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A segurança privada como actor da segurança interna

No documento A LTERAÇÕES E OC ONTROLO NON OVO (páginas 80-82)

Capítulo 3. A segurança privada como parte da segurança interna e complemento da segurança pública

3.2. A segurança privada como actor da segurança interna

Como já temos vindo a dar conta ao longo do nosso estudo, não compete apenas ao Estado zelar pela segurança dos cidadãos e das suas próprias instituições, pelo que, sob esse prisma, não caberá só às FSS a prossecução da segurança interna. Esta missão recai também na sociedade em geral, nomeadamente através do princípio da colaboração283 que se materializa, neste âmbito, em deveres gerais e especiais de colaboração previstos na LSI284.

Assim, verifica-se que os cidadãos têm o dever de colaborar na prossecução dos fins da segurança interna, devendo, para tal, cumprir as disposições preventivas estabelecidas na lei, acatar as ordens e mandados legítimos das autoridades e não obstruir o normal exercício dos funcionários e agentes das FSS285 (cfr. n.º 1 do artigo 5.º da LSI). Para além disso, incumbe sobre os funcionários, na acepção do Código Penal, e sobre os militares um dever especial de colaboração com as FSS, que os obriga, sem prejuízo do dever de denúncia previsto no CPP, a comunicar às FSS competentes ―os factos de que tenham conhecimento no exercício das suas funções e por causa delas, relativos à preparação ou execução de factos que possam ser classificados como crimes de terrorismo, criminalidade violenta, especialmente organizada, nos termos do referido Código, sabotagem ou espionagem (cfr. n.ºs 2 e 3 do artigo 5.º da LSI).

A demanda da segurança – interna – é então papel de todos e se, como afirma NUNO SEVERIANO TEIXEIRA286, ―garantir a segurança das pessoas e bens é certamente a primeira missão do Estado (…), [aquele] não pode cumprir a sua missão se todos e cada um dos cidadãos não se sentirem parte integrante da sociedade através do Estado, ligados por um contrato social, a que chamamos pacto republicano‖, sendo, obviamente, ―impossível colocar um polícia atrás de cada cidadão, para garantir a sua segurança‖. Assim, é ordem pública em sentido abrangente, traduzindo no conjunto das missões policiais de cariz preventivo dos actos anti-sociais. Por isso, a ordem pública e a segurança públicas aparecem a par nalguns diplomas legais‖, PEDRO CLEMENTE,―Polícia – o caminho…‖, in E25Anos, Almedina, Coimbra, 2009, p. 91.

281 Sobre as restrições de direitos fundamentais não expressamente autorizados pela Constituição, mais

particularmente sobre a ordem pública ou a cláusula geral de polícia, JORGE NOVAIS, As restrições de Direitos Fundamentais não expressamente autorizados pela Constituição, 2.ª Edição, Coimbra, Wolters Kluwer

Portugal (sob a marca Coimbra Editora), 2010, pp. 475-487.

282 MÁRIO DIAS, Op. Cit., p. 24. Ainda sobre a temática das restrições não previstas pelas Constituições, mas

num âmbito que não só o nacional, ROBERT ALEXY, Teoria de los Derechos Fundamentales, Madrid, Centro

de Estudios Constitucionales, 1993, pp. 282 e ss.

283 Já abordado sucintamente no ponto supra. 284 Artigo 5.º da LSI.

285 Cfr. n.º 1 do artigo 5.º da LSI. Estamos presentes, respectivamente, a um dever de colaboração passivo e a

um dever de colaboração activo. Neste sentido, MANUEL VALENTE, ―Reflexões (Breves)…‖, Op. Cit., pp. 17 e

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perfeitamente entendível que ―se os cidadãos não estiverem convencidos do seu interesse, individual e colectivo, se não sentirem o vínculo a este pacto (…) que lhes cria tantos direitos como os correspondentes deveres, o direito à segurança não será plenamente realizado‖ e, acrescentamos nós, também a realização dos DLG‘s poderá ser colocada em causa.

Nesta senda, por maioria de razão, também a segurança privada se constitui, cada vez mais, como um actor (não convencional) da segurança interna uma vez que, por esta altura e desde já há alguns anos a esta parte, já é co-responsável por garantir segurança de pessoas e seus bens em grandes eventos desportivos, culturais e musicais, bem como actua noutros locais de grande afluência pública tais como centros e grandes superfícies comerciais, isto para além de estar presente até em edifícios públicos, nomeadamente em órgãos de soberania.

É, pois, quanto a nós, incompreensível que a LSI, para além do que é previsto na alínea g) do n.º 3 do artigo 16.º, sobre as competências do Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna287 (competindo-lhe ―estabelecer ligação com estruturas privadas, incluindo designadamente as empresas de segurança privada‖), nada refira quanto à função da segurança privada na segurança interna, nem prevendo qualquer mecanismo de colaboração entre estas duas realidades. Esta ausência é ainda mais notória quando verificamos que, desde que foi alvo de regulamentação em Portugal, a segurança privada foi sempre considerada uma actividade subsidiária e complementar daquela que é desenvolvida pelas FSS, e ainda que esteja impedida de realizar a actividade de repressão criminal, actua no âmbito da sua prevenção, lato sensu. Ora, apresentando estas características e detendo um manancial de conhecimento em muitos aspectos da segurança, não se entende porque não se lhe atribui outro tipo de papel na segurança interna288.

Posto isto, acreditamos que numa futura alteração à LSI o legislador não poderá continuar a fazer de conta que a segurança privada é insignificante para a segurança pública e interna, fazendo todo o sentido que se lhe atribua, dentro da complementaridade289 e da

287 De notar que as funções e poderes do Secretário-Geral foram, na altura da discussão do Projecto-Lei na

Assembleia da República, bastante polémicas, algo que ainda hoje se verifica. Ver, por exemplo, DAR, II Série A, n.º 178, de 10/05/2012, p. 3, no que concerne à apresentação do Projecto de Lei n.º 226/XII (1.ª), referente à alteração da LSI.

288 Ainda que de forma pouco mais do que incipiente, o Projecto de Lei n.º 226/XII (1.ª) continha, no artigo

22.º, uma referência autónoma à segurança privada e aos guardas-nocturnos.

289 Desde que devidamente controlada, discordamos da posição de MANUEL VALENTE quando este afirma

que a acção da segurança privada deve fundar-se apenas no plano da subsidiariedade e nunca no da complementaridade. Cfr. MANUEL VALENTE, ―Da segurança…‖, Op. Cit., p. 291.

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subsidiariedade, um papel que vise aproveitar as suas potencialidades como colaborante na prossecução da segurança interna.

No documento A LTERAÇÕES E OC ONTROLO NON OVO (páginas 80-82)