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4.1 Terminologia

4.1.2 A Socioterminologia

Como já indicamos antes, a Socioterminologia nasceu da aproximação da Terminologia com a Sociolinguística, o ramo da Linguística que estuda as relações entre língua e sociedade. François Gaudin é um dos nomes que se destaca nesta escola. Ainda que o termo já tivesse sido usado por outros autores, é a sua tese, intitulada Pour une socioterminologie — des problèmes sémantiques aux pratiques institutionnelle, que estabelece com mais propriedade os princípios da Socioterminologia.

No artigo intitulado Socioterminologia: um itinerário bem sucedido, Gaudin

80 François Gaudin é Professor de Ciências da Linguagem na Universidade de Rouen, na França. Ministra disciplinas de Lexicologia, Semântica, Lexicografia, História dos dicionários, Epistemologia, Sociolin- guística e desenvolve pesquisa em terminologia, socioterminologia, história dos dicionários, lexicografia, lexicologia (UNIVERSITÉ DE ROUEN, ). A sua tese de doutoramento, intitulada Terminologie : des problèmes sémantiques aux pratiques institutionnelles, publicada em 1993, é considerada a obra que estabece os princípios da Socioterminologia.

81 Maria Teresa Cabré é doutora em Filosofia e Letras pela Universidade de Barcelona e professora catedrática da Universidade Pompeu de Fabra desde 1994. Na sua carreira tem uma grande atuação junto a muita instituições catalãs, podendo-se citar o Instituto Universitário de Linguística Aplicada (IULA) da Universidade Pompeu Fabra e o Grupo de Pesquisa IULATERM. Também ocupou cargos e funções de destaque junto à Rede Panlatina de Terminologia (REALITER), Associação Espanhola de Terminologia (AETER), Centro de Terminologia da Catalunha (TERMCAT) e Rede Ibero-americana de Terminologia (RITerm) (KRIEGER; SANTIAGO; CABRÉ, 2013, p. 328).

esclarece que o termo apareceu em alguns trabalhos ainda na década de 1980, mas que o conceito se firmou e se tornou preciso no quadro dos trabalhos universitários na década de 1990, especialmente em trabalhos desenvolvidos por pesquisadores franceses e quebequense82. O autor relembra que tais trabalhos estão associados aos

questionamentos da biunivocidade da significação do termo, de uma monossemia ligada ao pertencimento a um domínio e de conceito ligado a um método onomasiológico, pressupostos esses defendidos pelos defensores da TGT. Complementa ainda que, ao mesmo tempo, foi uma abordagem interacionista e sociolinguística que permitiu reconsiderar os discursos institucionais, técnicos e científicos com acentuado conteúdo terminológico (GAUDIN, 2014, p. 295).

De acordo com Alves (2003, p. 229), o pesquisador francês definiu a terminologia como um ramo da lexicologia, que não se limita às aplicações relativas à tradução, à documentação e à normalização. Para Gaudin, a Terminologia é uma disciplina que tem por objetivo o estudo dos termos, isto é, os vocábulos que servem para veicular as significações socialmente regulamentadas e inseridas nas práticas institucionais ou no interior dos conhecimentos.

Gaudin destaca que um aporte teórico importante para a Socioterminologia foi a linguística da interação, a partir da qual os termos deixam de ser vistos como signos linguísticos e passam a ser considerados como formas extraídas de trocas reais, na linguagem, e ligadas a tipos de interações definidas. Nas suas palavras:

Hoje, convém-nos, depois que a semântica se impôs, que o termo se caracterize pela sua significação, de acordo com uma norma, do ponto de vista social. Trata-se de um controle social do sentido, que se exerce de maneira concertada, mais ou menos espontânea, de modo planificado ou conforme a significação que venha a ser fixada (GAUDIN, 2014, p. 300).

Na sua tese Gaudin (1993, p. 16-18) propõe uma terminologia baseda na ob- servação do funcionamento da linguagem e no estudo das condições de circulação social dos termos, uma vez que os termos circulam em um “mercado de significados” das ciências e das técnicas. Assim, os estudos de Socioterminologia voltam-se para a circulação e apropriação social dos termos e aproximam-se da análise do discurso. Nas palavras de Gaudin,

82 Ao resenhar a publicação Socioterminologie: une approache sociolinguistique de la termonologie, Ieda Maria Alves indica que Gaudin reconhece que a perspectiva sociolinguística dos termos é desenvolvida conjuntamente na França e no Quebéc, baseada em elementos anteriormente esboçados por Louis Guilbert e Alain Rey nos anos 1970. E que o termo, utilizado na década de 1980 por Jean Claude Boulanger, Pierre Lerat e Monique Slodzian, precede o desenvolvimento teórico da disciplina (ALVES, 2003, p. 230).

A Socioterminologia tem uma dimensão sociocrítica, como toda semân- tica do discurso, à medida que liga a produção de sentido às condições de sua origem. A circulação dos termos é projetada sob o ângulo da diversidade dos usos sociais, o que engloba o estudo das condições de circulação e apropriação dos termos, considerados como signos linguísticos, e não como etiquetas de conceitos.

Os termos são usados coletivamente pelos falantes e servem de deno- minações oficiais e de marcadores identitários; circulam nos setores da experiência humana, no âmbito de esferas da atividade, limitado, algu- mas vezes, a domínios circunscritos. Estas são as múltiplas facetas dos discursos reais e desconhecidos, ligados à produção de conhecimentos, às regras e a objetos manufaturados (GAUDIN, 2014, p. 304).

Enilde Faulstich, pesquisadora brasileira com vários trabalhos com enfoque socioterminológico, assim define a Socioterminologia:

A socioterminologia é, portanto, um ramo da terminologia que se propõe a refinar o conhecimento dos discursos especializados, científicos e técnicos, a auxiliar na planificação lingüística [sic] e a oferecer recursos sobre as circunstâncias da elaboração desses discursos ao explorar as ligações entre a terminologia e a sociedade (FAULSTICH, 2006, p. 29).

Outra questão marcante da Socioterminologia é a aceitação tanto de uma abor- dagem sincrônica como diacrônica. Desta forma, na abordagem proposta por Gaudin, o estudo sincrônico remete à circulação dos conhecimentos e a análise diacrônica concerne à história das ciências, das técnicas, dos discursos socialmente regulamenta- dos, e também, à história das ideias (ALVES, 2003, p. 229-230). Segundo Gaudin, a Socioterminologia não pode ignorar a história, a qual permite recuperar o estudo dos fenômenos em toda a sua dimensão humana. Nas suas palavras:

A socioterminologia, que pressupõe um esforço multidisciplinar, não pode ignorar a história —- o que também é uma boa maneira de res- taurar o estudo dos fenômenos em toda a sua dimensão humana. Este aspecto é ainda mais importante porque a especificidade teórica da terminologia parece-nos, em última instância, residir na sua relação com o conhecimento. Prática regulamentada, prática reguladora, a ativi- dade das terminologias requer contato direto com o desenvolvimento do conhecimento, amplamente compreendido e não com sua mera comunicação (GAUDIN, 1993, p. 214, tradução nossa).83

A proposta da observação social do uso e circulação dos termos e a aceitação de análises tanto sincrônicas como diacrônicas, inevitavelmente conduz ao reconheci- mento e aceite da variação terminológica. Na Socioterminologia, assim como na TCT,

83 No texto original: La socioterminologie, qui suppose un effort pluridisciplinaires, ne saurait ignorer l´histoire — laquelle constitue également un bon moyen de restituer à l’étude de phenomenés toute leur dimension humaine. Et cet aspect a d’autant plus d’importance que la spécificité théorique de la terminologie nous semble, en dernier ressort, résider dans son rapport aux connaissances. Pratique réglée, pratique réglante, l’áctivité des terminologies nécessite un contact direct avec le développement du savoir, compris largement, et non pas avec sa seule communication.

em oposição à TGT, que defendia a monossemia e monoreferencialidade, a variação dos termos é um dos eixos principais.

Sobre a variação, Enilde Faulstich afirma que,

(. . . ) a pesquisa socioterminológica deverá considerar que os termos, no meio lingüístico e social, são entidades passíveis de variação e de mudança e que as comunicações entre membros da sociedade são capazes de gerar conceitos interacionais para um mesmo termo ou de gerar termos diferentes para um mesmo conceito (FAULSTICH, 2006, p. 30).

Esta autora ressalta que a variação terminológica, no quadro da interpretação socioterminológica, considera que as variantes são resultantes dos diferentes usos que a comunidade, em sua diversidade social, linguística e geográfica, faz dos termos (FAULSTICH, 2001, p. 21-22). Defende ainda que, nas linguagens de especialidade, forma e conteúdo podem variar, tanto na diacronia como na sincronia (FAULSTICH, 2006, p. 28), questões estas, como visto, estabelecidas como princípios da Sociotermi- nologia por François Gaudin.

Em síntese, a Socioterminologia propõe uma abordagem que se abre para uma análise diacrônica ou sincrônica, considera a circulação e apropriação social dos termos dentro dos seus contextos sociais, aceitando a variação como uma característica natural das linguagens.