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CAPÍTULO II REVISÃO DA LITERATURA

2.2 Place attachment (o apego ao lugar)

2.2.3 O Apego aos lugares naturais

Neste ponto destacam-se as conclusões de alguns estudos que têm relevância para enquadrar este trabalho, tendo em consideração que a Ria Formosa é palco de atividades de lazer e atividades profissionais, depósito de significados relacionados com a natureza, em particular com os Parques Naturais, mas também um espaço física e historicamente relacionado com a vila da Fuzeta, como se explicará no ponto 2.3.

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Estudo quantitativo através de questionário que incidiu sobre 481 residentes da cidade de Kavala, na Grécia, cidade que atualmente atravessa um grande desenvolvimento turístico.

49 Assim, existem contribuições oriundas de vários estudos que devem ser destacadas, nomeadamente as que analisam o apego das pessoas com o ambiente natural através dos significados atribuídos aos lugares naturais, das atividades de lazer e das atividades profissionais que decorrem nesses lugares e as que analisam a memória de experiências que ocorreram nos mesmos em fases anteriores da vida dos indivíduos.

Stedman et al. (2014), apoiados em vários estudos qualitativos que realizaram com recurso à fotografia e a entrevistas estruturadas para compreender a relação entre o apego aos lugares naturais em risco ou que necessitavam de recuperação, nomeadamente, o papel da gestão de parques naturais nos significados atribuídos e no apego ao lugar, defendem que muitas vezes os indivíduos não têm consciência do seu apego pelos lugares. A utilização de fotografias13 permitiu introduzir paulatinamente os participantes na reflexão sobre a importância que os elementos naturais tinham para eles sem a presença do investigador e foram as reflexões sobre os apegos à comunidade e as suas histórias pessoais, através das entrevistas, que permitiram compreender o apego ao lugar. Salienta-se ainda que, segundo Manzo e Devine-Wright (2014), os métodos baseados em fotografias têm a vantagem envolver mais participantes na investigação. Um dos estudos realizado por Stedman et al. (2014)14 sobre os Parques Naturais de

Newfoundland e Alberta, no Canadá, permitiu concluir que, em comunidades situadas

perto de importantes lugares naturais, não é possível separar os significados atribuídos à natureza dos atribuídos à cultura. A maioria das formas de apego eram baseadas em significados mistos, pois muitas fotografias representavam elementos naturais que tinham relação com outros aspectos, como as experiencias sociais.

Os resultados do estudo realizado por Wynveen et al. (2012) que visava compreender como os visitantes do Parque Marítimo da Grande Barreira de Coral australiana se apegam a esse lugar através dos significados que lhe atribuem,15 corroboraram outros estudos em que os significados atribuídos ao lugar medeiam a relação entre as

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Nos estudos realizados por estes os autores, estes entregaram aos participantes uma máquina fotográfica e pedem-lhes para tirarem fotografias de acordo com determinados critérios.

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Estudo que incluiu 80 indivíduos de quatro comunidades (vinte indivíduos de cada uma) localizadas em dois parques nacionais no Canadá, tendo sido entregue a cada um uma máquina fotográfica para que tirasse duas fotografias de cada elemento que mais os apegasse à sua comunidade, que mais significado tivessem ou que mais saudades sentiriam se se mudassem para longe. Posteriormente foram entrevistados para compreender as suas escolhas.

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Estudo que comportou um método misto de entrevistas para identificar os significados e questionários administrados a 324 indivíduos.

50 caraterísticas físicas e a intensidade do apego das pessoas, ou seja, quanto mais importantes são os significados, mais apegadas as pessoas estão e, por sua vez, mais significados atribuem a esse lugar. Assim, os aspetos físicos estão incluídos nos significados por tomarem parte na interação com o ambiente e com os outros. A prática de atividades recreativas distingue claramente os indivíduos mais apegados dos não apegados, pois contribui positivamente para a atribuição de significados, nomeadamente os que estão relacionados com as infra-estruturas, com a facilidade em praticar as atividades desejadas, e com o escape ao quotidiano.

Hufford (1992) estudou o apego de coletividades de homens à região Pine Barrens de New Jersey através da atividade da caça à raposa num trabalho etnográfico que durou dez anos. Em termos de significados atribuídos, a autora destaca os que estão relacionados com o ritual da apresentação cerimonial efetuada no local que marca o início da actividade, o significado atribuído à separação entre o mundo da vida quotidiana e o mundo da caça à raposa e os relacionados com a memória de acontecimentos em determinados lugares. A floresta ocupa uma posição central no apego dos homens uns aos outros, dos homens com os seus cães e na importância da preservação da floresta. Na atividade da caça à raposa, a autora destaca as ligações recorrentes e cíclicas entre homens, animais e a floresta e uma cultura que está associada à história da atividade, através da repetição de acontecimentos ricos e complexos que as pessoas tornam significativos.

A memória é um aspeto central em autores como Riley (1992), que associam diretamente o apego ao lugar à memória, pois independentemente do apego estar ligado a elementos físicos, à cultura ou à experiência individual, é a memória que torna o fenómeno mais do que uma simples resposta a um estímulo. Para este autor, a paisagem é parte da experiência e pode tornar-se num símbolo dessa experiência, seja ela partilhada ou não, boa ou desagradável. O apego surge assim, não com a paisagem em si, mas com a memória desse apego e da experiência revivida, ou seja, com uma paisagem imaginária que tem mais significado, poder e importância para o indivíduo do que a paisagem experimentada.

Também os estudos de Wilkins e Urioste-Stone (2018) e de Reineman e Ardoin (2018), já referidos, abordam a relação entre o apego ao lugar e a participação em atividades de

51 lazer. No estudo de Wilkins e Urioste-Stone (2018), os resultados corroboraram a ideia de que há uma correlação positiva entre a participação em atividades recreativas, o tempo de duração da visita e o apego ao lugar. Os autores concluíram ainda que o número de atividades praticadas não é um preditor significativo do apego ao lugar, mas o tipo de atividades é, pois os indivíduos que praticam atividades ligadas à natureza são os que revelaram um apego ao lugar mais forte. No estudo de Reineman e Ardoin (2018), sobre os lugares de prática de surf, a maioria dos participantes revelou que desenvolveu e mantem um apego com os lugares onde pratica surf. Os significados envolvidos nesse apego estavam relacionados com a valorização das características físicas das ondas, com a acessibilidade do lugar, com as interações com os outros surfistas e com experiências pessoais. Os autores concluíram ainda que os lugares frequentados pelos surfistas não são apenas lugares de recreação ou substituíveis por outros quaisquer, são lugares de profundo significado e apego.

Ainda relativamente às atividades de lazer, destaca-se o estudo de Tsaur et al. (2014) sobre os indivíduos que praticam caminhadas no Parque Nacional de Yangmingshan, em Taiwan 16. Os autores concluíram que quanto maior a frequência de participação na atividade, maior é o valor atribuído ao lugar e maior a dependência relativamente a ele, logo, maior o apego ao lugar. As variáveis que influenciam o apego ao lugar incluem características individuais (como a saúde), as características do lugar (como a acessibilidade), a prática da atividade em si (como o envolvimento dos indivíduos) e os benefícios da sua prática. Os autores concluíram ainda que a repetição das interacções com outros indivíduos promove o desenvolvimento de ligações emocionais com o lugar. Outros estudos cuja mobilização é pertinente para o presente trabalho são os que relacionam o apego ao lugar com as atividades profissionais, nomeadamente as que são desenvolvidas em espaços naturais, como por exemplo a de operador turístico. Nesta vertente, destaca-se o estudo de Schilar e Keskitalo (2017) realizado em Jukkasjärvi, na Suécia,17 que analisa as perceções da natureza no apego ao lugar de actores turísticos. Os autores concluíram que todos os participantes tinham fortes ligações com os lugares

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Estudo quantitativo em que foram administrados questionários face-a-face a uma amostra por conveniência, perfazendo 302 questionários validados.

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Estudo qualitativo que inclui uma das maiores atrações turísticas da Suécia, o Ice Hotel, através de entrevistas semi-estruturadas a onze atores turísticos que visavam a recolha de informações acerca da história pessoal, das percepções que estes tinham do lugar, da incorporação deste e também da sua venda.

52 em que praticavam a sua atividade profissional e que essas ligações parecem constituir um motivador chave para essa atividade. As narrativas de alguns participantes continham ligações significativas e enraizadas com os lugares e também uma vontade em promover o lugar e as atividades profissionais e recreativas que praticam. A percepção dos lugares como ideais para a prática da atividade profissional está relacionada não só com uma dimensão funcional do ambiente, mas também com um apego emocional, nomeadamente com o clima e com as temporadas de neve.

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