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A situação da liberdade de expressão no sistema brasileiro

5. A E XPERIÊNCIA B RASILEIRA E A N ECESSIDADE DE UM P ROGRAMA N ORMATIVO P RÓ

5.1 A situação da liberdade de expressão no sistema brasileiro

5.1.1 As primeiras constituições

A organização da comunicação social no Brasil tem atraso de 275 anos em relação às colônias americanas espanholas. A imprensa chega ao Brasil com a família real, em 1808, depois da supressão da lei de proibição do prelo. Anteriormente, até mesmo os livros eram proibidos, sendo permitidos apenas nos mosteiros e colégios. No Brasil Colônia, os livros só podiam ser importados mediante licença.495

O primeiro jornal brasileiro foi a Gazeta Mercantil, impresso pela imprensa oficial, em 1808. As notícias publicadas se restringiam à saúde dos príncipes europeus, aos ofícios do rei e a elogios da família real. No mesmo ano, o Correio Brasilense inicia sua atividade, mantendo linha editorial contra a família real.

495 Consta nos autos da inconfidência mineira como argumento de agravamento da pena que os inconfidentes mantinham bibliotecas particulares. SODRÉ, Nelson Werneck. A Historia da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1999, p. 11-14.

O Correio Brasilense, mantido por Hipólito novo complexo (1774-1823) - fugitivo dos cárceres da inquisição portuguesa - era impresso na Inglaterra. O jornal era visto por uns como independente, mas para outros, o jornal se mantinha aliado aos interesses estrangeiros da Inglaterra.496 A imprensa brasileira nasce sem nenhum vínculo com a colônia, vinculada à coroa e à outra nação (Inglaterra).

No ano da proclamação da independência, entra em vigor a lei dos juízes de fato para crimes de abuso da liberdade de imprensa. A lei determina que todos os escritos devam ser assinados, sendo que os autores dos pasquins497 e publicações incendiárias serão processados e punidos.498

Após a proclamação da Independência, em 7 de setembro de 1822,499 é outorgada em, 25 de março de 1824, a primeira constituição brasileira, a chamada constituição imperial500. A constituição de 1824 perdurou mais que 65 anos.501

A primeira carta de direitos brasileira foi influenciada pelo liberalismo francês do século XIX e dedicou um capítulo para as garantias e direitos civis e políticos. O seu artigo 179 traz 35 incisos que constituem um sistema de garantia da liberdade, da segurança individual e da propriedade.502

São direitos garantidos, pela constituição, a liberdade individual, a irretroatividade da lei, o “princípio da legalidade,503 a liberdade religiosa,504 o direito de ir e vir e a

496 Ibid., p. 20.

497 Eram publicações (jornais-panfletos) que defendiam ideias como a liberdade. Significa “jornal ou folheto calunioso”. HOUAISS, 2009, p. 1440.

498 João Soares Lisboa foi o primeiro jornalista a ser julgado e absolvido pelo Tribunal de Júri, em razão de escrever no jornal Correio do Rio que a vontade popular estava acima da vontade do Imperador, principalmente no período das assembleias constitucionais. MOLINA. Matías, História dos jornais no Brasil. São Paulo. Companhia das Letras, 2015, p. 27.

499 Em 07 de setembro de 1822, D. Pedro declara a independência do Brasil, em São Paulo, às margens do rio Ipiranga que em tupi-guarani significa “rio vermelho”.

500 Naquele momento, o Brasil contava com uma nobreza baseada em latifúndios, 90 % de analfabetos e uma aristocracia intelectual formada nas universidades europeias, na maioria na Universidade de Coimbra, mas influenciada e dividida pelas teorias europeias (monarquia, absolutismo, liberalismo, parlamentarismo, constitucionalismo, feudalismo, democracia e república).

501 Em seu artigo 1º proclamava que o império do Brasil “é a associação Política de todos os Cidadãos Brazileiros. Elles formam uma Nação livre, e independente, que não admitte com qualquer outra laço algum de união, ou federação, que se opponha á sua Independencia”.

502 Art.179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.

503 I. Nenhum Cidadão póde ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma cousa, senão em virtude da Lei. II. Nenhuma Lei será estabelecida sem utilidade publica. III. A sua disposição não terá effeito retroactivo.

504 V. Ninguém póde ser perseguido por motivo de Religião, uma vez que respeite a do Estado, e não offenda a Moral Publica.

propriedade.505 Igualmente, são garantidos, a inviolabilidade do asilo,506 o direito de ser julgado apenas por autoridade competente,507 a liberdade de trabalho, indústria e comércio,508 o direito à petição e à “defesa” da constituição feita por qualquer cidadão por meio de reclamação.509A constituição proíbe as penas cruéis, torturas, transmissão de penas além do

delinquente e o confisco de bens, como forma de punição.510

Ao discorrer sobre liberdade de expressão, a primeira constituição brasileira adota o modelo francês ao estabelecer que todos podem comunicar os seus pensamentos por escrito ou pela imprensa, independentemente de censura, respondendo pelos abusos que cometerem nos termos da lei. Assim, é incorporada a fórmula de primeiro vir a liberdade e depois a responsabilização511. Ainda no âmbito destinado à comunicação, a constituição do império estabelece a inviolabilidade de correspondência.512

Em 22 de novembro de 1823, é promulgada a primeira lei de imprensa. A lei proíbe a censura prévia e posterior e garante que qualquer pessoa pode imprimir e publicar. Mas a lei estabelece algumas restrições, determinando a prisão nos casos de discurso contra a igreja católica, blasfêmia, excitação do povo à rebelião, ataque à forma de governo, difamação ao parlamento e ao executivo, desobediência às leis e autoridades, ofensa à moral cristã e aos bons costumes. Ainda é considerado crime imputar falsos crimes aos empregados públicos, a calúnia e injúria contra particulares, devendo, neste caso, ocorrer indenização peculiar.

505 VI. Qualquer pode conservar-se, ou sair do Império, como Ihe convenha, levando consigo os seus bens, guardados os Regulamentos policiais, e salvo o prejuízo de terceiro.

506 VII. Todo o Cidadão tem em sua casa um asilo inviolável. De noite não se poderá entrar nela, senão por seu consentimento, ou para o defender de incêndio, ou inundação; e de dia só será franqueada a sua entrada nos casos, e pela maneira, que a Lei determinar.

507 XI. Ninguém será sentenciado, senão pela Autoridade competente, por virtude de Lei anterior, e na fórma por ella prescripta.

508 XXIV. Nenhum genero de trabalho, de cultura, industria, ou commercio póde ser prohibido, uma vez que não se opponha aos costumes publicos, á segurança, e saude dos Cidadãos.

509 XXX. Todo o Cidadão poderá apresentar por escripto ao Poder Legislativo, e ao Executivo reclamações, queixas, ou petições, e até expôr qualquer infracção da Constituição, requerendo perante a competente Auctoridade a effectiva responsabilidade dos infractores.

510 XIX. Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas crueis. XX. Nenhuma pena passará da pessoa do delinquente. Por tanto não haverá em caso algum confiscação de bens, nem a infamia do Réo se transmittiráaos parentes em qualquer gráo, que seja. 511 IV. Todos podem communicar os seus pensamentos, por palavras, escriptos, e publical-os pela Imprensa, sem dependencia de censura; com tanto que hajam de responder pelos abusos, que commetterem no exercicio deste Direito, nos casos, e pela fórma, que a Lei determinar.

512 XXVII. O Segredo das Cartas é inviolavel. A Administração do Correio fica rigorosamente responsavel por qualquer infracção deste Artigo.

Segundo relato, na época do Império, apesar de a censura legal ter sido abolida desde 1821, havia forte coação do clero e do poder político contra alguns veículos,513 existindo jornalistas que eram processados por abuso de liberdade de expressão. No entanto, com a proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, inicia-se um período de forte censura. Em 1889, o decreto 85-A determinava que os indivíduos contrários à República e a seu Governo, que promovessem por palavras, escritos, ou atos, a revolta civil ou a indisciplina militar, seriam julgados militarmente e punidos com as penas militares de sedição.

Em 1891, a Constituição republicana entra em vigência e em seu artigo 72, § 12º estabelece que “em qualquer assumpto é livre a manifestação do pensamento pela imprensa ou pela tribuna, sem dependencia de censura, respondendo cada um pelos abusos que commetter, nos casos e pela fórma que a lei determinar. Não é permittido o anonymato”.

Em 1923, surge uma nova lei de imprensa, a lei 4743 que fixava pena para os crimes de injúria, calúnia e difamação cometidos pela imprensa, ainda punia àquelas que publicassem notícias e informação referentes aos assuntos considerados segredo de estado ou de defesa militar. A lei punia ainda a ofensa ao presidente da República, a algum outro soberano e chefe de estado de outra nação e às ofensas às outras nações, à moral pública e aos bons costumes. Também era proibida a informação sobre medicamentos não aprovados por órgão estatal e a chantagem ou pagamento que impedissem ou determinassem a publicação de informação em veículos.

Por fim, a lei de 1923 foi a primeira lei brasileira a regulamentar o direito de resposta, estabelecendo o prazo de 24 horas para a Justiça se pronunciar sobre o assunto, quando o jornal não acatasse pedido feito pela parte ofendida.

Durante boa parte da República, vários jornalistas que se opunham ao regime foram presos e outros tantos veículos tiveram a sua circulação suspensa.514 Em 1924, o jornal O Estado de S Paulo515 foi suspenso por um mês, sendo também suspenso o Correio da Manhã.516

A imprensa escrita ocupava na República velha grande destaque, porém, era grande a rotatividade entre o fechamento e a abertura de periódicos. Os jornais ligados aos operários

513 Caso conhecido é o de José da Costa Carvalho, gerente do primeiro jornal de São Paulo “O Farol Paulistano” (1827-1832) que foi processado por abuso de liberdade de expressão. DUARTE, Paulo. História da Imprensa em São Paulo. São Paulo: ECA, 1979, p. 6.

514 O jornal “A Platéia”, inaugurado em 1888, foi suspenso em 1894, por combater Floriano. MARTINS. Ana Luiza. Revistas em Revista. São Paulo: EDUSP, 2008, p. 125.

515 O jornal O Estado de S. Paulo, pertencente à família Mesquita desde sua fundação em 1875, com o nome A Província de São Paulo, passa, em 1890, a se chamar O Estado de S. Paulo, logo após a proclamação da República, em 1889.

eram perseguidos, taxados de anarquistas, por manterem linha editorial não compatível com o pensamento predominante da época, sendo que com o decreto 4269, de 1921, que estabelecia normas antianarquismo, esses veículos sofreram mais perseguição. Para alguns autores, como Nelson Sodré,517 o governo repassava verbas do Tesouro Nacional para os jornais, devendo estes manter uma pauta pró-governo.518 Em 1923, surge a era do rádio no Brasil. As primeiras rádios eram mantidas por clubes, financiadas pelos associados e não submetidas ao sistema de outorga.

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