: 208- 209). Segundo os construtivistas, esse fenômeno ocorre porque as ideias têm características estruturais:

(…) as ideias – entendidas mais genericamente como conhecimento coletivo institucionalizado em práticas – são o meio e o propulsor da ação social; definem os limites do que é cognitivamente possível ou impossível para os indivíduos. Simultaneamente, práticas baseadas em conhecimento são o resultado de indivíduos que interagem e que agem propositadamente com base em suas ideias, crenças, julgamentos interpretações pessoais. (Adler, 1999: 210).

Central para o pensamento construtivista é o conceito de intersubjetividade. A partir da noção de intersubjetividade, considera-se que existe um conhecimento socialmente partilhado que possui um caráter estrutural, o qual pode limitar ou capacitar os atores de acordo com o significado que conferem a suas ações. Segundo os construtivistas, esse fenómeno ocorre justamente devido ao caráter estrutural das ideias.

A base sociológica do Construtivismo Estrutural relaciona-se com a Teoria da Estruturação sintetizada e difundida por Anthony Giddens. De acordo com a Teoria da Estruturação, ao mesmo tempo que se reconhece a estrutura, é reconhecido também que os indivíduos têm propósitos e intenções e os expõem por meio da comunicação. Portanto, a comunicação é o vetor que faz com que os indivíduos partilhem ideias, crenças e valores que podem tanto manter quanto modificar a realidade. Dessa forma, as estruturas são um meio e um resultado da reprodução das práticas. Ao considerarmos as bases epistemológicas e os pressupostos do Construtivismo Social, pode-se considerar que essa abordagem busca compreender as instituições sociais e sua mudança a partir da interação entre agência e estrutura (Adler, 199: 211-212).

Wendt argumenta que a Teoria da Estruturação, a qual considera que a agência e a estrutura são mutualmente constituídas, pode ser uma alternativa para o enriquecimento da teoria das Relações internacionais na medida em que fornece bases diferenciadas, não só para a análise do comportamento dos Estados, mas também para a análise da constituição dos interesses desses atores, não a partir de uma estrutura fixa proveniente de uma natureza humana imutável, mas sim, a partir de uma estrutura dual de interações que reflete um conhecimento socialmente construído e partilhado (Wendt: 1987: 361).

2.2 - Estrutura, poder, identidades e interesses na perspectiva do

Construtivismo Estrutural

Nas Relações Internacionais, Wendt foi um grande difusor do pensamento construtivista. O autor desenvolveu uma versão moderada do Construtivismo, que se baseia especialmente no Estruturalismo e no Interacionismo Simbólico. Wendt foca sua análise no sistema internacional em detrimento do processo de tomada de decisão e das

estruturas domésticas65. Seus principais argumentos fundamentam-se em uma crítica ao

Neorrealismo Estrutural de Waltz e às abordagens materialista e individualista do sistema internacional. Também encarando o Estado como agente, assim como Watz, Wendt argumenta que o sistema internacional não é imutável, pois é constituído pela distribuição de ideias que embasam as relações entre os Estados, sendo, portanto, tanto variável dependente, como variável independente em um processo co-constitutivo.

No primeiro caso - sistema internacional como variável dependente - o estudo tem como objeto a explicação de padrões de comportamento dos Estados no nível do agregado ou da população. No segundo caso, quando o sistema internacional é a variável independente, a ênfase está no poder causal da estrutura do sistema para explicar o comportamento dos Estados. (Wendt, 1999: 11).

As teorias sistêmicas diferenciam-se especialmente no que concerne a conceitualização da estrutura. Wendt conceitualiza a estrutura com base em uma visão social, sustentada no conhecimento partilhado. Nesse contexto, a vida internacional é determinada pelas crenças e expectativas que os Estados têm em relação uns aos outros. Isso não significa que o poder material e que os interesses não são importantes, mas que o significado e os efeitos que esses elementos têm sobre a ação dos Estados dependem da estrutura social do sistema (Wendt: 1999: 20).

Os estruturalistas idealistas acreditam que um fato fundamental sobre a sociedade é a natureza e a estrutura da consciência social, a qual Wendt chama de distribuição de ideias e do conhecimento. Assim, sendo, a estrutura social é importante em vários sentidos: para a constituição de identidades e interesses, para ajudar atores a encontrarem soluções comuns, para definir expectativas de comportamento, para constituir ameaças, etc.

De acordo com essa perspectiva, a qual enfatiza os efeitos constitutivos das ideias66, as estruturas materiais são constituídas, compreendidas e definidas por

significados particulares. Por conseguinte, as ideias partilhadas ganham o caráter de realidade objetiva, sendo as estruturas sociais tão reais quanto as materiais. Tal assunção não diminui a importância do poder e do interesse nas relações internacionais, apenas

65 Para o nosso trabalho, as fontes domésticas do papel e da identidade do Brasil como promotor do

desenvolvimento são essenciais devido à ideia de difusão da experiência doméstica. Mesmo assim, o Construtivismo Estrutural torna-se relevante na medida em que os valores e interesses do Brasil ao exportar esses modelos revelam aspirações no sistema internacional e no subsistema da cooperação.

66 Wendt chama a atenção de que o idealismo como teoria social não deve ser confundidos com o idealismo

chama atenção que os efeitos e significados desses elementos dependem das ideias dos atores (Wendt, 1999: 24).

Segundo Wendt, qualquer sistema social é composto por três elementos: as condições materiais, os interesses e as ideias. Esses elementos estão intimamente relacionados, mas precisam ser diferenciados. Por isso, em termos analíticos, pode-se dizer que existem três estruturas. Além dessas dimensões, Wendt propõe que podem ser identificados dois níveis, sendo estes a micro-estrutura e macro-estrutura.

A primeira, refere-se às interações entre as unidades do sistema, enquadramento que constitui parte de um sistema. Nesse sentido, os Estados interagem quando tomam em consideração um ao outro ao fazer suas escolhas. Eles podem interagir por meio das consequências não intencionais causadas pelas condições do ambiente, mas também pela negociação direta e intencional. Nesses dois casos, porém, esses tipos de interação são estruturados “pela configuração de desejos, crenças, estratégias e capacidades entre as várias partes”. Assim, sendo, o resultado dessa interação não pode ser reduzido ao nível da unidade (Wendt, 1999: 148).

O nível da marco-estrutura considera os mecanismos que operam ao nível da população de Estados, sem restringir partes, o que nos leva a identificar regularidades ao longo do sistema. Nessa perspectiva, a marco-estrutura não pode ser reduzida às micro- estruturas, mas também não é totalmente independente delas, possui uma relação de superveniência, ou seja, há uma relação não causal e não redutiva de dependência ontológica de uma classe de fatos a outra67. A macro-estrutura, tem uma certa autonomia

e implica certas tendências. Posto isso, Wendt argumenta que a micro-estrutura proporciona explicações ligadas à política externa e a macro estrutura às questões de política internacional (Wendt, 1999: 150-157).

De acordo com a perspetiva idealista e holística, a agência e a estrutura têm uma relação co-constitutiva, ou seja, a estrutura não é apenas um elemento que constrange os agentes, ela também têm efeitos sobre as propriedades desses atores (Wendt, 1999: 26). A partir da lógica da co-costituição, os construtivistas, em vez de tomarem as identidades e os interesses como dados, perguntam-se de onde vêm esses elementos e como eles foram socialmente constituídos. Segundo Wendt (1999: 39-41), a Teoria Realista, ao tratar dos interesses e das identidades como elementos preconcebidos devido à natureza egoística

67 Wendt busca esse conceito em trabalhos da filosofia como Currie, Gregory. 1984. Individualism and

Global Supervinience. British Journal for the Philosofy of Science. 35: 345-358 e Horgan, Terence. 1993. From Supervenience to superdupervenience. Mind, 102: 555-586.

dos Estados, na verdade, está se referindo à distribuição de ideias no sistema internacional, pois as condições de intersubjetividade constituem o poder material e o interesse. Enquanto isso, os neoliberais encaram as ideias como variáveis intervenientes capazes de influenciar a ação dos Estados, tidos também como atores racionais egoístas que buscam maximizar seus benefícios.

Assim como o conteúdo dos interesses, o significado do poder também é largamente definido pelas ideias. Segundo os realistas, o poder é constituído por forças brutas materiais. Em contrapartida, idealistas defendem que o poder é constituído por ideias enquadradas em contextos culturais. Entretanto, é ressaltado que essas ideias não são constituídas no vácuo e estão embasadas também em aspetos materiais da realidade física, tais quais a distribuição de recursos naturais, a geografia, a composição das capacidades materiais (questões tecnológicas) e a distribuição dessas capacidades entre os atores. Por conseguinte, os fatores materiais estão em interação com os fatores ideacionais.

Nesse enquadramento, o sistema internacional é constituído por uma estrutura de ideias que determina os interesses e as relações de poder. Portanto, é fundamental identificar uma cultura no nível do sistema, pois a cultura é constituída por ideias partilhadas que fundamentam normas, instituições, sistema de tratados, etc. Sendo assim, a cultura abarca as ideias que constituem o significado da distribuição do poder, orientando tanto a perceção dos Estados sobre essa distribuição de poder, como a constituição de suas identidades e interesses. Wendt argumenta que a cultura tem efeitos de uma profecia auto-cumprida, pois os atores guiam suas ações pelas crenças que têm acerca do ambiente e dos outros atores com base em ideias partilhadas que orientam expectativas (Wendt, 1999: 104-110).

Autor da célebre frase “Anarquia é o que os Estados fazem dela”, Wendt construiu um argumento que explica o sistema anárquico como fruto de um processo da construção que advém de práticas criadoras de estruturas identitárias capazes de se reproduzirem, pois, por sua vez, têm efeitos sobre os atores. Esse argumento tem como alicerce a ideia de que o significado coletivo constitui a estrutura, e que esse significado advém de um processo de interação que configura identidades. Neste processo de formação da estrutura, as identidades são a base dos interesses. Em suma, a formação dessa estrutura

ocorre em um processo intersubjetivo, no qual as práticas interativas formam as identidade e delas se formam os interesses (Wendt, 1992: 395-396)68.

Nesse cenário, é reconhecido que as forças materiais constrangem as formas sociais, mas o argumento principal é que a distribuição dos interesses ajuda a constituir o significado do poder. Ou seja, o significado do poder e o conteúdo dos interesses são largamente dados em função das ideias. Nesse sentido, o poder é constituído por ideias e contextos culturais. Não se pode ignorar que os Estados agem de acordo com seus interesses egoísticos, pois a cultura que embase esses interesses cristalizou-se na estrutura do sistema internacional, fazendo com que os Estados reproduzam certos comportamentos, fundamentando-se nas expectativas do comportamento dos outros Estados. Por esses motivos, Wendt ressalta que a Teoria Realista, assim como a Teoria do Jogos gozam de grande poder explicativo no que se refere ao comportamento dos Estados.

Entretanto, o autor ressalva que a segurança, como principal interesse nacional, não é um fato intrínseco à natureza do Estado, posto que interesses, comparados por Wendt aos desejos, são formados por crenças geradas a partir de um processo cognitivo que envolve a socialização. Nesse processo, o interesse/desejo possui uma base deliberativa que consiste em um contestado processo de deliberação, persuasão e enquadramento de questões que ocorrem em um contexto de estruturas domésticas e sistêmicas. Nesse cenário, “interesses são crenças sobre como satisfazer necessidades”, Por sua vez, as necessidades são os requisitos funcionais necessários à reprodução de um dado agente - os chamados interesses objetivos – que podem ser de natureza identitária ou material (Wendt, 1999: 116-130).

O interesse nacional tem sido evocado como o motor para as ações dos Estados e a literatura de matriz realista debruçou-se amplamente sobre esta temática. Morgenthau, um dos principais teóricos fundadores dessa corrente, categoriza os interesses nacionais em primários, secundários, permanentes, variáveis, gerais e específicos. Os primários estão

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