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4 CONTEXTO HISTÓRICO

4.1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS ESTRUTURAIS

A influência da imprensa na vida política brasileira vem de longa data. Tornou- se até um lugar comum, comparar o papel desempenhado por Assis Chateaubriand e os Diários Associados7 durante o Estado Novo com o que Roberto Marinho e as organizações Globo desempenharam em relação à ditadura militar, pois ambos ‘os impérios de comunicação’ foram construídos (em diferentes momentos da história brasileira) como ferramentas de integração nacional dentro de contextos ditatoriais.

Chateaubriand teve uma participação relevante no movimento revolucionário de 19308, levando Getúlio Vargas à Presidência da República (MIGUEL, 2002; p. 30), no movimento constitucionalista em São Paulo em 1932, na manobra getulista de 1945 (eleger o General Dutra, ministro militar de Vargas, redemocratizar o país através de uma constituinte sob controle do pacto PTB/PSD e o retorno do ditador pelo voto direto) e, finalmente, no golpe militar de 1964. Sempre indicando e vetando ministros, vendendo favores e arrancando vantagens para suas empresas.

Roberto Marinho, por sua vez, embora menos espalhafatoso que seu antecessor, também exerceu o poder da mídia, de forma incisiva, no campo político tanto no período da ditadura militar, como durante toda a redemocratização. Em 1982, esteve diretamente envolvido com a tentativa de fraudar as eleições no Estado

7 Rede de jornais diários espalhados por vários estados do país a partir dos anos 30; a revista

ilustrada de circulação nacional O Cruzeiro e a rádio Tupi do Rio de Janeiro (e muitas filiais) a partir dos anos 40; e, a partir de 1950, a Rede Tupi de Televisão.

8 Transformando o homicídio de João Pessoa (candidato à vice-presidente na chapa de Getúlio

derrotada em uma eleição fraudada) de um crime passional em assassinato político, Chateaubriand ajudou a fazer eclodir o movimento revolucionário em várias partes do país.

do Rio de Janeiro, contra o então eleito governador Leonel Brizola. Tentou esconder o movimento ‘Diretas Já’. Durante o governo Sarney, Roberto Marinho indicou ministros (Antonio Carlos Magalhães para Comunicações, Leônidas Pires Gonçalves para o Exército) e sabatinou, em particular, Maílson da Nóbrega antes dele assumir a pasta da Fazenda (MIGUEL, 2002: p. 38).

O apogeu do poder global, no entanto, foi o 5o ano de mandato presidencial pago através das concessões públicas de rádio e televisão aos congressistas durante a Assembléia Nacional Constituinte. Noventa e um parlamentares foram nominalmente concessionados com estações de rádio e/ou canais de TV, mas é impossível saber o número real contando com o uso de familiares e testas-de-ferro. Tal fato levou à fusão da classe política brasileira com a maioria das empresas de comunicação, principalmente nas regiões Norte e Nordeste. O próprio Sarney e seus ministros ACM e Aluísio Alves possuem repetidoras do sinal da Rede Globo em seus estados de origem. Essa simbiose institucional entre o mercado de comunicação e os grupos políticos, antes das eleições diretas para a presidência em 1989, engendrou um contexto político-midiático é chamada por alguns pesquisadores de

Coronelismo Eletrônico (KUCINSKI, 1999, p. 184).

Outra diferença marcante entre Assis Chateaubriand e Roberto Marinho, ou melhor, entre os sistemas de comunicação formados pelos Diários Associados e pela Rede Globo, é que, enquanto a integração nacional entre a mídia impressa e as rádios locais no passado atingiam apenas a elite e a classe média alfabetizada dos principais estados brasileiros, a integração nacional da televisão, a partir do fim dos anos 80, atinge potencialmente 94% da população de todo o território nacional. Toda a população, não apenas no sentido de abranger todas as regiões horizontalmente e todas as classes sociais, verticalmente, mas no sentido de incluir transversalmente

mulheres, jovens, crianças, analfabetos e vários segmentos, antes excluídos culturalmente, do processo político. (RUBIM, 1990, p. 07).

E, é claro, a Rede Globo abocanha grande parte desta audiência. É a líder de audiência em quase todos os horários, em todas as regiões e cidades, faixas etárias e classes sociais (embora, nos últimos anos, com a chegada da TV a Cabo para a classe A e o investimento da competição na ‘programação popular’, tenha se fixado nas classes B e C), com larga margem de vantagem em relação às rivais. O Jornal Nacional alcança a média de 50 milhões de pessoas por dia, contra menos de 5% dos concorrentes. (MIGUEL: 2002; p. 35)

Portanto, o Brasil que emergiu da ditadura era um país midiatizado, com todas as conseqüências que essa situação traz para a cultura, as instituições e a política. É claro que antes disso a imprensa já possuía relevância política, como a experiência dos Diários Associados bem mostra. Sob o comando de Assis Chateaubriand, a cadeia de jornais, revistas e rádios foi protagonista da história brasileira entre os anos 30 e 60. Mas o impacto da mídia eletrônica, em especial, da TV, é diferente. Ela reconstrói todo o espaço social, rompendo barreiras entres setores antes incomunicáveis. No campo específico da política, ela exige dos candidatos e governantes que se adaptem a ela, mais do que meramente a levem em conta. (MIGUEL, 2002, p. 28).

Durante as quatro eleições presidenciais aqui analisadas, a televisão, em geral, e a Rede Globo em particular, tiveram um papel destacado. Em 1989, houve o explícito favorecimento da mídia a Collor; em 1994, a adesão à candidatura de FHC foi através do apoio massivo ao Plano Real; em 1998, a mídia escondeu a campanha eleitoral, garantindo a reeleição; e em 2002 adotou a estratégia de fazer das eleições um grande show. Alguns analistas acreditam que a rolagem da grande dívida da Globopar no BNDES foi negociada pelo PT em troca do apoio a Lula, mas, na verdade, houve uma maior exposição eqüitativa de todos os candidatos.

Assim, ao lado dos que enfatizam o papel político da Rede Globo nas eleições, existem também os analistas que criticam uma explicação conspiratória por parte dos primeiros. Para os últimos, os adeptos da conspiração, ao invés de buscar entender as opções e escolhas da mídia em função dos critérios de noticiabilidade (newsmaking) e de análise mais estrutural, exageram na intencionalidade da mídia como ator social. É preciso saber o quanto de intencionalidade política, realmente, há de parte da mídia em geral e da Rede Globo, em particular, e o quanto há de fatores estruturais de funcionamento dos meios de comunicação: a linguagem, a formação dos profissionais, os interesses do mercado, as preferências do público. Este ponto é defendido principalmente por Colling (2002, p. 56), que considera excessiva a intencionalidade pressuposta da mídia nas análises das eleições presidenciais de 94 e 98 feitas por Rubim e Miguel. Na perspectiva dessa pesquisa, os comportamentos da imprensa escrita e da TV são bastante relevantes, mas secundários. O importante é descrever a formação da IP através dos HGPE’s.