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4.1 Terminologia

4.1.1 A Teoria Geral da Terminologia — TGT

Como se indicou antes, o acelerado avanço da ciência e da tecnologia e a internacionalização das ciências no século XX resultou em um renovado interesse pela terminologia. A partir dos anos de 1930, os estudos linguísticos sobre os termos de domínios especializados desenvolveram-se paralelamente na Áustria, Rússia e na então Checoslosváquia75. As escolas denominadas clássicas, caracterizadas por

suas propostas normativas, são reconhecidas por terem implantado as bases da disciplina da Terminologia. A partir desses três núcleos de origem, o estudo e a prática da terminologia se estendeu para outros países e regiões. De acordo com as características e circunstâncias de cada país, foram desenvolvidos estudos que priorizaram aspectos diferenciados da proposta inicial.76

A escola vienense, fundada pelo austríaco Eugene Wüster, foi a que mais se difundiu pelo mundo ocidental. Cabré (1993, p. 39) atribui sua importância por ter sido a única que desenvolveu um corpus sistemático de princípios e fundamentos, os quais constituem a base de toda a terminologia teórica e prática moderna.

A tese de doutoramento do engenheiro Eugene Wüster (Internationale Spra- chnormung in der Technick, besonders in der Elektrotechnik), apresentada na Univer-

75 Os marcos da origem da terminologia moderna, de acordo com Gaudin (1993, p. 24), são as publicações da tese de Eugene Wüster em Viena em 1931 e o primeiro artigo de D. S. Lotte em Moscou, no mesmo ano. Gaudin esclarece que estes dois fatos bibliográficos não são isolados da criação de instituições ligadas às instâncias internacionais de normalização técnica e da criação de Comitês de terminologia. 76 Cabré (1993, p. 39) indica que, em uma primeira fase, a expansão da terminologia foi para Oeste (França,

Canadá e Quebec) e para o Norte (Bélgica, Dinamarca e países nórdicos; em uma segunda etapa mais recente, se expande para o Sul (países do norte da África, África sub-sahariana, América central e meridional, Portugal e Espanha) e, ainda mais recentemente, para o Leste (China e Japão).

sidade de Viena em 1931 é considerada o marco inicial da Escola de Viena. A obra póstuma de Wüster – “Introdução à Teoria Geral da Terminologia e à Lexicografia Terminológica” –, considerado o marco teórico da Teoria Geral da Terminologia – TGT, foi publicado em 1979, na Alemanha, pelo seu discípulo Helmut Felber, que reuniu os manuscritos e notas de aulas do mestre.

O que caracteriza essa teoria é o foco no conceito, a busca de uma univocidade, no sentido de estabelecer a exata delimitação dos conceitos, uma orientação prescriti- vista voltada para a normatização e a padronização dos termos. Para tanto, segue-se uma metodologia onomasiológica, na qual se parte da noção ou conceito da área em foco para depois determinar as formas linguísticas a ele correspondentes.77

De acordo com Krieger e Finatto, as escolas denominadas clássicas

(. . . ) apresentam algumas características comuns, em que se sobrepõe a valorização da dimensão cognitiva dos termos e o delineamento de diretrizes para a sistematização dos métodos de trabalho terminológico, visando com isso, a padronização dos termos técnicos e, por vezes, o aparelhamento das línguas para responderem às exigências de uma comunicação profissional eficiente (KRIEGER; FINATTO, 2004, p. 31).

Cabré assim sintetiza as propostas do fundador da escola vienense:

Wüster estabeleceu para a terminologia um objeto de análise e funções de trabalho bastante restritos. Assim, e de acordo com as suas palavras, a atividade terminológica limitava-se a recompilação de conceitos e de termos para a normalização (fixação de noções e denominações estan- dartizadas) dos termos de especialidade (isto é, das unidaes integradas pela associação de um conceito e uma denominação, de caráter simbó- lico, próprias da ciência e da técnica) com a finalidade de assegurar a univocidade da comunicação profissional, fundamentalmente no plano internacional (CABRÉ, 2005, p.76, tradução nossa).78

Ao analisar a perspectiva vienense de terminologia, Anna Maria Becker Ma- ciel afirma que Wüster estava preocupado com a transferência da tecnologia e o intercâmbio de informações no âmbito internacional e almejava contribuir para a uni- vocidade da comunicação, superando as imprecisões e a polissemia da linguagem

77 Bessé, Nkwenti-Azeh e Sager (2011, tradução nossa) estabelecem as seguintes definições relacionadas às abordagens onomasiológicas e semasiológicas:

- Onomasiologia - o estudo dos significados, a partir de conceitos, a fim de estabelecer a sua designação. - Semasiologia - a atividade de estudar as relações entre sinal e símbolos e seus significados. Nota: Os métodos utilizados na análise semasiológica começam a partir de palavras e procuram estabelecer sua denotação.

78 No texto original: Wüster estableció para la terminología un objeto de análisis y unas funciones de trabajo bastante restrictivos. Así, y de acuerdo con sus palabras, la actividad terminológica se limitaba a la recompilación de conceptos y de términos para la normalización (fijación de nociones y denomi- naciones estandarizadas) de los términos de especialidad (es decir, de las unidades integradas por la asociación de un concepto y una denominación, de carácter simbólico, propias de la ciencia y de la técnica) con la finalidad de asegurar la univocidad de la comunicación profesional, fundamentalmente en el plano internacional.

técnica e científica. Para a pesquisadora, a proposta wüsteriana de terminologia é marcada pelo positivismo lógico do Círculo de Viena, que teve grande influência no panorama científico europeu nos anos 30 do século XX. Maciel afirma ainda:

O fascínio de Wüster pela utopia universalista do positivismo o fez acre- ditar na ideologia do progresso da humanidade e nessa ótica, o ideal da unidade da ciência levou-o a defender a categorização fixa dos ter- mos, sua organização monolítica e a classificação hierárquica de suas propriedades, concretizadas na constituição de estruturas conceituais, denominadas árvores de domínio. Assim, tais estruturas cognitivas, de acordo com o modelo cumulativo da Ciência, deveriam, ampliadas e uni- das umas às outras, instaurar o conhecimento científico universal, então considerado o único verdadeiro e digno do nome de Ciência (MACIEL, 2001, p. 36).

Na sua análise, Maciel acrescenta ainda que a conjugação da abordagem empi- rista e o formalismo lógico-matemático de Viena, associado ao contexto sócio-político dos países do Leste europeu nos anos de 1930, especialmente Áustria, Checoslováquia e União Soviética, (orientação estruturalista do Círculo de Praga, e o reducionismo lin- guístico então vigente na Rússia, vividos no clima político do pós-guerra 14-18), foram decisivos na formação do conjunto de postulados e métodos que as ideias divulgadas por Wüster incorporaram (MACIEL, 2001, p. 37).

A partir do seu núcleo inicial, a Escola de Viena expandiu-se para inúmeros outros países e por décadas alcançou uma grande proeminência nos estudos termi- nológicos. Krieger e Finatto (2004, p. 32) afirmam que a teoria wusteriana justifica seu papel de referência porque auxiliou a Terminologia a estabelecer-se como campo de conhecimento com fundamentos epistemológicos e definir um objeto próprio de investigação. No entanto, não ampliou o seu poder explicativo, consolidando somente as orientações metodológicas à produção terminográfica de fundamento prescritivo. Para as autoras,

(. . . ) as bases teóricas da Escola de Viena, antes que um aprofunda- mento reflexivo, equivalem mais a princípios de uma disciplina, cuja vocação primeira está associada à missão de controlar e padronizar os usos terminológicos em escala mundial. Donde a crítica a seu caráter redutor, que mais contemporaneamente passou a ser feita (KRIEGER; FINATTO, 2004, p. 33).

Ainda que atualmente a Teoria Geral da Terminologia continue tendo sua impor- tância reconhecida em vários campos, especialmente naqueles que exigem processos de comunicação estandardizados, nas últimas décadas do século XX as proposições da TGT começaram a ser questionadas. Maciel aponta as motivações de críticas à terminologia dos seguidores de Wuster:

(. . . ) a Terminologia wüsteriana vê o termo, na dimensão unilateral de elemento do sistema cognitivo, como unidade semiótica composta de conceito e denominação, circunscritos dentro de um campo especiali- zado. Tal enfoque concebe os termos como unidades estáticas, vistas em uma perspectiva sincrônica, considerada dentro do registro formal, de preferência escrito, que não admite sinonímia, nem variação semân- tica ou morfológica. Assim normalizados para assegurar a univocidade dos conceitos e garantir a qualidade da comunicação técnica e cien- tífica, os termos são, por assim dizer, uniformes, sem qualquer valor pragmático, servindo para todo tipo de comunicação (MACIEL, 2001, p. 43).

Cabré aponta especialmente os problemas relacionados às exigências múltiplas e diversificadas das situações de comunicação do mundo contemporâneo, para as quais a TGT e seus postulados não dão conta. Nas suas palavras:

Atualmente, a proposta de Wüster é objeto de revisão por parte de muitos especialistas em terminologia, uma vez que, por seu caráter reducionista e idealista, os especialistas a consideram insuficiente para dar conta das unidades terminológicas em um quadro comunicativo plural. Tanto a concepção global da unidade terminológica e sua limi- tação a unidade denominativa, com todas as consequências que isto implica (desconsideração com os aspectos sintáticos, negação da varia- ção, desconhecimento dos aspectos comunicativos dos termos), como a importância que se dá aos aspectos de normalização dentro da co- municação profissional internacional, confirmam o caráter reducionista e idealista desta teoria. A TGT baseia-se em uma suposta homogenei- dade e universalidade do conhecimento especializado e no desejo de unificação das formas de expressão que não confirmam os dados empí- ricos, com exceção de algumas áreas (CABRÉ, 2002a, p. 2, tradução nossa).79

Os questionamentos aos postulados da TGT se intensificam especialmente a partir das últimas décadas do século XX, quando ganham espaços os estudos de ter- minologia voltados para o funcionamento linguístico e comunicativo dos termos. Barros afirma que surgiu uma nova linha de raciocínio, na qual o conceito

passou a ser dimensionado em uma perspectiva do significado, unidade de pensamento maior que congrega também elementos pragmáticos. O signo terminológico passou a ser tratado de acordo com a concepção saussureana de unidade entre o significante e o significado (BARROS, 2006, p. 22).

79 No texto original: Actualmente, la propuesta de Wüster es objeto de revisión por parte de muchos especi- alistas en terminología, ya que, por su carácter reduccionista e idealista, los especialistas la conside- ran insuficiente para dar cuenta de las unidades terminológicas en un marco comunicativo plural. Tanto la concepción global de la unidad terminológica y su limitación a unidad denominativa, con todas las consecuências que esto conlleva (olvido de los aspectos sintácticos, negación de la variación, ignorancia de los aspectos comunicativos de los término), como la importancia que se da a los aspectos de nor- malización dentro de la comunicación profesional internacional, confirman el carácter reduccionista e idealista de esta teoria. La TGT se basa en una supuesta homogeneidad y universalidad del conocimi- ento especializado y en el deseo de unificación de las formas de expresión que no confirman los datos empíricos, con excepción de algunos ámbitos.

Krieger e Finatto (2004, p. 30) fazem uma distinção das escolas, entre aquelas cujos estudos caracterizam-se por privilegiar um enfoque cognitivo do fenômeno ter- minológico, e de outras que se desenvolvem a partir de uma visão do funcionamento linguístico dos termos. Segundo as autoras, no primeiro caso prevalece uma perspec- tiva normativa sobre as terminologias. No segundo, prevalece o fundamento descritivo sobre o léxico especializado, que ganha impulso com o desenvolvimento da linguística.

Essas autoras também apontam para o surgimento de um pensamento inovador, cuja particularidade está na proposição de compreender a unidade terminológica à luz de um ponto de vista descritivo, intensificando-se os estudos fundamentados na complexidade que envolve o funcionamento das terminologias, como qualquer outra unidade da língua natural (KRIEGER; FINATTO, 2004, p. 34).

Novas escolas e novas teorias surgiram a partir da revisão crítica dos pressu- postos da TGT, como a Socioterminologia, que se desenvolveu a partir da aproximação de pesquisadores franceses e canadenses com a Sociolinguística, com destaque para os trabalhos desenvolvidos por François Gaudin80, e Teoria Comunicativa da Terminolo-

gia — TCT, proposta por Maria Teresa Cabré81, junto ao grupo de pesquisadores do

Instituto de Linguística Aplicada (IULATERM), da Universidade Pompeu de Fabra, em Barcelona. Estas duas vertentes da Terminologia contemporânea, que se constituem no referencial teórico desta pesquisa, são abordadas nos tópicos seguintes.