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A segurança pública na Constituição Federal

A constitucionalização de políticas públicas varia de Estado para Estado. Em alguns casos, apenas algumas linhas mestras são definidas; em outros, determinada política é descrita com detalhes. As políticas públicas surgem historicamente como resposta a uma necessidade contemporânea. Pessoas alijadas do processo produtivo oriundo da Revolução Industrial foram discriminadas em muitos casos, e privados de determinados direitos (Appio, 2007). Para tais setores sociais, por exemplo, as políticas públicas tendem a possuir um caráter compensatório.

As políticas públicas consistem em instrumentos estatais de intervenção na vida privada das pessoas, definidas, limitadas e impostas pela própria Constituição. Elas visam

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SADEK, Maria Tereza e Arantes, Rogério Bastos. Delegados de Polícia: Quem são e o que pensam. In: Segurança Cidadã e Polícia na Democracia. Cadernos Adenauer. Ano IV, n 03. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, 2003.

assegurar as condições para a consecução de objetivos predeterminados, combinando vontade política

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 144, caracteriza segurança pública como dever do Estado como direito e responsabilidade de todos. Deve ser exercida para a preservação da ordem pública131 e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

O art. 144 estabelece quais os órgãos responsáveis pelo exercício dessas atividades. Na esfera federal, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e a Polícia Ferroviária Federal; na esfera estadual, as polícias civis, as polícias militares estaduais e os corpos de bombeiros estaduais. De modo geral, todas essas organizações, independentemente da sua origem, atribuição, amplitude de atuação, etc, são parte da instituição que chamamos polícia.

Para Sulocki (2007), a polícia é um instrumento de atuação do Estado do qual o próprio Estado se utiliza para intervir no exercício das atividades individuais que ameacem o interesse geral, no sentido de evitar que sejam produzidos ou ampliados danos sociais contra bens e direitos protegidos pela lei.

A polícia no Brasil apresenta-se fracionada não apenas em um certo número de organizações, mas também em função da sua forma de atuação. Podemos dizer que o ciclo incompleto é uma característica própria da polícia brasileira que reforça ainda mais esse fracionamento institucional, na medida em que estabelece atuações estanques nos níveis federal, estadual e municipal132.

Até a Constituição de 1988, não havia capítulo próprio regulamentando o modelo dicotômico de polícia. Conforme vimos acima, as constituições anteriores não se referiam a um modelo de polícia, nem tampouco explicitavam as funções das organizações policiais existentes. E pela primeira vez, foi feita referencia à polícia civil.

A segurança pública foi constitucionalizada em 1988, o que provocou algumas conseqüências para o exercício das ações de segurança pública por parte dos órgãos que detêm essa incumbência. As leis, os programas de governo, as estruturas administrativas, as ações concretas e a própria política pública para a área devem se pautar pelos estritos contornos do modelo constitucional.

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Ordem pública pode ser definida como o controle das perturbações e a harmonização das relações sociais em busca de um clima de paz social Ordem pública e poder de polícia são definições que têm muitos aspectos em comum (Sulocki, 2007). Para uma visão das diversas definições de “ordem pública”, ver LAZZARINI, Alvaro et al. Direito Administrativo da Ordem Pública. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 7-12.

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Não há polícias municipais no Brasil, apenas Guardas Municipais, com atribuições limitadas à guarda do patrimônio público das próprias prefeituras municipais. Ver Brasil. Constituição Federal do Brasil, art. 144, § 8º.

É preciso dizer que o art. 144 não tem vida própria e autônoma. Faz parte de uma estrutura jurídica e deve ser interpretado segundo a hermenêutica e os princípios constitucionais: a república, a democracia, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, o federalismo, a liberdade, a segurança, o direito à vida, à liberdade, etc.

Nas palavras de Sulocki (2007),

A polícia, como atividade da Administração Pública, está submetida aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência, conforme dispõe o caput do art. 37 da Constituição Federal, visando tão somente o interesse público e o bem estar da coletividade. Fora desses balizamentos, a atuação da polícia não é legal, muito menos legítima (SULOCKI, 2007, p.118-119).

Para Souza Neto,

O modelo é reminiscente do regime militar e, há décadas, tem sido naturalizado como o único que se encontra à disposição dos governos, não obstante sua incompatibilidade com a ordem constitucional brasileira (SOUZA NETO, 2009, p. 402).

Se concordarmos com a opinião de Souza Neto de que o modelo é incompatível com a atual ordem constitucional, por que motivos esse modelo, considerado fracassado, incompatível com os próprios princípios constitucionais, que não tem contribuído par a redução dos números da criminalidade, permanece intacto? O que concorre para a manutenção desse modelo?

A divisão de trabalho e a rivalidade entre as duas polícias complicam o desenvolvimento da instituição. As rivalidades internas resultam no policiamento permanente de uma pela outra. As duas são geridas por estatutos diferentes, o regimento interno da polícia militar e o Estatuto do Funcionário Público, para a polícia civil.

Segundo Macaulay (2005), “A bifurcated police force results not only in inefficient and disorganized policing, but also in a fissiparous and ineffective oversight system133”.

A desmilitarização da polícia, que liquidaria de uma vez essa dissonância fundamental, surge periodicamente na agenda política, mas não adquire consenso134.

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MACAULAY, Fiona. Problems of police oversight in Brazil. University of Oxford. Centre for Brazilian Studies. Working Paper Number CBS-33-02. Disponível em: <http://www.brazil.ox.ac.uk/__data/assets/pdf_file/0011/9398/Macaulay33.pdf>.

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O então governador de São Paulo Mário Covas apresentou emendas constitucionais diametralmente opostas às opiniões apresentadas pelo fórum nacional de chefes de polícia. Fonte: Macaulay, Fiona, 2005. Op. cit.

Macaulay atribui a resistência à desmilitarização das polícias militares estaduais ao entendimento de ex-governadores que atualmente ocupam cargos de senadores.

A powerful military police lobby in the Senate, represented by a number of ex-governors, has strenuously resisted all attempts at recivilianisation of policing. In 1992 Workers’ Party (PT) federal deputy Hélio Bicudo submitted a bill that would have removed military jurisdiction for all crimes committed by military police (MACAULAY, 2005, p.11).