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4 CONTEXTO HISTÓRICO

4.3 A SINGULARIDADE DAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS

No livro A Decisão de Voto nas Eleições Presidenciais (CARREIRÃO, 2002) é um dos que criticam a pretensa irracionalidade do eleitor brasileiro, postulada por Silveira. O autor não considera que seja irracional ou pouco racional, por exemplo, o eleitor que decide seu voto levando em conta os atributos pessoais

dos candidatos. Sendo assim, mesmo considerando que as recentes eleições presidenciais brasileiras seguem uma racionalidade diferente da lógica dos comportamentos tradicionais (clientelista e de identificação partidária), pretende estabelecer as bases para análise de outra racionalidade (de um novo comportamento eleitoral). Em seu modelo, há quatro fatores principais de determinação do voto nas campanhas presidências:

x As imagens políticas dos candidatos e partidos (formadas pelos eleitores). Imagem política, isto é: a personalidade pública, um perfil trabalhado de uma pessoa, instituição, empresa, produto, serviço, etc; este perfil ressalta algumas características e omite outras, segundo pesquisas de audiência. Assim, o voto a partir da imagem partidária não tem nada a ver com a identificação partidária clássica (CARREIRÃO: 2002; p.44). Mas, enquanto a noção de imagem partidária implica na noção de posicionamento político ‘direita-esquerda’; a noção de imagem dos candidatos implicaria ainda na identidade (ou rejeição) em relação aos valores dos eleitores. Carreirão apresenta duas variações (Castro e Singer) da tese de que foi a imagem política de “pai dos pobres”, o populismo em uma versão midiática, que elegeu Collor presidente. Coutinho (1995) também enfatiza o poder mítico do grande pai, no imaginário eleitoral brasileiro de 89.

x A avaliação de desempenho. Embora sem admiti-lo explicitamente, para Carreirão, o desempenho econômico do governo, principalmente em relação ao controle da inflação, é o principal fator determinante de voto no período de 86/98. Ele subdivide a idéia de desempenho, tanto do ponto de vista retrospectivo (como o eleitor avalia o governo em exercício), como do

prospectivo (como o eleitor avalia o candidato governista). Carreirão, no entanto, se apóia em pesquisas qualitativas de terceiros. Para se saber realmente qual o peso que a avaliação do desempenho de governo e dos candidatos têm no eleitorado, seria necessário desenvolver pesquisas estatísticas quantitativas. Também é preciso pensar que o efeito da inflação é amplificado pela mídia, muitas vezes se acelerando ou retardando. Em 2002, aconteceu o contrário: a ‘causa’ (a inflação) foi utilizada como argumento para a construção da avaliação de desempenho futuro negativo de Lula: se ele ganhar, a inflação vai disparar. Pela primeira vez, a avaliação de desempenho prospectiva do candidato do PT superou a avaliação de desempenho retrospectiva do governo FHC.

x A avaliação dos atributos pessoais dos candidatos. Os principais atributos pessoais dos candidatos para o eleitor, segundo Carreirão, são a competência e a honestidade, ou seja, as garantias de bom desempenho. Nada de magnetismo pessoal ou personalidade carismática – o eleitor vota em quem acredita ser mais capaz. Votou em FHC em 98 porque o considerou mais preparado. Novamente temos aqui uma inferência difícil de aceitar ou de recusar, uma vez que se trata de uma opinião fundamentada em pesquisas qualitativas. Em todo caso, este ponto demonstra uma preocupação de estabelecer critérios racionais em relação às escolhas personalistas.

x O nível de sofisticação política dos eleitores (reduzido à sua escolaridade por motivos de simplificação de análise). Carreirão estabelece, ainda, uma relação entre essas três avaliações (imagens políticas partidárias e de candidato; de desempenho retrospectivo e prospectivo do governo em

exercício; e dos atributos pessoais dos candidatos) em relação ao nível de escolaridade dos eleitores entrevistados. Aqui ficará visível o paradoxo, indicado por vários autores nas três primeiras eleições presidenciais, de que as populações com menores renda e escolaridade votaram em Collor e em FHC; enquanto Lula foi preferido pelas elites culturais do País. Porém, a eleição de 2002 promoveu uma mudança histórica no comportamento eleitoral brasileiro.

Carreirão ignora a linguagem da mídia como fator de condicionamento eleitoral e critica explicitamente as idéias de Silveira, principalmente no que diz respeito à distinção entre comportamento racional e irracional. Por outro lado, suas hipóteses de racionalidade para o voto nas eleições presidenciais brasileiras também carecem de comprovação estatística quantitativa, limitando-se apenas a levantar as possibilidades subjetivas desse novo tipo de voto. Porém, para saber se

a imagem do candidato pesa mais ou menos que a avaliação de desempenho do

governo em exercício, ter-se-ia que recorrer a outros métodos de investigação.

Pode-se traçar uma perspectiva intermediária entre os extremos, que nem valorize o irracionalismo diante dos comportamentos tradicionais e pragmáticos – como sonha Silveira; nem que, por outro lado, afirme que o eleitor brasileiro não é irracional – como pensa Carreirão. Em nossa perspectiva, quando as pessoas têm interesses ou metas relativamente claros, a Escolha Racional pode identificar problemas que elas têm que resolver para conseguir o que querem. Mas, o ‘como’ e o ‘porquê’ elas querem o que querem, sempre será uma questão extra-racional formada por fatores históricos e sociais. Há sempre em cada comportamento eleitoral uma conjunção de dois fatores: um componente racional, que tende ao jogo

de interesses; e um componente simbólico prescritivo, formado por um sistema de regras, crenças e valores.

Nossa objeção central a Silveira, portanto, está, não em caracterizar um novo comportamento eleitoral ou social em relação ao tradicionalismo e à modernidade, mas sim, em considerá-lo menos racional que outros comportamentos e de generalizá-lo indiscriminadamente como sendo dominante e nocivo à democracia. É preciso delimitar exatamente onde e em que medida este novo comportamento midiático se apresenta e qual seu peso específico em cada eleição.

Apesar da tendência para um crescente personalismo da política e declínio dos partidos, Schmitt (2000) mostra que no Brasil as campanhas para o legislativo ainda contam com um peso considerável das agremiações partidárias. Eles desenvolveram um estudo empírico referente às eleições para a Câmara dos Deputados do Rio de Janeiro em 1994. A conclusão da pesquisa empírica é de que, contrariamente às expectativas de um forte personalismo, os partidos políticos têm influência nada desprezível sobre as campanhas e o desempenho eleitoral de seus candidatos ao Legislativo.

Dillon Soares publicou na revista Ciência Hoje (Novembro de 2002; p.27), uma pesquisa que aprofunda o estudo de Schmitt, demonstrando como as eleições para deputados federais, deputados estaduais e para governadores obedecem à lógica do voto partidário, enquanto as eleições presidenciais, nos mesmos estados, seguem uma lógica personalista. Para eles, essa pode ser a origem da dificuldade crônica que os presidentes brasileiros têm de formar maioria no Congresso Nacional e governar. Assim, a análise das votações obtidas pelos principais partidos políticos brasileiros em eleições recentes revela uma certa regularidade, de uma eleição para

outra, na votação relativa, obtida por esses partidos (com poucas exceções), e uma semelhança entre a votação obtida nos pleitos para deputados federais, estaduais e governadores. Nas eleições presidenciais, porém, a votação relativa dos candidatos não acompanha a força relativa de seus partidos na Câmara dos deputados federais. A pesquisa de Dillon Soares aponta para uma regularidade do voto partidário no comportamento eleitoral brasileiro para eleições legislativas e para as eleições majoritárias estaduais. E essa regularidade permanece até mesmos nas eleições de 1998, quando o instituto da reeleição atrelou muitas campanhas estaduais à eleição presidencial. Na época, FHC evitou (além dos debates na TV) visitar os estados nordestinos para não subir em dois (ou mais) palanques.

Por outro lado, a pesquisa de Dillon Soares constatou a especificidade das eleições presidenciais. Ter uma forte base partidária não é condição necessária para se eleger ou receber muitos votos, há pouca estabilidade histórica na distribuição espacial dos votos (de uma eleição para outra há volatilidade significativa de um mesmo candidato presidencial em diferentes estados) e mesmo nos 2os turnos, quando a disputa aparenta polarizar questões ideológicas, a transferência de votos na lógica partidária apresenta muitas discrepâncias. Conclui-se assim que as recentes eleições presidenciais brasileiras seguem uma lógica própria diferente da lógica dos comportamentos eleitorais ‘clientelista’ e de ‘identificação partidária’. Também se podem apontar outros exemplos desse comportamento na política brasileira, como a eleição de Jânio Quadros contra FHC para a prefeitura de São Paulo. Porém, não se pode afirmar que esse comportamento esteja se generalizando ou que ameace a lógica das eleições legislativas nos três níveis.

Essa relativa independência midiática das eleições presidenciais, no entanto, implica em uma certa ingovernabilidade, uma vez que elege presidentes sem base

parlamentar no Congresso Nacional, forçando assim, a mudanças substanciais nos planos de governo ou em uma grande dificuldade de executá-las. Apesar de todo o esforço do TSE de tentar verticalizar as eleições, isto é, associar as eleições presidenciais às eleições proporcionais e majoritárias estaduais, houve uma crescente fragmentação das bases de apoio aos governos federais eleitos, promovendo um duplo atrelamento institucional do executivo ao parlamento: o

presidencialismo de coalizão.

Não podemos discutir aqui esta questão, embora sua importância seja vital à compreensão, não apenas para a história das eleições presidenciais, como também para toda a história política dos governos deste período (1989/2006).

Nesse capítulo, referente ao contexto histórico das eleições presidenciais brasileiras, estudou-se o desenvolvimento histórico (desigual e combinado – para usar a expressão de Trotsky) de diferentes tipos de instituições (econômicas, políticas, culturais), durante as três últimas décadas do século XX, evitando-se, assim, uma abordagem centrada exclusivamente na mídia. Também se discutiu alguns temas correlatos relevantes: a tradição engajada da imprensa brasileira, sua participação ativa na vida política nacional; o novo comportamento eleitoral não- racional proposto por Silveira e critérios de intenção de voto deste novo comportamento das eleições presidenciais (Imagem Pública, avaliação de desempenho do governo e dos candidatos, qualidades pessoais dos candidatos). Em seguida, demonstramos, através das pesquisas de Schmitt e Dillon Soares, que tal comportamento é localizado nas eleições presidenciais.

Passados esses temas necessários à contextualização histórica dos momentos a estudar, analisa-se em seguida as eleições propriamente ditas.