Segundo Almeida (1986), a reprodução na agricultura familiar é abordada de duas formas: como reprodução cotidiana (no curto prazo) e reprodução geracional (no longo prazo). A primeira abordagem diz respeito à “como a unidade familiar se reproduz no ciclo anual, combinando trabalho, recursos naturais e conhecimento tradicional para atender ao consumo familiar”. Por outro lado, o estudo da reprodução no longo prazo considera como a unidade familiar se perpetua enquanto tal, contemplando a lógica de parentesco, através da qual se estabelecem estratégias hereditárias (ALMEIDA, 1986, p. 67). Na região das ilhas a reprodução ocorre através da hereditariedade, onde filhos herdam uma parte da terra no sítio dos pais. Isso acontece geralmente quando um filho/filha decide casar-se. Nesse momento o pai está contando que haverá a sucessão da agricultura familiar e do sítio produtivo, já que um ou mais filhos mostram interesse em permanecer no campo. De acordo com Rodrigues (2016), os filhos quando constituem família, constroem suas casas no mesmo terreno dos pais, ficando as casas próximas umas das outras, sendo que a casa do pai fica no centro. Quando isso ocorre, os pais dividem o terreno, dando para cada filho um lote de igual tamanho. Segundo os entrevistados nas comunidades do rio Maracapucu, essa transferência de terra do pai para os filhos ocorria com muita frequência em décadas passadas. A maioria dos filhos permaneciam no sítio e construíam suas casas, formando família com pessoas da própria região. Atualmente com o forte índice de migração dos jovens do campo para a cidade os agricultores mostram uma certa preocupação com a sucessão da agricultura para o futuro. Além disso, a realidade hoje tanto nos centros urbanos quanto no campo é de se ter menos filhos. Segundo autores como Carneiro (1998) e Santana, et al. (2004) ver referencias mais recentes, o decréscimo no número de filhos diminuiu o número de herdeiros potenciais, ao mesmo tempo que ocorria a elevação da escolaridade e da migração de jovens rurais. Os ribeirinhos entrevistados para este estudo têm grande desejo de ver os filhos repassando as terras em que vivem para os netos. Uma esperança desses agricultores é pela sucessão da agricultura familiar por várias gerações em diante. O desejo das famílias é que a tradição de viver no sítio e sobreviver das atividades produtivas não sejam abandonadas, não se percam no caminho. Silvestro, et al. (2001) afirma que a perda dos sucessores começa quando surge o desencontro entre a oferta de terras das gerações que envelhecem e a demanda dos jovens que não podem satisfazer suas vocações profissionais nas propriedades paternas. Segundo algumas famílias das comunidades visitadas o tamanha da terra nem sempre é suficientemente grande para dividir uma parte para cada filho, as vezes, quando acontece de um filho/a casar e a família do outro lado do casamento tem uma terra maior e bem produtiva para dar de herança para o jovem que casou é melhor que a nova família seja reproduzida nessa terra, e um dos jovens deixe o sitio dos pais para viver na terra dos sogros. E dessa forma a sucessão da agricultura familiar acontece no sítio dos pais da esposa/o e não no sítio da própria família, já que não foi possível ter um pedaço de terra para a reprodução da nova família. 6.5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Através das análises dos dados coletados, os objetivos propostos nesta pesquisa foram alcançados. Buscou-se realizar este estudo para compreender as características dos processos sucessórios na atualidade e na realidade da várzea ribeirinha, visto que nem sempre os filhos estão dispostos a seguir na mesma atividade de seus pais. O artigo conclui que, para a geração atual que reside nas comunidades visitadas existem sucessores para a agricultura de várzea. Os sucessores hoje estão em menor quantidade do que nas gerações anteriores, mas isto não coloca em risco a reprodução da unidade familiar, pois continuam a existir sucessores, e que estes tendam a assumir a unidade produtiva com mais escolaridade do que a geração anterior. Outro ponto importante que foi observado no decorrer da pesquisa é que não a escolha de sucessores para as unidades familiares, pelo menos aparentemente, não obedece a critérios de sexo ou padrões de idade ou escolaridade. Qualquer filho, homens ou mulheres, com mais ou menos tempo de estudo, se tornaram ou podem vir a se tornar sucessores. Todos os filhos são criados e educados da mesma maneira, crescem no campo e aprendem a plantar, pescar, colocar o matapi, fazer o manejo do açaizal. Eles são criados para assumir o trabalho dos pais no campo. Mas não são todos os jovens que resolvem ficar. A maioria migra do campo para cidade, em busca de trabalhos com carteira assinada e cursos superiores. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAMOVAY, R.; SILVESTRO, M.; CORTINA, N.; BALDISSERA, T.; FERRARI, D.; TESTA, V. M. Juventude e agricultura familiar: desafios dos novos padrões sucessórios. Brasilia: UNESCO, 1998, 104p. AHLERT, Lucildo. A SUCESSÃO DAS ATIVIDADES NA AGRICULTURA FAMILIAR. In: 47º SOBER - Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural, Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009. AHLERT, Lucildo; Gedoz, Sirlei Terezinha. Povoamento e Desenvolvimento Econômico na região do Vale do Taquari; RS -1822 a 1930. Estudo & Debate, Lajeado, ano 8, n. 1, 2001. ALMEIDA, Mauro William Barbosa de. 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