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A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E O PLURALISMO NO CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO MESTRADO EM DIREITO

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(1)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

MARILENE ARAÚJO

A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E O PLURALISMO NO

CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO

MESTRADO EM DIREITO

(2)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

MARILENE ARAÚJO

A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E O PLURALISMO NO

CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Direito, sob a orientação do Prof. Dr. Vidal Serrano Nunes Júnior.

(3)

Autorizo exclusivamente para fins acadêmicos e científicos a reprodução total ou parcial desta Dissertação de Mestrado por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.

Assinatura ____________________________________________________________ Data 16/11/2015

e-mail: digodez@ig.com.br

A866

Araújo, Marilene

A liberdade de expressão e o pluralismo no constitucionalismo contemporâneo/ Marilene Araújo – São Paulo: s.n., 2015.

253 p.; il. 30 cm.

Referências 241-253

Orientador: Prof. Dr. Vidal Serrano Nunes Júnior

Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em Direito, 2015.

1. Liberdade de Expressão 2. Pluralismo

3. Constitucionalismo

(4)

ARAÚJO, Marilene. A liberdade de expressão e o pluralismo no constitucionalismo contemporâneo. 2015. 253 p. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2015.

BANCA EXAMINADORA:

_____________________________________________

______________________________________________________

(5)

A minha mãe Teresa Araújo (in memoriam).

(6)

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Professor Vidal Serrano pela oportunidade e experiência única, difícil e tranquila de ser sua orientanda. O rigor intelectual e científico do professor Vidal Serrano associado ao seu pronto diálogo construtivo e acolhedor me proporcionaram um crescimento acadêmico imensurável.

(7)

ARAÚJO, Marilene. A liberdade de expressão e o pluralismo no constitucionalismo contemporâneo. 2015. 253 p. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2015.

RESUMO

Sem pluralismo não há efetivo exercício do direito a liberdade de expressão, cabendo ao Direito regular tal liberdade via sistema constitucional. O Direito, a comunicação e a socialidade humana são indissociável. A humanidade sem interações comunicacionais não pode existir. A própria dignidade humana só é possível com a preservação da liberdade e da comunicação, sendo que a liberdade de expressão aparece como potência de agir do humano. No plano social as várias redes de conversações onde emergem a cultura faz com que haja a pluralidade de opinião, culturas. Quanto mais liberdade de expressão, mais pluralidade e quanto mais pluralidade, mais liberdade de expressão. É um caminho circular e complexo. A liberdade de expressão atualmente entendida é um construir e não um dado posto. Na Grécia era o direito à palavra na Ágora. A revolução dos meios de comunicação faz essa liberdade passar pelo surgimento da imprensa escrita e as revoluções do século XVIII. O resultado é a positivação desta liberdade por meio de documentos internacionais e constitucionais. Uma segunda revolução é a tecnologia das ondas eletromagnética e o surgimento do rádio e a televisão, mais uma vez o Direito regula via sistema de outorgas e o instituto do serviço público. Constituições e construções jurisprudências americana, francesa e alemã trazem noções da liberdade de expressão sob a perspectiva do pluralismo. Na mesma linha, o sistema de proteção de direitos humanos europeu e americano o faz. O Brasil apoiado em sua constituição e em tratados internacionais tem um sistema de proteção que contempla a liberdade de expressão e o pluralismo, porém ainda convive com problemáticas para a efetivação deste direito. Os desafios são muitos, porque agora surge uma terceira revolução do meio com a chegada da internet, os agentes do mercado. Mas qualquer proposta deve passar pela não divisibilidade da esfera social e individual. O Direito pode regular e efetivar cada vez mais tal liberdade configurando, sancionando, premiando e ofertando subsídios para efetivação da liberdade de expressão.

(8)

ARAÚJO, Marilene. A liberdade de expressão e o pluralismo no constitucionalismo contemporâneo. 2015. 253 p. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2015.

RÉSUMÉ

Non il n'y a pas de pluralisme sans l’ exercice effectif du droit à la liberté d'expression, la loi étant régulière de telle liberté via le système constitutionnel. La loi, la communication et la

socialité humaine sont inextricablement liées. L'humanité sans interactions

communicationnelles ne peut pas exister. La dignité humaine est très possible que la préservation de la liberté et de la communication, et de la liberté d'expression apparaît comme pouvoir d'agir humain. En termes sociaux des différents réseaux de conversations où émergents la culture signifie qu'il ya une pluralité d'opinion, les cultures. Le discours plus libre, plus la pluralité et plus pluralité, plus de liberté d'expression. Il est une façon circulaire et complexe. La liberté d'expression actuellement entendu est une construction et non un poste donné. La Grèce est le droit à la parole dans l'Agora. Une révolution des médias de cette liberté passe par l'émergence de la presse et les révolutions du XVIIIe siècle. Le résultat est la positivation de cette liberté par des documents internationaux et constitutionnels. Une deuxième révolution est la technologie des ondes électromagnétiques et l'émergence de la radio et la télévision, une fois de plus la loi réglemente via le système de subventions et de l'Institut de la fonction publique. Constitutions et les bâtiments de la jurisprudence américaine, française et allemande apportent des notions de la liberté d'expression du point de vue du pluralisme. De même, le système de protection des droits de l'homme européennes et américaines fait. Le Brésil soutenue dans sa Constitution et dans les traités internationaux ont un système de protection qui comprend la liberté d'expression et le pluralisme, mais se heurte encore à des problèmes pour la réalisation de ce droit. Les défis sont nombreux, parce que vient maintenant une troisième révolution du milieu avec l'arrivée de l'Internet, les acteurs du marché. Mais toute proposition doit passer le non divisibilité de la sphère sociale et individuelle. La loi peut réglementer et effectuer la mise de plus en plus une telle liberté, de punir, enrichissante et offrant des subventions pour la réalisation de la liberté d'expression.

(9)

ARAÚJO, Marilene. A liberdade de expressão e o pluralismo no constitucionalismo contemporâneo. 2015. 253 p. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2015.

ABSTRACT

Summary: No pluralism there is no effective exercise of the right to freedom of expression, being the regular law such freedom via constitutional system. The law, communication and human sociality are inextricably linked. Humanity without communicational interactions can not exist. The very human dignity is only possible with the preservation of freedom and communication, and freedom of expression appears as power to act human. In social terms the various networks of conversations where emerging culture means that there is a plurality of opinion, cultures. The more free speech, more plurality and the more plurality, more freedom of expression. It is a circular and complex way. Freedom of expression currently understood is a construct and not a given post. Greece was the right to speak in the Agora. A revolution of the media does this freedom go through the emergence of the press and the revolutions of the eighteenth century. The result is positivization this freedom through international and constitutional documents. A second revolution is the technology of electromagnetic waves and the emergence of radio and television, once again the law regulates via grants system and the public service institute. Constitutions and American, French and German jurisprudence buildings bring notions of freedom of expression from the perspective of pluralism. Similarly, the European and American human rights protection system does. The Brazil supported in its constitution and in international treaties have a protection system which includes the freedom of expression and pluralism, but still faces problems for the realization of this right. The challenges are many, because now comes a third revolution of the medium with the arrival of the internet, the market players. But any proposal must pass the non divisibility of social and individual sphere. The law can regulate and carry out increasingly setting such freedom, punishing, rewarding and offering subsidies for realization of freedom of expression.

(10)

ÍNDICE

NOTAS INTRODUTÓRIAS...12

Colocação do problema...12

Sobre o caminho...12

1. DIREITO E COMUNICAÇÃO...16

1.1 A Socialidade humana...17

1.2 O humano e a linguagem ...23

1.3 A comunicação como elemento constitutivo da sociedade ...27

1.4 Noções de Direito ...37

1.4.1. O jusnaturalismo e o juspositivismo...37

1.4.2 O Direito: o desejo, o poder coativo, o imperativo e o sistema autorreferente ...47

2.LIBERDADE, EXPRESSÃO E PLURALISMO...54

2.1 Liberdade: sentido político e a noção de livre arbítrio ...55

2.1.2 A liberdade em Boétie, Hobbes, Spinoza, Rousseau, Kant, Kelsen e Luhmann...57

2.1.3 Liberdade de expressão e a potência de agir ...69

2.2 Sociedade pluralista e diversidade...72

2.2.1 A sociedade aberta, comunidade tribal e pluralismo contemporâneo ...74

3.AEVOLUÇÃO DO ESTADO CONSTITUCIONAL E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO...87

3.1 Antecedentes históricos da liberdade de expressão...87

3.2. O surgimento da imprensa e as primeiras regulamentações...94

3.3 As revoluções francesa e americana: o Estado de Direito e a positivação da liberdade de expressão ...96

3.4. O Estado constitucional pós-revolução ...108

3.5. Século XX: entre guerras, o legado dos estados totalitários e ditatoriais, a era do rádio e da televisão ...114

4. ALIBERDADE DE EXPRESSÃO E O PLURALISMO:OS ESTADOS CONSTITUCIONAIS E O SISTEMA DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS...124

(11)

4.2 A regulação da liberdade de expressão no Estado Francês ...133

4.3 A liberdade de expressão e o pluralismo na Alemanha...139

4.4 O sistema de proteção dos direitos humanos e a liberdade de expressão...146

4.4.1 A Liberdade de expressão e o sistema de proteção europeu ...154

4.5 A Liberdade de expressão e o sistema de proteção americano...160

5.AEXPERIÊNCIA BRASILEIRA E A NECESSIDADE DE UM PROGRAMA NORMATIVO PRÓ -LIBERDADE DE EXPRESSÃO...173

5.1 A situação da liberdade de expressão no sistema brasileiro...173

5.1.1 As primeiras constituições...173

5.2 As Constituições do século XX, a censura e o audiovisual...177

5.3 A constituição cidadã, a liberdade de expressão e o pluralismo ...190

5.4. Sistema de outorga de radiodifusão...210

5.5 Monopólio e Oligopólio ...214

5.6 A internet e o seu marco civil...222

5.7 O discurso do ódio e a pornografia...227

5.8 O mercado e o Estado: vantagens e desvantagens...229

5.9 A regulação pelo Direito: configuração, sanção, premiação e subsídios ...232

CONSIDERAÇÕES FINAIS...236

(12)

N

OTAS INTRODUTÓRIAS

Colocação do problema

A presente dissertação aborda um problema nevrálgico para o atual estágio do constitucionalismo, ou seja, a (possível) não efetivação do direito à liberdade de expressão sem que haja o pluralismo e, no caso de se aceitar a assertiva, a função do Direito em seu

papel de regulamentar essa liberdade via sistema constitucional 1.

A comunicação e o Direito e a socialidade humana se mantêm indissociáveis, não existindo forma de excluir o indivíduo e a sociedade. A dignidade da pessoa e o desenvolvimento são, em termos luhmannianos, a representação de si, sendo necessária a liberdade e a comunicação para a preservação de tal bem.

A liberdade de expressão aparece como uma potência de agir do humano que, embora seja indissociável seu acontecimento na esfera individual e social, possui variações e níveis, cabendo ao Direito regulá-los.

No campo social, a existência de pluralidade de opiniões, pontos de vista, culturas dentre outros, é uma evidência estabelecida pelas próprias redes de comunicação do humano. A liberdade de expressão e a pluralidade caminham juntas para a efetivação de uma ordem constitucional que proteja a dignidade humana, a liberdade e a democracia. O escopo da presente dissertação é analisar a regulamentação da liberdade de expressão e do pluralismo, pelo Direito, por meio da constituição.

O centro do problema posto, como já anunciado, é o papel do Direito, dentro do sistema constitucional, em garantir a efetivação da liberdade de expressão, existindo como requisito para tanto o pluralismo.

Sobre o caminho

Para o desenvolvimento do presente trabalho, estabeleceu-se um conjunto de fases, desenhando-se um caminho, sabendo-se de antemão que qualquer contribuição ao saber

jurídico pode ser revisada, sendo, desse modo, provisória e incerta.2 A contribuição da

1 A Constituição é um instrumento de integração, unidade e direção do sistema jurídico. FERREYRA, Raul Gustavo. Reforma Constitucional e Control de Constitucionalidad. Buenos Aires: Ediar. 2007, p. 12.

(13)

presente pesquisa implica no enfoque teórico da aproximação da cultura e da biologia e que o humano possui potencialidades inatas que se desenvolvem no mundo da cultura, sendo as redes de comunicação importantes condutoras da cultura.

O direito à liberdade de expressão, apesar dos inúmeros trabalhos dogmáticos e da grande produção jurisprudencial, muitas vezes, tem sido contemplado de forma a colocar o indivíduo de um lado e a sociedade de outro - o que nega a socialidade do humano (potencialidade inata). O enfoque estabelecido contribui para analisar a liberdade de expressão e o pluralismo sem a dicotomia indivíduo e sociedade.

Esta dissertação é dividida em três partes, as quais estão subdivididas em cinco capítulos. A proposta apresenta-se da seguinte forma:

A primeira parte se concentra nos dois primeiros capítulos e consiste em estabelecer os marcos teóricos e seus conceitos básicos, adotados em relação ao Direito; a comunicação, a sociabilidade humana, a liberdade de expressão e o pluralismo contribuem para a noção de indissociabilidade do indivíduo, da sociedade e da humanidade. A humanidade sem um mundo de interações e comunicações não pode ser concebida. Sem as essas interações não há vida humana biológica e cultura.

Denota que a humanidade tem potencialidades que a constituem como o apelo à regra e a liberdade em relação ao tempo e ao espaço. As várias acepções do Direito confirmam a sua associação com a liberdade. As redes de comunicação são de onde emergem a cultura, sendo a comunicação aquilo que constitui a sociedade. O Direito é construindo por essas redes de comunicação e ao mesmo tempo regula as redes. Apenas um ambiente onde haja liberdade de expressão pode garantir a potência de agir do humano, sua própria existência que é a liberdade. Este ambiente, longe de persistir a uma homogeneidade, é heterogêneo e plural, porque as conversações são diversas, inúmeras, surgindo várias experiências culturais. Quanto mais pluralidade mais liberdade e quanto mais liberdade mais pluralidade. A complexidade ganha um vulto imaginável.

O Direito como saber necessita ser estudado por meio de seus próprios elementos, mas por exigência do atual estágio das ciências, a complexidade não pode ser descartada. A teoria dos sistemas de Luhmann apontará os caminhos para um estudo que considere a complexidade e a outras áreas do saber, mas sem que o Direito perca os seus elementos constitutivos – o Direito é um sistema autorreferente.

A segunda parte está concentrada nos capítulos III e IV. Nesses capítulos, se descreve

(14)

positivação da liberdade de expressão, via textos constitucionais. No capítulo IV, se analisa o estado da arte em países cujos marcos conceituais legislativo e jurisprudencial influenciam os demais sistemas constitucionais em matéria de liberdade de expressão. Na mesma linha analisa-se, como o sistema constitucional não pode estar alheio aos sistemas de proteção de direito humano. Além disso, o capítulo analisa a interpretação do direito face à liberdade de expressão e da pluralidade, bem como as diretrizes estabelecidas pelos organismos internacionais.

A liberdade de expressão tal como é entendida nesta dissertação é um construir e não um dado posto, para lembrar aqui Hannah Arenth e sua concepção de cidadania. Optou-se deste modo, em traçar no capítulo III os principais aspectos históricos e a evolução conceitual da liberdade de expressão que contribuíram para o atual estágio da liberdade de expressão, cujo conteúdo é impossível de ser verificado sem que haja pluralidade.

Mas esta concepção só foi possível em razão de uma construção ocorrida durante milênios na cultura ocidental. Assim, desde os gregos e sua democracia, baseada na palavra, passando pelos romanos e seus institutos jurídicos que regulam a liberdade de expressão, esta

liberdade chega ao apogeu do Direito com as Revoluções que constroem os direitos

individuais, notadamente ocorridas na Inglaterra, EUA e França.

Ainda uma segunda onda de Revolução, das chamadas revoluções sociais, o Estado vai surgir como ente garantidor de igualdade, como forma até mesmo de garantia da liberdade. Mas o autoritarismo persiste, e as censuras impostas transformam o mundo em barbárie. Não é demais afirmar que a luta da humanidade contra o arbítrio e a favor da liberdade, tem sido uma luta pela liberdade de expressão.

Do conjunto destas experiências surgem normas constitucionais que regulamentaram a liberdade de expressão, notadamente, no século XX, o constitucionalismo Alemão, Francês e americano vai considerar de forma impositiva o pluralismo como pressuposto básico da liberdade de expressão. Essas experiências são importantes para outros países, são países que de uma forma ou de outra, exportaram todo um conhecimento em matéria constitucional.

Mas as experiências que antecedem o século XX, servem também de parâmetro para a construção de um sistema internacional de direitos humanos garantidor da liberdade de expressão. Nos sistemas de proteção mais consolidados, europeu e americano, a liberdade de expressão e o pluralismo serão garantidos, sem prejuízos da responsabilidade e de outros direitos como a intimidade, a privacidade, a honra.

(15)

Neste sentido, é inimaginável que em pleno século XXI, quando todos os países citados no capítulo anterior passaram por experiências regulamentadoras para garantia da liberdade de expressão e do pluralismo, o Brasil tenha apenas experimentado uma legislação fragmentada e uma constituição não cumprida, vale como exemplo o desprezo pelo parágrafo 5º do artigo 220, que veda o monopólio e oligopólio dos meios de comunicação. Tal vedação é salutar para o pluralismo. É notável a pouca efetividade à liberdade de expressão, pois a regra do pluralismo não é observada. As consequências podem ser apontadas, como dificuldade de efetivação da democracia e da cidadania e, por consequência, uma desorientação social endêmica.

(16)

1.

D

IREITO E

C

OMUNICAÇÃO

A sociabilidade3 humana, que é uma de nossas capacidades, é objeto de análise

constante de inúmeras áreas do conhecimento. Segundo estudos antropológicos, a humanidade é caracterizada pelas invariantes do humano, cujas potencialidades e afetividades são sempre as mesmas em qualquer lugar e em qualquer momento do tempo.

Essas invariantes fundam o que é realmente humano e somente a partir delas pode-se falar em humanidade. Essas potencialidades estão implicadas entre si, de tal forma que a ausência de uma conduz à ausência do próprio humano, tal como é conhecido.

Lucien Malson relata em sua obra Les enfants Sauvages quais são as seis invariantes

do humano (a liberdade no espaço e no tempo, o pensamento da coisa pura, a capacidade combinatória, o apelo à regra, o voto de reciprocidade e o movimento oblativo). O relato de Malson parte de estudos que objetivam demonstrar, em termos científicos, que a humanidade tem características que se encontram inalteradas durante centenas de milhares de anos.

Assim como as potencialidades humanas são desenvolvidas ao longo de milhares e milhares de séculos, em André Leroi-Gourhan, a linguagem, enquanto potencialidade do humano, é desenvolvida a partir do momento em que o humano observa os seus gestos, os manuseios das mãos na manipulação de ferramentas.

A linguagem - enquanto ferramenta da comunicação - possui várias concepções filosóficas que remonta à Grécia antiga, sendo, tais conceitos revisitados por vários autores que rompem com paradigmas durante o desenvolvimento da modernidade.

Atualmente, dentre várias concepções de linguagem disponíveis, a concepção trazida pelo biólogo Humberto Maturana, para quem a linguagem é a simples prática de viver ou do acontecer humano, pode ser considerada mais fática e realista para explicar o fenômeno.

O pensamento de Maturana, baseado nas emoções humanas, na linguagem e no

conceito de autopoiesis (rede de produção ou sistema que se autoreproduz a partir de seus

próprios elementos para a realização de suas próprias operações) conduz a uma mudança de paradigma, acentuada na inversão do paradigma da racionalidade e da ausência de dinamismo da rede de produção social.

A autopoiesis é utilizada na atual teoria de sistema, de Niklas Luhmann, como elemento central para a autorreferência do sistema. O método de apreensão da sociedade, para

(17)

Luhmann, tem como concepção a sociedade como sistema, fechado e autopoiético. A capacidade combinatória, invariante do humano, conduz à ideia de sistema.

A teoria sistêmica de Niklas Luhmann considera que a sociedade tem como principal

elemento a comunicação, de modo que a “sociedade é a autopoiese da comunicação4”, sendo

a própria linguagem a garantia regular da autopoiesis.

O Direito, enquanto norma imperativa (ordem) autorizante, aparece como um subsistema social e como subsistema possui como elemento constituinte a comunicação.

Que áreas do conhecimento são tão congruentes como o Direito e a Comunicação5? Se

a configuração jurídica da comunicação não bastasse para esclarecer e legitimar o sistema de comunicação, a rigorosa teoria luhmanniana da comunicação poderia ao menos esclarecer em que medida o Direito e as atividades de comunicação são núcleos centrais da própria socialidade humana, ao mesmo tempo em que a conduzem.

1.1

A socialidade humana

Se você divide um elefante em seis elefantinhos, segundo capacidades e potencialidades diversas, você não ganha seis elefantes. (Adaptação de provérbio indiano)

Uma reviravolta se inicia em meados do século passado, precisamente entre as décadas de 50 e 60, quando um movimento europeu denominado “escola contra a verdade” faz a ligação entre a biologia e a cultura.

Com grande empolgação, naquele momento, correntes do pensamento europeu

consideravam que o “homem não tem natureza, tem cultura” 6. Desprovido de natureza, o

homem poderia se tornar um Hércules, porque com uma “boa” cultura haveria uma “boa” sociedade.

A escola “contra a verdade” desconstrói o pensamento teórico predominante na Europa demonstrando que o homem é, porque possui invariantes que não mudam, desde milhões de anos, como a sua socialidade.

4 LUHMANN, Niklas. La sociedad de la sociedad. Barcelona/México: Herder, 2002, p. 157.

5 Indagação feita por José Maria Desantes em obra La información como Derecho. Madrid: Nacional, 1978.

6 ROCHA, José Carlos e SILVA, Gilberto. O menino selvagem e as invariantes do humano. Revista

Partes – Ano V. 23/06/2007. Disponível:

(18)

A socialidade é parte constitutiva do ser humano, sem ela não há humanidade, pois ela é a condição da “natureza humana”, como se fosse o seu sangue. Da mesma forma, existem outras invariantes que constituem o humano.

Tal aporte teórico é fundamentado em estudos de crianças selvagens, criadas sem

nenhum vínculo com os seres humanos. Lucien Malson7, em obra clássica Les Enfants

Sauvages8, reúne pensadores da escola contra a verdade e relatos de vários casos e estudos de crianças selvagens. Em relação à socialidade humana, conclui Malson:

[...] o homem sem a sociedade dos homens não pode ser senão um monstro, porque não existe estado pré-cultural que pudesse reaparecer então por regressão. As crianças ‘selvagens’, aquelas que foram privadas muito cedo por acaso ou por resultado da atmosfera educativa humana, esses que foram abandonadas ou que sobreviveram à margem por seus próprios meios, são fenômenos de simples deformidade [...].

O biólogo Maturana9 explica que, nos últimos 200 anos, no Ocidente, distintas

ideologias, teorias políticas e econômicas enfatizam aspectos de dualidade entre as condições humanas do ser social (o homem vive a partir de relações com o outro) e do ser individual (o homem produz experiências individuais). Esses aspectos reduzem a situação de subordinação de interesses individuais aos interesses sociais ou alienam o ser humano da unidade de suas

experiências cotidianas 10.

A biologia tem demonstrado, em diversos estudos, que não existe humanidade fora de relações humanas. Para compreender e descrever a inter-relação entre o social e o humano, os

biólogos Humberto Maturana e Francisco Varela11 partem da análise dos seres vivos, em que

o humano se inclui.

Para Maturana, os sistemas vivos são sistemas determinados estruturalmente, constituídos e delimitados por redes fechadas em que se autoproduzem, para se manter com vida, através de seus componentes e de suas substâncias; portanto, são sistemas

autopoiéticos12, vale dizer, que se produzem e reproduzem a si mesmos (vide adiante mais

sobre a autopoiesis, na página 22).

7 Lucien Malson relata que desde 1500 cerca de 500 crianças como Kasper Hauser, na Alemanha, e Victor d’Aveyron, na França foram capturadas ou encontradas, e observadas.

8 MALSON. Lucien. Les enfants Sauvages. Paris: Ed. 10/18, 1964, p. 40. 9 Humberto Maturana (1928- ...). Biólogo chileno.

10 MATURANA, Humberto. Desde la biología a la psicología. Buenos Aires: Lumen, 2004, p. 71. 11 Francisco J. Varela (1946-2001). Biólogo chileno.

(19)

As condutas (redes de interações) dos seres vivos compõem o sistema social que se

caracteriza como um mecanismo biológico13. As redes de interações operam para a sua

conservação organizacional e sua adaptação como sistemas vivos14. Deste modo, a principal

função do sistema social é a conservação da vida.

A consequência advinda da função do sistema social é a de que todo sistema social

(sociedade) é conservador de sua organização e das características e de seus componentes. Da mesma forma, é o sistema social humano. O devenir histórico das sociedades é resultado do processo de conservação e de variação. Assim, as condutas dos membros da sociedade definem a sociedade.

A partir da observação dos sistemas vivos, conclui Maturana que o ser humano é constitutivamente social e não existe fora do social. O que determina o ser humano é o fenômeno social e não o genético. O genético apenas funda o humano. O fenômeno social humano se funda no amor, de forma que as relações sociais envolvem o amor; deste modo, a justiça, o respeito, a honestidade, a colaboração são próprios do operar do sistema humano biológico e pertencem às relações humanas. Do ponto de vista biológico não existe humano fora do social, o humano para ser humano deve nascer, crescer e viver entre humanos.

a) As capacidades do humano: hereditariedade da espécie

Os antropólogos, em suas pesquisas, minuciosas, demoradas e sempre inacabadas procuram a origem do homem e os critérios que fundamentam a humanidade. Tal busca tem atravessado séculos, em contrapartida, outras áreas do conhecimento buscam a chamada hereditariedade humana.

André Leroi-Gourhan,15 em sua clássica obra O gesto e a palavra, expõe alguns

critérios fundamentais da humanidade. São eles: a posição em pé (vertical), a cara pequena,

princípio a noção foi aplicada às ciências puras e consiste no conjunto de conhecimentos, práticas científicas, critérios, padrões aceitáveis, enunciados e concepções sobre um determinado ramo do saber.

A autonomia é que caracteriza o ser vivo, uma vez que este não pode ser apenas caracterizado como componentes materiais, sendo a sua organização também essencial, pois é a organização que constitui a identidade como identidade material. Ela se constitui por meio de um processo circular, uma rede de produção metabólica. A circularidade é uma autoprodução única da unidade vivente. A identidade não é apenas físico-química, mas também como unidade organizada (identidade autoproduzida). Há uma referência de interações e a constituição de significados. Essas são, segundo Francisco Varela, as especificidades da autopoiesis.

13 Cf. MATURANA, 2004, p. 72. 14 Ibid., p. 76.

(20)

as mãos livres durante a locomoção, a utilização de utensílios, consequência das mãos livres,

e a linguagem16.

Para o autor, a paleontologia chega à conclusão de que a linguagem só é possível em razão da liberação geral do corpo, especialmente das mãos para a produção de objetos (gestos) e do olhar para a produção da linguagem (palavra) – teoria da liberação sucessiva - (liberação da cabeça em relação ao solo, do corpo inteiro em relação à água, das mãos em relação à locomoção e à alimentação e a liberação do corpo e de seus organismos); citando

Grégoire de Hysse17 ele demonstra como a forma de nutrição é relevante.

Assim, graças a esta organização, é que o espírito, tal como um músico, produz em nós a linguagem e chegamos a ser capazes de falar. Este privilégio, não teríamos, sem dúvida, jamais, se nossos lábios tivessem que assegurar as necessidades do corpo, a tarefa pesada e penosa da nutrição. Mas as mãos se encarregam desta tarefa e liberam a boca para o serviço da palavra. 18

O cérebro, a mente, o sistema nervoso, o espírito estão inteiramente interligados com a

estrutura corporal (organismo). Eles formam um todo harmônico, existindo um vínculo estreito entre o sistema nervoso e a adaptação mecânica do corpo. Há uma simbiose entre os dois para uma economia de comportamento e uma seletiva adaptação.

Duas das características do homem que o projetam para o campo da cultura são a linguagem e a utilização de instrumentos. Essas características estão ligadas neurologicamente

e não são dissociáveis da estrutura social da humanidade. 19

Os estudos que relacionam a biologia e a cultura, por exemplo, se interessam em determinar as semelhanças e as diferenças entre as espécies, bem como o comportamento das mesmas. Com o avanço no campo da descoberta do DNA (ácido desoxirribonucleico) e da genética, surgem pesquisas sobre os fatores biológicos que podem influenciar o

comportamento humano, ou seja, sua cultura20.

O humano já foi considerado, com base em sua biologia, como um ser desprovido de natureza, ou seja, um ser que é apenas história, assim a história (cultura) comporia o humano a partir de quatro anos de idade.

16 LEROI-GOURHAN, André. El gesto y la palabra. Caracas: Universidad Central de Venezuela. 1971, p. 23.

17 Grégoire de Hysse (335 d.C - 394 d.C) teólogo. 18 LEROI-GOURHAN, op. cit., p. 29-30.

(21)

Para os adeptos desta corrente de pensamento (o behaviorista Pierre Naville21, o

marxista Paul Wallon22 e o psicanalista Daniel Lagache23), o indivíduo quando nasce não tem

traço algum cultural, assim, “de todos os entes viventes, o homem é no momento de seu

nascimento o mais inacabado; condicionado a seus progressos posteriores.” 24

Na academia francesa, esses argumentos aparecem como aceitáveis, muito embora já

em Aristóteles, em sua obra Ética a Nicômaco se expunha a determinação de um direito

natural, que consistia naquele que, seguindo as leis da natureza seria direito, porque os homens, em todos os lugares e todos os tempos, têm a mesma natureza.

A escola contra a verdade em busca da relação entre a biologia e a cultura baseia-se em numerosos estudos na observação de mais de 500 crianças recolhidas em estado selvagem e que são estudadas desde o ano de 1500. Nesse sentido, são objetos de observação, entre

outras, Kasper Hauser, na Alemanha e Victor d'Aveyron, na França.25

Tais estudos levam à conclusão de que os humanos constituem uma espécie também porque possuem uma hereditariedade específica. Assim, há a hereditariedade individual e a hereditariedade da espécie, esta última relativa aos membros da espécie.

Como patrimônio desta hereditariedade, há três capacidades da racionalidade, inatas, e três aptidões, tendências, também inatas, relativas à afetividade. Ambas (capacidades e aptidões) compõem o campo da inteligência. Todos os seres humanos nascem com as capacidades e as tendências/aptidões, sendo elas um patrimônio hereditário da espécie. Isto não quer dizer que os seres humanos possuem propriedades como “naturezas” químicas, mas o fato é que o homem em sociedade tem capacidades e tendências que o diferenciam dos

animais. 26

21 (1903-1993). Sociólogo francês. 22 (1879-1962). Médico, filósofo francês.

23 (1903-1972). Psiquiatra e psicanalista, francês.

24 “Par le behaviorisme qui nie, avec Naville, “l’hérédité des traits mentaux, des talents, des capacitès, par le marxisme, que reconnaît avec Wallon, que de tous les êtres vivants, l’homme est à sa naissance le plus inacapable, confirme, selon l’expression de Lagache, que l’idée d’instincts se développant pour eux-mêmes ne correspond à aucune réalité humaine. MALSON, op. cit., p. 07.

(22)

b) Patrimônio hereditário - capacidades e aptidões da espécie humana: o pensamento da coisa pura, a capacidade combinatória, liberdade, o apelo à regra, o voto de reciprocidade e o movimento oblativo

Dentre as capacidades da inteligência há a liberdade em relação ao tempo e ao espaço, o pensamento da coisa pura e a capacidade combinatória, segundo os estudos de Wolfgang Köhler, psicólogo alemão que fez vários testes em chimpanzés para verificar como eles solucionam seus problemas. Köhler ainda trabalha a questão da forma e da realidade. Esses três domínios estão relacionados ao campo da abstração, ao se estabelecer diferenciações entre os humanos e os animais.

Para o animal, o mundo é uma rede de valores definidos; um chipanzé, por exemplo, tem dificuldade de utilizar um objeto para tirar proveito e alcançar outro objeto. Os objetos se apresentam para os animais sem equivocidade, sem plurivalência, ou seja, sem mais de um sentido ou interpretação.

Já o humano tem a capacidade de interação simbólica, isto é, capacidade da coisa pura ou símbolos. Desse modo, para o homem, “os objetos podem aparecer na neutralidade de suas

determinações físicas e se deixar, assim, atribuir à vontade, um plural de funções27”, mas sem

perder o significado intrínseco de cada objeto.

O homem possui também a capacidade combinatória, ou seja, “a consciência de uma

conexão entre movimentos sucessivos e opostos”28. No campo da liberdade, em relação ao

tempo e ao espaço, foi observado que o instrumento não constitui para o animal um capital técnico; utilizando o exemplo de Lucien Malson, o macaco não sai com um bambu nas costas à procura de uma presa. O homem consegue utilizar instrumentos como extensão de seu corpo, manejando-os para adequar a noção de tempo e espaço à sua liberdade.

Logo, apenas o homem é capaz de utilizar, por exemplo, instrumentos como se fossem a continuidade de seus membros. Nas palavras de Lucien Malson “o homem foge da prisão do ‘agora’, e, se abrindo à ideia de um tempo sem limite, pode formar o conceito de Deus, fabricar instrumentos destinados a fabricar outros, e dispor da linguagem, que implica a

consciência do possível e a instalação no virtual.29”

27MALSON Ibid., p. 36.

(23)

As tendências da afetividade, segundo Lévi Strauss, estão presentes em todos os homens, a qualquer tempo e em qualquer lugar, e mesmo nas crianças selvagens. São tais tendências o apelo à regra, o voto de reciprocidade, o movimento oblativo.

O apelo à regra é notado como forma de “escapar dos intoleráveis sofrimentos do

arbitrário”30. O homem necessita do respeito a si mesmo, fugindo sempre do estado caótico;

explica Lucien Malson, citando Strauss, que mesmo nas sociedades primitivas não havia aproximação ao caos e havia o cuidado de manutenção dos costumes e do ritual.

Lucien Malson elucida também que “o homem sonha, em segundo lugar com contatos

regidos por uma equivalência senão das partes, ao menos das relações porque, assevera Suzan Isaacs – que cita Lévi-Strauss - quando se sabe que a supremacia é impossível, deseja-se pelo menos a igualdade - como ‘mínimo múltiplo comum de todos os desejos e todos os medos

contraditórios31”.

Por fim, o homem é o único animal que dá presentes, sendo que com o gesto aquele que o recebe torna-se um parceiro e o presente algo precioso. Aquilo que se chama de dom é ao mesmo tempo um sentimento precário, porque de um lado está a força do egoísmo e de outro estão a fraqueza e a necessidade de fazer com que o outro seja parceiro.

O homem no limite, nas palavras de Lucien Malson, “busca pela invenção de leis que não são mais aquelas da selva e procura o estabelecimento de uma outra ordem; além da entre

destruição32”, há uma sede imensa de paz. Ao mesmo tempo, o homem tem uma vocação de

ser inteligente e de reconhecer seu semelhante, mas esta vocação se relaciona com o meio ambiente cultural. Para Lévi-Strauss, não se pode ver a natureza antes de qualquer cultura.

Os estudos das crianças selvagens revelam o fenômeno da maturidade precoce, ou seja, se certas habilidades não são desenvolvidas em determinado tempo, jamais serão: como, por exemplo, andar e falar.

1.2 O humano e a linguagem

Fora da linguagem nada existe. Humberto Maturana

A linguagem é objeto constante da filosofia e, portanto, das inúmeras áreas do saber, sendo considerada uma das características do humano, “a mais rica e complexa ferramenta de

30 MALSON. Ibid., p 38.

(24)

comunicação entre os homens” 33. Na história da filosofia, há correntes de pensamento sobre a linguagem que a veem como convenção, como natureza, como escolha e como acaso.

Na concepção convencionalista, existe uma relação entre a linguagem (sistema de signos - símbolos) e a realidade. A realidade é imposta de forma arbitrária pelos humanos. Neste sentido, o que há é um estudo investigativo sobre o uso comum da palavra, ocorrendo, deste modo, variações.

Aristóteles explica que “um nome é um vocábulo semântico segundo convenção". Na

convenção "nada é nome por natureza, mas apenas depois de se tornar símbolo.34” Dentre

outros que consideram que a linguagem é uma convenção,35 destacam-se Thomas Hobbes 36,

John Locke 37 e Wittgenstein, 38 com os seus “jogos linguísticos.”39. Uma segunda corrente

considera a linguagem como algo que se manifesta a partir da natureza, 40 o signo linguístico é

produzido pelo objeto que o expressa.

Outros consideram a linguagem como instrumento, um produto de escolhas repetidas e repetíveis. Platão evitava se posicionar favoravelmente às duas correntes (naturalista ou

33 CARRIÓ, Genaro. Notas sobre derecho y lenguaje. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 2011, p. 17. 34 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 617.

35 Thomas Hobbes e Locke consideram que a linguagem é convenção, portanto há relação de arbitrariedade entre os signos e o humano. Locke mantém a relação entre palavras e pensamentos. As palavras que nomeiam os objetos são signos das ideias do humano. Por trabalhar com conceitos como ideias e pensamentos Locke e Hobbes se aproximam muito do pensamento naturalista. Ibid., p.617. 36 Thomas Hobbes (1588-1679). Matemático, filósofo inglês.

37 John Locke (1632-1704). Filósofo inglês.

38 Ludwig Wittgenstein. (1889-1951). Filósofo austríaco.

39 Em uma segunda reflexão sobre a linguagem, Wittgenstein recusa a ideia de que a linguagem seja uma estrutura unificada de forma lógica formal. A linguagem funciona pelo seu signo, “não cabendo indagar sobre os significados das palavras, mas sobre suas funções práticas”. WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas. São Paulo: Nova Cultura, 1999, p. 14. Para o filósofo, a filosofia tem como meta neutralizar os efeitos enfeitiçadores da linguagem sobre o pensamento, não se deve descobrir o que está oculto, mas o que funciona, sob uma perspectiva de atitudes práticas. Não se deve indagar sobre o significado das palavras, mas sobre suas funções práticas. A linguagem é na verdade um “jogo de linguagem” onde as ferramentas são utilizadas pelos operários. Esse jogo se verifica pela comparação entre os traços semelhantes e definitivos de uma série de jogos. A linguagem se guia pelas regras. Existem regras de constituição (gramática), que informam o correto e aquilo que faz sentido. O significado não advém do objeto, mas é orientado pelas regras que norteiam o funcionamento das coisas. O significado da palavra é apreendido de acordo com sua funcionalidade, como em um jogo, o qual se aprende jogando. No caso das palavras, o seu significado se apreende usando-as. A proposição (enunciado declarativo) só tem sentido dentro de um jogo. O significado não é fixo e determinado, mas determinado em um contexto e objetivo específico. “A significação da linguagem é o seu uso” e os “jogos de linguagem são o conjunto da linguagem e das atividades com as quais está interligada”. WITTGENSTEIN, Ibid., p. 30.

(25)

convencionalista). Para ele, apenas o emprego da palavra constitui o seu significado; a linguagem é o instrumento que deve ajustar-se a seu objeto. Essa corrente desencadeia a concepção defendida pelos funcionalistas, onde a “linguagem é um instrumento de

comunicação.” 41

Platão considera que é por meio da própria coisa que se deve procurar conhecer e

estudar os objetos e não a partir do nome das coisas42. A visão platônica da linguagem

reflete-se na realidade. Ela é abstraída por um conceito que traduz a essência das coisas. As coisas possuem uma essência independente da realidade do homem, por isso, o homem não muda

nem cria nada, apenas reconhece43. A quarta concepção denominada acaso, considera que a

melhor forma de estudo da linguagem é uma perspectiva através de estudo estatístico.

A linguagem, juntamente com a utilização de ferramentas, é característica marcante do humano. A linguagem e a utilidade estão neurologicamente interligadas não podendo ser dissociadas da estrutura social do humano. Em outras palavras, a técnica e a linguagem são caraterísticas centrais da estrutura social e, portanto, do próprio homem. Por este motivo, o

progresso técnico está intrinsicamente relacionado ao progresso dos símbolos. 44

Para André Leroi-Gourhan, em O Gesto e a palavra, a linguagem surge durante o

trabalho manual (gesto) de lascar pedras e do jogo com o trabalho dos olhos sobre os gestos do lascar pedra. Durante dezenas de séculos, esses gestos são repetidos e desse processo nasce a linguagem.

O autor explica a evolução da técnica dos povos primitivos associada à linguagem. No momento em que a técnica se torna mais complexa, os símbolos vão ganhando o grau maior de abstração e vice e versa. Os paleontropídeos, por exemplo, começam a expressar sentimentos imprecisos, relacionados à religiosidade, na medida em que a linguagem supera o concreto. 45

A partir da evolução da técnica, a linguagem adquire impulsos, como o sincrônico (eixo da simultaneidade), que é observado após a sociedade agrária e sua hierarquização e especialização. Com a organização de cidades, uma nova organização de espaço e de tempo

41 Ibid., p. 622.

42 PIQUÉ, Jorge Ferro. Linguagem e realidade: uma análise do Crátilo de Platão. Letras, Curitiba, n. 46, p. 139-157, 1996.

43 NINO, Carlos. Introducción al análisis del derecho. Barcelona: Ed. Ariel. 1983, p. 11-13.

44 SÍMBOLO (in. Symbol; fr. Symbole, ai. Symbol;it. Símbolo). 1. O mesmo que signo. É com esta significação genérica que a palavra é mais usada na linguagem comum. SIGNO (gr. cr|u.eiov; lat. Signum, in. Sign-,fr. Signe, ai. Zeíchen; it. Segno). Qualquer objeto ou acontecimento, usado como menção de outro objeto ou acontecimento. ABBAGNANO, 2007, p. 894-901.

(26)

se faz e o pensamento passa por uma racionalização. O símbolo passa a ser linear, ocorrendo a

fonetização gráfica, chegando ao alfabeto46. Adverte André Leroi-Gourhan que:

A expressão do pensamento através da linguagem encontra um instrumento com possibilidades indefinidas a partir do uso dos alfabetos subordinados completamente ao gráfico do fonético, mas todas as formas anteriores seguem vivas em diversos graus [...]. A etapa atual está marcada pela integração audiovisual que inaugura uma expressão onde a interpretação individual perde em grande parte suas possibilidades e pela separação social das funções de criação de símbolos e de recepção das imagens. Aí, todavia, o intercâmbio entre técnica e linguagem aparece com nitidez. O útil abandona precocemente a mão humana para dar origem à máquina: em última etapa; palavra e visão sofrem, graças ao desenvolvimento das técnicas, um processo idêntico.47

Mas, para o autor, são os símbolos e todas as suas adaptações e readaptações que constituem o mundo real; é o mundo da linguagem onde se assegura a possessão da realidade48.

Para Humberto Maturana, as palavras não são entidades simbólicas independentes do próprio observador, que apenas se comunica com elas. Da mesma forma, a linguagem não

opera com símbolos. 49 Os símbolos surgem da linguagem.

Ela é um fenômeno biológico, sendo indissociável do viver ou do acontecimento humano, surgindo como algo dado e não analisado. Nas palavras do biólogo, fora da linguagem nada existe.

A linguagem é um fenômeno biológico que resulta de operações dos seres humanos

(sistemas vivos). Ela ocorre no “domínio das coordenações de ações dos participantes50”. Este

domínio de ação é de caráter consensual e recursivo.

A explicação da realidade, nesta perspectiva, bem como a existência das coisas não tem referência em argumentos de validação de caráter transcendental, com recursos argumentativos baseados na matéria, na energia, na consciência, nas ideias, em Deus, dentre outros.

Ao aceitar que o humano é um sistema vivente e que suas atividades cognitivas são apenas fenômenos biológicos, há uma aceitação de suas características constitutivas. As

46 Ibid., p. 116-120.

47 Ibid., p. 211-212.

48 MATURANA, 2004, p. 120.

49 MATURANA. Humberto. La objetividad un argumento para obligar. Buenos Aires: Granica, 2011, p. 49-55.

(27)

explicações sobre qualquer experiência estão centradas e validadas na própria prática de vida do humano.

Como a validação está na prática da vida, qualquer existência depende daquilo que o observador faz, ocorrendo diferentes, mas legítimos, domínios de realidade, a partir de distintas operações realizadas em cada prática de viver.

Tem-se que a linguagem é a prática de viver e as explicações são realidades secundárias, não são necessárias para que algo exista. Entretanto, a prática de viver pode ser

modificada quando ela é explicada.51 A linguagem como fenômeno biológico é um

acontecimento humano, não existindo possibilidade de referência ou sentido fora do campo da linguagem.

1.3

A comunicação como elemento constitutivo da sociedade

A comunicação é o processo social elementar da constituição do sentido no contato entre os humanos. A comunicação é a união temporária de acontecimentos seletivos sob condicionamento mútuo. Niklas Luhmann

Um meio novo de comunicação mata mais que uma guerra. Marshall McLuhan(1911-1980)

Niklas Luhmann aparece como teórico do século passado (XX) e estuda a sociedade a partir de sua teoria de sistema. A teoria de sistema de Luhmann sofre influência de Talcott

Parsons52 e de sua teoria de sistemas sociais e de conceitos dos biólogos chilenos Humberto

Maturana e Francisco Varela.

A proposta da comunicação, como elemento constituinte da sociedade, passa pela compreensão de alguns conceitos básicos da teoria geral dos sistemas sociais de Luhmann e de sua teoria de comunicação. O sociólogo alemão propõe com a sua teoria de sistema uma teoria geral da sociedade, capaz de lidar com todo sistema social (sociedade), baseada em um estudo interdisciplinar da organização abstrata dos fenômenos sociais. A teoria de Luhmann

51 Ibid., p. 115.

(28)

possui um enfoque descritivo, baseada naquilo que é - não no que deve ser. Segundo o próprio

autor, é um método de análise da realidade. 53

De acordo com a teoria geral sistêmica, há quatro tipos de sistemas: os sistemas de máquinas (o automóvel, por exemplo, que não é autopoiético); os sistemas vivos autopoiéticos – com capacidade de se autorrecriar, continuamente; os sistemas psíquicos, que são as pessoas, dotadas de consciência; e os sistemas sociais, constituídos pela comunicação, também autopoiéticos.

Para Niklas Luhmann, a sociedade é um sistema 54 (um sistema consiste em um

conjunto de elementos que estão inter-relacionados, de forma orgânica) complexo, que se

autorreproduz a partir de seus próprios elementos e que tem a comunicação como seu elemento constituinte. A sociedade é feita de comunicação, os sistemas sociais são feitos de comunicação.

Assim, há a compreensão da sociedade como um sistema de comunicação e das instituições sociais como a economia, o direito, a educação, a política, a religião, como subsistemas. Tal como o sistema biológico tem por base a vida (Maturana), o sistema social tem por base a comunicação, segundo Luhmann.

Em seus estudos, Luhmann não faz um enfoque ontológico (o que as coisas são) e sim um enfoque funcionalista (o que as coisas fazem – qual é a função das coisas/ que problema isto resolve?). Assim, Luhmann entende que o sistema não é uma coisa – nem um todo formado por partes ordenadas, devendo ser abandonada a lógica do todo e das partes. O

53 LUHMANN, Niklas. Sistemas Sociales. Lineamientos para una teoría general. México: Universidad Iberoamericana, 1998, p. 37.

54 A palavra sistema é de origem grega (setemiun). Colocar junto, reunir em um todo organizado. Um conjunto constituído em um todo harmônico. Ex. sistema solar. (semântica antiga) Fonte: FOULQUIÉ, Paul. Dictionnaire de la langue philosophique. Paris: Presses Universitaires de France, 1986.

Um sistema é um grupo de interação e inter-relação e interdependência de elementos formando uma entidade coletiva. Ex. sistema nervoso, sistema molecular. Um grupo de elementos funcionalmente inter-relacionados (ex. corpo humano visto como a unidade fisiológica funcional ou um grupo de órgãos ou partes fisiologicamente complementares, um grupo de componentes interagindo eletricamente (sistema de iluminação). Uma rede de estruturas e canais para as comunicações, trabalhos – sistema de distribuição). Um grupo de elementos e partes estruturalmente ou anatomicamente relacionados. Um conjunto de ideias e princípios, regras, procedimentos, leis inter-relacionados. Uma forma política, organizacional social ou econômica. Um conjunto de objetos ou fenômenos agrupados para classificação ou análise.

(29)

sistema se define por sua função e os vários sistemas têm uma única e mesma função, que é a

redução da complexidade.

A complexidade, por sua vez, é a indeterminável multiplicidade de fenômenos

possíveis. Tudo que ocorre no universo tem infinitas possibilidades e possui uma condição altamente contingente. Logo, um acontecimento pode ter infinitas possibilidades, contingências e improbabilidades. Então qual é o papel dos sistemas? Como resolver o caráter problemático da complexidade? Desse modo, é o sistema que reduz a complexidade,

por meio do processo de seleção.

A seleção é a forma utilizada pelo sistema para reduzir a complexidade, o sistema opera realizando as seleções e elegendo possibilidades, ocorridas em razão do acaso, do inesperável, sempre oriundas da complexidade. Quando há uma infinidade de possibilidades, o sistema seleciona as alternativas possíveis, estabilizando algumas possibilidades e excluindo outras.

O sistema é atacado constantemente pela contingência. Ao resolver a complexidade

no seu entorno, ele se especializa e aumenta a sua capacidade de seleção e de comunicação, distanciando-se da entropia (morte).

Toda vez que o sistema recebe um dado novo ocorre a contingência e a obrigação e ao

mesmo tempo a liberdade de se eleger as possibilidades. A eleição consiste sempre em um risco de cometer um equívoco. A simples não eleição já é uma eleição.

O sistema está sempre se relacionando com o seu entorno (tudo aquilo que não está no

sistema). O entorno é mais complexo que ele, sendo o sistema uma diferença entre o sistema

e o entorno, produzida pela operação de redução de complexidade (seleção). Mas não é só, o

sistema para Luhmann é autopoiético, fechado e autor-referenciado.

Outro conceito importante da teoria de sistemas de Luhmann é a autopoiese. O

conceito, como já referido, foi desenvolvido por Maturana e Varela, sendo na teoria de Luhmann o processo por meio do qual o sistema, a partir de suas próprias operações, produz elementos necessários para a realização de suas próprias operações, ou seja, o sistema faz autorreprodução, rede de produção de componentes que se reproduz a partir de seus próprios componentes. Assim, os sistemas sociais, todos autopoiéticos, geram seus próprios elementos, através de operações internas, ou seja, em clausura operacional.

(30)

é operativamente fechado e autônomo, remetendo-se sempre a si próprio, portanto ele é autorreferente.

Além da autorreferência, o sistema observa outros sistemas e pratica a

hetero-referência. Tais operações podem ser realizadas por meio de acoplamentos estruturais, que

se caracterizam como a relação de exterioridade do sistema, para que ele possa manter-se adaptado ao seu entorno (ambiente).

No campo da biologia, a forma de o sistema biológico se manter adaptado foi

denominada, por Maturana, de acoplamento estrutural. O sistema biológico humano - a vida

-, para manter-se, faz acoplamentos estruturais para retirar do ambiente a matéria-prima e a energia necessárias ao seu metabolismo. Da mesma maneira, o sistema social retira dos acontecimentos a informação necessária ao metabolismo sistêmico.

A adaptação dos sistemas sociais se dá a partir dos acoplamentos estruturais, onde os

sistemas retiram do ambiente informação (relativa aos acontecimentos) necessária à sua comunicação. Os sistemas envolvidos em acoplamento estrutural interagem entre si e sempre

consideram a perspectiva do outro sistema que, reciprocamente, realiza a hetero-referência

em relação ao sistema que o observa.

Na teoria dos sistemas sociais, os acoplamentos estruturais são a condição de manutenção da autopoiese. A partir dos acoplamentos estruturais, os sistemas se interagem e buscam estímulos mútuos, fazendo trocas, intercâmbio de informação.

Os sistemas sociais possuem outras operações como a auto-observação e a

auto-descrição, que são necessárias para manter relações com o ambiente e demais sistemas. É com essas operações que os sistemas criam novas estruturas e elementos internos, ampliam a sua comunicação interna e externa.

O sistema se auto-observa utilizando esquemas de diferenciação. A auto-observação é

atividade importante do sistema, pois, ao observar a si próprio, o sistema pode realizar novas seleções e diferenciações.

A autodescrição é necessária para que o sistema realize, de forma melhorada, as suas

operações, funções e finalidades. Por exemplo, a auto-observação e a autodescrição do sistema social são feitas especialmente por meio da comunicação social, realizada pelo conjunto das mídias. O sistema social se enxerga na mídia como se utilizasse de um espelho.

Ao interagirem entre si, (Alter e Ego, João e Maria, sistema A e sistema B) os sistemas sempre vão considerar a perspectiva do outro sistema, ocorrendo observações recíprocas entre

os sistemas e seleções mútuas, consequentemente ocorre uma dupla contingência entre os

(31)

A dupla contingência ocorre quando há reação a situações contingentes, que apresentam algo novo, casual, inesperado e, deste modo, há perturbação no sistema, surgindo a necessidade de autorrecriação do sistema para impor a ordem e reduzir a complexidade. Assim, o sistema surge para que ocorra a redução da complexidade. Um sistema surge quando, em um plexo de relações sociais, começa a realizar operações que nenhum outro sistema realiza, diferenciando-se funcionalmente de todos os demais.

Para Luhmann, os sistemas sociais surgem da definição de seus limites com o seu

entorno. No caso dos sistemas humanos, o limite é o sentido. Os sistemas sociais são

orientados pelo sentido, que é uma estratégia de seleção.

O homem se distingue dos animais pelo fato de ter o recurso ao sentido. O sentido,

nesse caso, é um sistema que está fora do homem, que recorre ao sentido para compreender as coisas, os fatos e as situações. Através do sentido, é possível que o homem reduza a complexidade.

São três as dimensões do sentido, a real, que associa o objeto e as coisas; a temporal, que considera o presente, o passado e o futuro; e, a social, que encaminha à socialidade, às

relações entre Ego e Alter.55 O sentido constitui uma forma de processar a complexidade, de

maneira que as três dimensões do sentido são também as dimensões da complexidade e, também, do mundo.

As operações realizadas nos sistemas significativos são duas: consciência e comunicação. Dito de uma forma simplificada “pensar” e “falar”. São essas operações que resolvem os problemas do homem, ou não. Os sistemas psíquicos surgem da base da consciência do sentido.

Para Luhmann, não existe sujeito e sim sistemas psíquicos. Os sistemas sociais surgem da comunicação do sentido, pois eles produzem seus próprios elementos sociais que são eventos passageiros e permitem que se estabeleça uma relação conexa entre eles e, de acordo com Luhmann, a comunicação cumpre este papel.

a) A sociedade é feita de comunicação

Niklas Luhmann, em sua teoria da sociedade, determina a comunicação como elemento constituinte dos sistemas sociais a partir da compreensão da própria sociedade como um sistema de comunicação e das instituições sociais como subsistemas.

(32)

Nessa perspectiva, o Direito56 seria um sistema de comunicação, o mesmo ocorrendo com as demais instituições fundadas em fenômenos universais ou gerais: a economia, a política, a religião, a administração, e outras, que tratam de emitir mensagens, permanentemente, com o objetivo de expandir seus temas mediante formas diferenciadas como as leis e sentenças, cálculos de rendimentos, os discursos políticos, sermões de punição e salvação etc. Todos esses subsistemas não fazem outra coisa a não ser operar comunicação.

A comunicação como o núcleo chave da teoria de Luhmann é o que há de mais social, tornando social tudo o que é comunicação. Tudo o que é social se origina e passa pela comunicação e toda e qualquer forma de comunicação é social. A comunicação é o elemento constituinte do sistema social. Aqui está a delimitação do objeto de estudo da sociologia para Luhmann. Os fenômenos sociais são comunicação.

A comunicação é social, necessitando de mais de uma pessoa para ocorrer. É também um evento passageiro e deixa sempre conexões que permitem a contínua auto-reprodução no sistema.

Tudo que se pode comunicar é social. Em outras palavras, não se pode comunicar com as nuvens, com o mar, com o sol, portanto, esses elementos não fazem parte do sistema social, pois são entorno. Da mesma forma, não podemos nos comunicar com o nosso corpo, porque o corpo não é um fenômeno social, mas biológico.

Menos ainda, conseguimos nos comunicar com nossos pensamentos, com a nossa “psique”, pois ela não faz parte do sistema social. Nesta perspectiva, o homem não compõe o sistema social, portanto, os sistemas sociais estão compostos de comunicação.

Quando nos comunicamos uns com outros, formamos um sistema por meio da comunicação. Esse sistema não nos pertence da forma como nos pertencem nossos pensamentos. Em suma, a comunicação, que é o social, é distinta do pensamento, que é o individual, uma vez que o indivíduo é uma realidade distinta da sociedade.

O conceito de comunicação de Luhmann tem como ponto de partida a crítica ao conceito comum de comunicação, convencional. Neste conceito, a comunicação transmite notícias ou informações do emissor ao receptor. Maturana já havia criticado esse conceito, pelo fato de o mesmo utilizar a metáfora da transferência (transmissão). Maturana considera

(33)

que a linguagem57 não pode fazer a transmissão de algo, pois ela é a “supercoordenação da

coordenação de coordenação de organismos.” 58

Para Luhmann, o conceito traz impropriedades, primeiro porque o receptor não recebe nada que é transmitido pelo emissor. O emissor nada dá e nada perde; segundo, na ideia convencional, a transmissão parece como algo partilhado no processo de comunicação. Porém, na comunicação o que há é uma proposta de seleção, uma sugestão; enquanto não há retorno a esta sugestão não há processamento de estímulo.

A ideia convencional exagera na identidade, como se a informação enviada fosse a mesma recebida. O problema é que a identidade não é garantida, porque a qualidade do conteúdo não garante a identidade, mas sim o processo comunicacional. Outra questão é pertinente ao significado, o significado do conteúdo pode ser distinto para o receptor e para o emissor.

Segundo Luhmann, a comunicação ocorre a partir de três seleções. Tais seleções não são isoladas, não constituindo comunicação a ocorrência de uma seleção de forma isolada. São elas: a) a seleção da informação; b) a seleção do ato de comunicar; c) a seleção realizada no ato de entender (ou não entender) a informação e o ato de comunicar.

A comunicação ocorre quando se compreende a diferença entre a informação e o ato de comunicar. Se não há esta distinção, o que ocorre é mera percepção, que está dentro da consciência, não podendo ser visível a consciência dos outros ou o sistema de comunicação.

Assim,o Alter seleciona o que vai informar - seleção da informação-; seleciona o modo de expressar a informação e de dá-la a conhecer; e, por fim, o Ego elege uma possibilidade, de compreender ou não o que o Alter transmitiu (entender a informação).

A distinção feita pelo Ego da informação e da expressão é aquilo que se entende, o

entendimento. Assim, “a síntese que torna possível a comunicação é o ato de entender.” 59 A

comunicação unitária ocorre quando acontece a terceira seleção, ou seja, a distinção entre

informação e dá-la a conhecer, podendo o Ego rechaçar ou aceitar a oferta contida na

comunicação.

Desse modo, na comunicação, que se processa sempre na via da dupla contingência –

de Ego para Alter e de Alter para Ego -, há sempre a necessidade de participação do Alter e

Ego. Assim, toda comunicação é apenas uma proposta, que pode ser aceita ou não.

57 A linguagem para Luhmann é o que realiza o acoplamento estrutural entre os sistemas sociais (sistemas de comunicação) e o sistema de consciência. Ela também é o meio fundamental que garante regular a autopoiesis da sociedade. LUHMANN, 2002, p. 157.

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