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Um dos grupos de interesses privados mais organizados é o que tem origem no setor público. De acordo com Ackerman (2006), as burocracias, uma vez criadas, têm a capacidade de desenvolver uma espécie de “senso de autopreservação” que procura sobreviver independentemente das necessidades da coletividade. A sua busca por caracteres como eficiência e respeito ao “interesse público” e ao “bem comum” passa a ser subordinados, ao longo do tempo, a um interesse superior, que é a sua existência contínua.

As burocracias passam a agir em defesa desse interesse principal. Nesse desiderato, elas farão uso de quaisquer recursos que se encontrem à sua disposição para criar delegações poderosas, as quais serão colocadas em posições de destaque e com influência para obter decisões em seu benefício. Isso significa que tais grupos lutarão arduamente para manter os benefícios pessoais que recebem dos programas públicos, independentemente do interesse público geral (ACKERMAN, 2006)47.

Sarmento (2005) defende a necessidade de realizar o que ele chama de “ponderação de interesses” entre os interesses público e privado, no sentido de mitigar a supervalorização do interesse público. Fenômeno moderno, a supervalorização do interesse público inicia-se no direito administrativo e expande-se sobre as demais áreas do Direito, inclusive o direito constitucional. Paradoxalmente, a extrapolação do direito público sobre o privado emerge como empecilho à concretização dos direitos fundamentais, em razão de que, ao impor tal lógica, tem produzido a sujeição da concretização dos direitos fundamentais à eficiência e à performance do Estado.

Um Estado que prima pela aplicação da defesa e garantia dos direitos fundamentais dos seus cidadãos, promove a proteção do autêntico interesse público ao mesmo tempo em que respeita o direito de liberdade (SARMENTO, 2005, p. 83)48.

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Ver DOWNS, Anthony. Inside Bureaucracy, 1967. Ver também ARNOLD, Douglas. Congress and the Bureaucracy: A Theory of Influence, 1979.

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Essa aparente supremacia do interesse público sobre o privado tem mostrado conseqüências nefastas nos dias atuais, como por exemplo, a taxação dos inativos do serviço público que, em detrimento da desconfiável

Os grupos de interesse são tratados como importantes para a condução das políticas públicas nos EUA, assim como da política de fomento da atividade industrial. O próprio governo estimula os congressistas norte-americanos a interagir com os lobbies para produzir contratos particularmente lucrativos. Contudo, durante suas atividades no congresso os parlamentares são colocados frente a estímulos, os quais os levam a abandonar os interesses gerais e a investir seus recursos para se unirem a setores das burocracias, pois essa estratégia ampliará suas chances de robustecer suas posições e reunir mais recursos para vencer eleitoralmente (ACKERMAN, 2006).

Na arena política, a influência do sentimento do cidadão comum é minoritária. Apenas uma pequena parcela de cidadãos comuns, apenas aqueles que atuam de forma organizada é que tem capacidade de atuar em determinados aspectos da vida pública. Sua capacidade de influir no processo legiferante é pequena se comparada com a força da atuação organizada das burocracias do setor público e à força dos lobbies do setor produtivo49.

Evidentemente, nem todos os parlamentares serão levados a apoiar os interesses desses grupos. Alguns representantes políticos optarão por atuar em defesa dos interesses dos grupos organizados da sociedade civil.

No caso das polícias brasileiras, o clientelismo é uma prática que estimula a aproximação entre as burocracias e alguns representantes. A política eleitoral estimula certos representantes políticos a se aproximarem da instituição policial para, por meio de clientelismo, oferecer a seus eleitores vantagens particulares.

Segundo Zaverucha (2003) a política eleitoral mina a atuação das polícias. Policiais, ex-policiais e pessoas de alguma forma ligadas à instituição buscam estreitar ligações com a representação política para estabelecer uma troca permanente de favores. A cada ano eleitoral cresce o número de policiais que buscam a ajuda de partidos políticos como estratégia de ação. Mais recentemente, essa aproximação dos policiais com representantes políticos tem sido substituída por uma estratégia de atuação política direta, na qual os próprios policiais têm, cada vez mais, buscado a via eleitoral para defender seus

saúde dos cofres públicos, atingiu a segurança jurídica, ferindo de forma grave o direito adquirido dos aposentados. Ver SARMENTO, Interesses públicos versus Interesses Privados. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2005.

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A PEC no. 471, que transforma em servidores efetivos os parentes de donos de cartórios que estiverem exercendo as suas funções há mais de cinco anos é patrocinada pelo lobby dos cartórios, que é um dos mais fortes e organizados do país. Humberto, Cláudio. Jornal do Commercio de Pernambuco. Recife, 11 de junho de 2009.

interesses50. Os políticos policiais defenderão os interesses da categoria, da profissão, da instituição e da sociedade, nessa ordem. Os interesses gerais da sociedade ficarão em último lugar (ZAVERUCHA, 2003).

O jogo político-eleitoral que permeia a relação entre políticos e policiais realimenta o clientelismo. Na medida em que os policiais dispõem de alto grau de discricionariedade durante a prestação do serviço, o poder de distribuir favores é oferecido aos eleitores em troca de apoio eleitoral. Cada vez mais, as polícias são úteis como estratégia para a conquista do voto (ZAVERUCHA, 2003).

Essa relação entre políticos-policiais e eleitores pode exarcebar o clientelismo e transbordar em abuso de poder. De acordo com Goodin (1996), um dos requisitos que os liberais especificam como característica indicativa de uma boa constituição é que ela deve possuir mecanismos destinados a controlar o abuso de poder. Modernamente, é desejável garantir que o governo mantenha-se em sua esfera de ação, isto é, que não exceda a sua autoridade51.

Nas democracias, a polícia é uma agência de controle social que atua de acordo com a lei, com a obrigação precípua de respeitar o Estado Democrático de Direito. Se tais mecanismos devem controlar o abuso de poder de todos os funcionários públicos e dos demais integrantes dos poderes públicos, ainda mais importante se torna controlar o abuso daqueles servidores que detêm, pela natureza da sua atividade, o monopólio do uso da força sobre os cidadãos. O controle do abuso de poder deve ser exercido de tal forma que o corporativismo, o clientelismo e outras interferências indevidas na atividade policial não interfiram no cumprimento isonômico da lei (ZAVERUCHA, 2003).