• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO II REVISÃO DA LITERATURA

2.1 Espaço e lugar

2.1.4 A sociologia e o “lugar”

Para Gieryn, os lugares onde se desenvolvem as interações sociais sempre foram importantes na investigação sociológica empírica, mas não eram analisados enquanto objeto de estudo e não eram enquadrados numa “Sociologia do lugar”, por isso o destaque do lugar foi assim deixado para a geografia (Gieryn, 2000), como referido anteriormente.

Recentemente têm sido publicados estudos que enfatizam a importância da análise sociológica do mundo físico, a influência desse mundo no comportamento humano e a relação do mundo físico com a estratificação social, o poder, o género, a raça, a classe, a economia política e o crime (Kim et al., 2013). Mas são os defensores da existência de uma sociologia do lugar, como Gieryn e Urry que mais se têm esforçado por defender a importância e a complexidade sociológica deste conceito.

Para Gieryn (2000) tudo o que os sociólogos estudam ocorre num lugar e este não é apenas um cenário, palco ou contexto, é um elemento constituinte da vida social e das mudanças históricas da sociedade. Para defender a importância do lugar no social e na história, este autor reuniu e categorizou uma grande quantidade de abordagens que incluem o espaço físico através de vários aspetos: A estabilidade e durabilidade facultada pelos lugares às estruturas de categorias sociais, diferenças e hierarquias; o modo como os lugares organizam os padrões de interacção face-a-face; e a incorporação e manutenção de normas culturais intangíveis, identidades, memórias e valores aos lugares. Destacam-se seguidamente os aspetos mais importantes reunidos por este autor. Relativamente à manutenção da estabilidade e durabilidade das estruturas de categorias sociais, diferenças e hierarquias, o autor defende que os lugares ajudam a manter as diferenças e hierarquias através das rotinas das pessoas, excluindo e segregando categorias de pessoas e incorporando os significados culturais que lhes foram atribuídos. A manutenção das hierarquias através dos lugares passa também pelo aumento ou redução das oportunidades de vida, pois a maior parte dos trabalhos efectuados sobre bairros urbanos segregados permite concluir que estes são lugares física, social e culturalmente deteriorados, o que aumenta a vulnerabilidade dos indivíduos e os impede de ocuparem posições hierárquicas mais elevadas. Muitos lugares têm contribuído para a subordinação e controlo social das mulheres através dos

29 significados que lhes são atribuídos, nomeadamente o lar, locais de trabalho, clubes e outros em que se reproduz a proibição do acesso ao conhecimento e a certas atividades, contribuindo assim, para a perpetuação do poder e dos privilégios do género masculino. Os lugares também segregam categorias de indivíduos, quer em termos de etnia ou classe. Por um lado, através do acesso restrito ou da imposição de uma certa utilização do lugar, como por exemplo a obrigação da construção de determinados tipos de casas numa determinada zona ou criando lugares específicos para determinadas categorias de indivíduos, possibilitando que as diferenças de classe e hierarquias sociais sejam reproduzidas através do controlo das zonas de residência e do consumo. Mas, por outro lado, os lugares também podem proporcionar condições para as solidariedades étnicas e comunitárias. Relativamente à promoção da interacção e da proximidade, Gieryn menciona a existência de um debate entre os sociólogos, sobretudo acerca dos lugares urbanos, pois por um lado, estes são descritos como lugares de diversidade, tolerância, sofisticação, participação pública, cosmopolitismo, integração, liberdade, criatividade ou interacção, mas por outro, são descritos como lugares de anonimato, desengajamento social, solidão, egoísmo, privatização, controlo social, segregação ou individualismo. No entanto, os lugares urbanos, sejam edifícios ou cidades inteiras, podem atualmente ser construídos no sentido de promoverem as interacções entre indivíduos. Espaços públicos como parques e praças são lugares de excelência para a promoção de interacções porque são acessíveis a todos e devem ser construídos de modo a convidar os cidadãos para a sua frequência. Bares, restaurantes, igrejas e clubes são outros exemplos de lugares privados de engajamentos informais e organizacionais. O autor também identifica lugares ou aspetos que podem diminuir a probabilidade de interações, como os centros comerciais e outras áreas de comércio, que podem segregar, os guetos, que podem excluir e a poluição, que pode afastar os indivíduos. Os lugares também são lugares de poder, no sentido em que existe uma capacidade de dominar e controlar os indivíduos advinda dos significados que são atribuídos a certos lugares, como clubes exclusivos, sede de empresas, edifícios que espelham o domínio sobre a natureza ou lugares onde se exerce a política. O controlo social, formal e informal, também está associado aos lugares, como por exemplo o assédio ou perseguição a mulheres ou a indivíduos de grupos minoritários em espaços públicos. Os comportamentos e aparências também dependem muito de onde ocorrem. Neste sentido, os grafitis, a expressão da homossexualidade ou mesmo uma manifestação de rua, são exemplos do

30 que podem ser formas de resistência às normas que foram vinculadas aos lugares onde ocorrem. E por último, a transformação de espaços em lugares através dos significados atribuídos pelas pessoas aquando das ligações sentimentais e emocionais que estabelecem com os mesmos.

Segundo Urry (2004), os estudos sociológicos que abordaram o lugar destacam a sua multidimensionalidade e diversidade, aspetos que o autor agrupa nos seguintes pontos: i) O dinamismo inerente aos lugares, pois estes envolvem processos que abrangem uma grande amplitude de relações sociais. Cada lugar pode ser considerado como palco de interações face-a-face muito próximas e intensas ou como redes que se estendem a nível corpóreo, virtual e imaginário; ii) As relações entre as pessoas e os lugares, que variam com o género e a etnia, sobretudo em espaços urbanos, onde sobressaem interesses e representações masculinas e a importância da arquitectura urbana; iii) As finalidades na construção de certos espaços, que podem ser desenhados para ignorarem as diferenças entre os diferentes grupos sociais e para separar a vida íntima dos indivíduos das suas atividades públicas, nomeadamente a transformação dos espaços mais significativos das cidades em lugares orientados para o consumo e para o turismo e a criação de lugares de consumo completamente simulados, como os parques de atrações; iv) A importância dos objetos e atividades na construção do lugar, na medida em que estes participam na manutenção das comunidades e da vizinhança, como acontece com monumentos importantes, bares, centros comunitários e parques; v) A dependência dos lugares de vários tipos de mobilidade, nomeadamente o acesso aos vários objetos do lugar e a ligação com outros lugares, ao ponto de estes poderem ser criados através de redes de movimentos de indivíduos.

Documentos relacionados