• Nenhum resultado encontrado

A soja no Brasil: do Pós-Guerra ao PRODECER

CAPÍTULO I OS CERRADOS DO CENTRO-NORTE DO BRASIL COMO

1.2 A soja no Brasil: do Pós-Guerra ao PRODECER

A importância da soja para o cenário econômico brasileiro remete ao fim da década de 1960 e início da década de 1970, quando o grão passa a fazer parte das estratégias econômicas por ser produzida e escoada na entressafra da produção americana, bem como pela crescente demanda por farelo de soja, principal fonte de alimentação para criação animal. (EMBRAPA, 2019)

As mudanças de hábitos alimentares a nível mundial e o aumento do consumo de carnes também impulsionaram a produção progressiva e a necessidade de expansão das áreas plantadas. Outro fator de extrema influência para a produção de soja brasileira foi a necessidade de reerguimento de países no Pós-Guerra.

Neste contexto inclui-se, por exemplo, o Japão e sua necessidade por garantir a provisão estável de recursos e alimentos, levando a desenvolver neste período muitos projetos estratégicos – os chamados “Projetos Nacionais” – do tipo “desenvolvimento de recursos”, inclusive entre o governo japonês e brasileiro. (JICA, 2009)

A cooperação técnica entre Brasil e Japão teve início no ano de 1959, sendo regulamentada pelo Acordo Básico de Cooperação Técnica Brasil-Japão, documento assinado em agosto de 1971, estando o Brasil representado pelo Ministério das Relações Exteriores, por meio da Agência Brasileira de Cooperação e o Japão pela Agência de Cooperação Internacional do Japão ou Japan International Cooperation Agency (JICA). (BRASIL, 2019)

As ações da JICA envolvem temas relacionados à globalização e seus reflexos no que diz respeito a mudanças climáticas e questões relacionadas à água, alimentos e doenças infecciosas; redução da pobreza e crescimento; melhoria da governança, como políticas e sistemas de governo de países em desenvolvimento; além de assuntos que tangem a garantia da segurança humana. (JICA, 2009)

Assim, no início da década de 1970, uniu-se a necessidade do Japão de diversificar seus fornecedores de grãos e suprir suas demandas às aspirações do Brasil por aumento de produtividade e desenvolvimento, especialmente em áreas não exploradas. Desta união, foi criado, em 1974, o Programa de Cooperação Nipo-Brasileiro para o Desenvolvimento Agrícola dos Cerrados (PRODECER), por meio do qual, recebeu-se investimento financeiro do Japão para desenvolvimento de pesquisa a fim de melhoria de produção, a qual ficou a cargo da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA Cerrados). Outro

programa governamental que se desenvolveu anteriormente foi o Programa de Desenvolvimento Agrícola do Cerrado (POLOCENTRO) que visou promover a ocupação racional dos Cerrados do Centro-Oeste (Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais), entretanto estas áreas não se encontram abarcadas por este estudo.

Por sua vez, o PRODECER funcionava de forma que o governo federal repassava os recursos estrangeiros para os governos municipais e estaduais, que tinham o dever de melhorar a infraestrutura socioeconômica. Também se envolvia a iniciativa privada, para fins de infraestrutura, e a Embrapa, para fins de pesquisa. Para viabilizar o programa, foi fundado um órgão coordenador, a Companhia de Promoção Agrícola (CAMPO), constituída por uma

holding brasileira - a Companhia Brasileira de Participação Agroindustrial (BASAGRO) - e

uma holding japonesa - a Companhia Nipo-Brasileira de Desenvolvimento Agrícola (JADECO). (PESSÔA, 1988, apud PESSÔA; INOCÊNCIO, 2014)

O PRODECER foi desenvolvido em três fases: PRODECER I (1980), no oeste de Minas Gerais, PRODECER II (1987), se estendendo para Goiás, Mato Grosso do Sul e Bahia e PRODECER III (1995), expandindo para Maranhão e Tocantins, impactando em um reordenamento territorial destas áreas estratégicas para suprimentos agrícolas a nível internacional. Apesar do desenvolvimento econômico que se concretizou com a soja e de abertura a outras culturas como o café, a cana-de-açúcar e o eucalipto, o PRODECER causou enormes impactos à população que já habitava essas áreas previamente, especialmente no que diz respeito a questões sociais, culturais e ambientais. (PESSÔA; INOCÊNCIO, 2014)

Tais políticas e programas impulsionaram o avanço do agronegócio na região dos Cerrados do Centro-Norte do Brasil promovendo grandes mudanças socioeconômicas. Cardoso e Socoloski (2015), em estudo sobre os fluxos migratórios do Rio Grande do Sul com destino ao Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, afirmam que esta região tem sofrido um grande processo de transformações do espaço agrário e urbano, protagonizado por migrantes sulistas, que há cerca de três décadas buscam áreas para expansão agrícola. Os autores afirmam ainda que as mudanças, que se originam em atividades agrícolas, provocam transformações também em outros setores econômicos, na organização espacial e nas relações entre espaços rurais e urbanos.

Alves e Rolim (2015) afirmam também que os fluxos migratórios atrelados ao agronegócio alteram a estrutura econômica da região, promovendo o crescimento do setor de serviços e comércio nas “cidades do agronegócio” e, por outro lado, efeitos negativos à população local com baixa qualificação que “migram para outra região, na medida em que o

crescimento econômico verificado não representa melhorias efetivas de qualidade de vida dessa população”. Os autores expõem ainda que a modernização da região baseada na produção moderna de grãos aumenta o número de postos de trabalho formais, bem como o preço da terra dessa região e os conflitos decorrentes de expropriações; por sua vez, não há absorção dos trabalhadores da região, que em sua maioria tem baixa qualificação, resultando em aumento de trabalhadores sem emprego e manutenção da pobreza na região. (ALVES; ROLIM, 2015)

Nesse sentido, observa-se que o discurso de desenvolvimento e progresso promovido pelo agronegócio, que por vezes é apresentado como certo, deve ser tratado com cautela, uma vez que as ações que se deram na região dos Cerrados do Centro-Norte, por exemplo, nem sempre repercutem em melhoria da qualidade de vida para população local, impactando inclusive de forma negativa em questões como expropriações de terras, migrações compulsórias e desemprego.

Diante dessas questões, a compreensão de como se dá a oferta de qualificação nessa região faz-se necessária; o mapeamento do ensino superior presente na região dos Cerrados do Centro-Norte apresentado no Capítulo II dessa dissertação baseia-se nesta necessidade.