• Nenhum resultado encontrado

3. SOLIDARIEDADE AMBIENTAL: uma releitura interdisciplinar e intergeracional

3.1 A solidariedade socioambiental intergeracional

A considerabilidade que se remete à dimensão intergeracional denota o princípio (dever) da solidariedade para um rol de responsabilidades de forma que sejam resguardadas condições existenciais, a priori; como também remonta à necessidade de manutenção de uma sadia qualidade de vida, perpassando das ancestrais às futuras gerações.

Carson (2002) denota que não havia previsibilidade pelas gerações antepassadas da necessidade de se estabelecer uma proteção sui generis, haja vista que o estágio de degradação ambiental e todas as alterações antrópicas impostas à natureza nunca foram antes observadas ou imaginadas como se apresentam na contemporaneidade.

Desse modo, o amparo às contribuições, valores, herança e condições mínimas existenciais deve ter como norte balizador, também, o que as gerações anteriores não resguardaram, não por falta de observância ou comprometimento, mas por inexistência de subsídios e informações acerca dos riscos, como também de mecanismos para a previsibilidade ou ainda a aplicação concreta, na atualidade, do princípio da prevenção.

Seguindo esse entendimento, não é cediço observar que a conjugação do direito ao desenvolvimento ratificado pela Declaração e Programa de Ação de Viena promulgada na 2ª Conferência Mundial Sobre Direitos Humanos de 1993 e o direito a qualidade ambiental que assegure vida digna, bem-estar e sua manutenção expostos na Declaração de Estocolmo de 1972 trazem a solene responsabilidade de proteger e melhorar o meio ambiente.

Essa proteção visa assegurar a qualidade e perenidade para as presentes e futuras gerações, as quais, inclusive, pode ter como marco temporal e qualitativo os caracteres e herança (material e imaterial) advindos das gerações ancestrais e os indicadores qualitativos e processos passíveis de recuperação e regeneração daqueles.

Os valores e estado ambiental de outrora servem de referenciais para fins de preservação e conservação29, como referenciam necessidades que não foram suplantadas, tanto econômicas e sociais, mas que levaram a estágios de degradação ambiental.

29

Conservação significa proteção dos recursos naturais com utilização racional, uso sustentável. Preservação significa manter a proteção integral, o recurso permanece intacto, intocável e sem interferência da ação humana.

Nessa mesma linha, Gadamer (2001) deixa pressupor que todo caminho percorrido e estabilidade social são fruto de um otimismo não utópico, trilhado pela solidariedade. Ela carrega os valores que por via de consequência são aqueles trazidos pela tradição, muitas vezes envolta de uma autoridade não determinativa, mas com propriedade.

A solidariedade pressupõe comprometimento e não se restringe ao envolvimento ou simples participação dos atores sociais, mas uma verdadeira sensibilização e estado de pertença, uma relação sistêmica e de identidade.

Durkheim (1999) esclarece que a cooperação não produz a sociedade, ao contrário, a cooperação se dá a partir de vínculos, tais como afinidade, ligação a um mesmo solo, culto aos mesmos antepassados, comunidade de hábitos, dentre outros.

O comprometimento se dirige aos efeitos deletérios ao meio ambiente, pois esses podem afetar de forma direta o território, a base do próprio Estado, o qual qualificou e corporificou no âmbito de sua Constituição a tutela da natureza. A responsabilização prevê as sanções ou consequências sócio-jurídicas que suscitarão resposta imediata da coletividade ou do Estado por intermédio dos atos de seus Poderes.

De acordo com Saladin (1994 Apud Bosselmann, 2010), o idealizador da reforma constitucional suíça, a questão ambiental se concentra em três princípios éticos: a) solidariedade (justiça intrageracional); b) respeito humano pelo ambiente não humano (justiça interespécies) e c) responsabilidade para com as futuras gerações (justiça intergeracional). Eis o cerne da justiça ecológica, tal qual sucedeu com a Constituição do Equador de 2008, a qual considerou e caracterizou os valores advindos de outras gerações e os projetou para as presentes e futuras, consolidando uma concepção Socioambiental de Direito.

A afirmação de um Estado Socioambiental de Direito30 pode acarretar na redefinição dos papeis do Estado e redirecionar os pilares que o conjugaram: liberdade, igualdade e fraternidade de modo incisivo sobre o território, um de seus elementos constituintes. Nele se estabelecem as relações sociais, se retira o sustento do povo (outro elemento fundante) e se conjugam a identidades cultural e histórica (raízes da soberania, a qual é, também, elemento da formação do Estado).

30

Para Sarlet e Fenstenseifer (2008), o modelo contemporâneo de Estado de Direito, o Estado Liberal foi superado pelo Estado Social, este por sua vez foi superado pelo Estado Socioambiental, também conhecido como Pós-Social sem negar e abandonar as conquistas dos demais. O novo modelo de Estado agrega uma dimensão ecológica, além de estar comprometido com a estabilização e prevenção de riscos. Surge o constitucionalismo socioambiental ou ecológico, na correção de desigualdades, manutenção de condições mínimas de bem-estar, proporcionando o desenvolvimento sustentável mantendo os três pilares (econômico, social e ambiental) e dever de tutela ecológica.

Desta feita, a gestão da coisa pública perpassa pelo trato com as conseqüências advindas da modernidade, sem deslindar-se das relações e compromissos assumidos, ainda que tacitamente no passado. A natureza sendo o substrato imprescindível e elemento vital para a existência da humanidade não pode estar à mercê de riscos potenciais ou vir a fenecer de forma que se desconsidere o legado deixado pelas gerações de outrora e o que se deixa para as gerações futuras, pois dele depende a continuidade da vida.

A todo instante são produzidos riscos, cuja potencialidade depende diretamente do grau de interação que o homem constitui com a Natureza. Estabelecer deveres fundamentais de cunho transnacional, com as pessoas da mesma geração, das gerações vindouras e para com a Natureza como um todo, reescreve o intercâmbio cultural, prestando-se atenção às culturas locais, fazendo dialogar com a linguagem técnico-científica e o senso ambiental.