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VI. Contextualização

1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: CONCEITOS E HISTÓRIA

1.2. A supermodernidade e o conceito de não lugar

O espetáculo, como a sociedade moderna, está ao mesmo tempo unido e dividido. Como a sociedade, ele constrói sua unidade sobre o esfacelamento. Mas a contradição, quando emerge no espetáculo, é, por sua vez, desmentida por uma inversão de seu sentido; de modo que a divisão é mostrada unitária, ao passo que a unidade é mostrada dividida (DEBORD, 1997, p.37).

Na dinâmica do mundo contemporâneo a globalização facilita sociedades modernas de realizar suas escolhas e desenvolver suas particularidades, através de uma mobilidade generalizada.

Na dinâmica do mundo contemporâneo com a globalização e uma mobilidade generalizada, as sociedades modernas podem realizar escolhas e desenvolver particularidades com muita facilidade.

A aceleração da história corresponde de fato a uma multiplicação de acontecimentos.

O antropólogo Marc Augé (1994) denomina esse período como supermodernidade e o caracterizada pelas figuras de excesso: superabundância factual, superabundância espacial e individualização das referências, correspondendo a transformações das categorias de tempo, espaço e indivíduo.

A primeira figura de excesso se dá com a renovação da categoria tempo e se concretiza no aceleramento da história. A superabundância factual através do excesso de informações e interdependência cria a necessidade de dar sentido ao presente, diferentemente da perspectiva pós-moderna sobre a perda da inteligibilidade da história em função da derrocada da ideia de progresso (AUGÉ, 1994). Essa aceleração não é simplesmente temporal, no sentido de que os fatos aconteçam mais rápidos, mas é, além disso, a rapidez em que esses fatos são divulgados.

A história que ameaça este mundo crepuscular é também a força que pode submeter o espaço ao tempo vivido. A revolução proletária é a crítica da geografia humana, através da qual os indivíduos e as comunidades devem construir os lugares e os acontecimentos correspondentes à apropriação, já não apenas seu trabalho, mas de sua história total. Nesse espaço movente do jogo, e das variações livremente escolhidas das regras do jogo, a autonomia do lugar pode se reencontrar, sem reintroduzir um apego exclusivo ao solo, e assim trazer de volta a realidade da viagem, e da vida entendida como uma viagem que contém em si mesmo todo o seu sentido (DEBORD, 1997, p.117)

A ocorrência de fatos históricos ou até mesmo do cotidiano são conhecidos e se propagam pela sociedade na mesma velocidade em que acontecem. Assim, unidades de tempo que existiam separadamente (tempo do acontecimento + tempo do entendimento + tempo de divulgação), na chamada supermodernidade se agrupam e se multiplicam (AUGÉ, 1994).

A segunda figura de excesso de Marc Augé (1994) denomina-se superabundância espacial. Caracteriza-se com o acesso físico ou virtual mais veloz e fácil tornando o “mundo” cada vez menor, isso é mais fácil de ser visitado, conhecido ou simplesmente reconhecido. Porém, vale ressaltar que essa multiplicação de espaços, muitas vezes é virtual, ou seja, é ilusória. Os

“atuais” meios de comunicação, como internet, até mesmo o próprio telefone e a “indispensável” televisão, fazem a conexão entre espaços diversos e os seus usuários, e possibilitam um falso reconhecimento de lugares nunca visitados realmente. É nessa ilusão de abundâncias virtuais que o habitante da supermodernidade se encontra cada vez mais isolado e mais comum.

O excesso de espaço, paradoxalmente, constitui-se pelo encolhimento do mundo, que provoca alteração da escala em termos planetários através da concentração urbana, migrações populacionais e produção de não-lugares. As imagens são transmitidas por satélites e captadas por antenas nos telhados das mais afastadas cidades e estabelecem uma visão instantânea e simultânea de um acontecimento em vias de se produzir no outro extremo do planeta (AUGÉ, 1994, p. 340).

Os não-lugares se materializam: nos aeroportos, nas vias expressas, nas salas de espera, nos centros comerciais, nas estações de metrô e também nos campos de refugiados.

São lugares onde permanecemos em trânsito, em espera ou apenas de passagem (AUGÉ, 1994).

Não-lugares se consolidam na contemporaneidade supermoderna e tendem a exercer uma espécie de efeito dissolvente sobre a maneira pela qual nós nos relacionamos ou pensamos nossa identidade e a representamos.

Segundo o autor na realidade concreta do mundo de hoje, os lugares e os espaços, misturam-se, interpenetram-se. A possibilidade do não lugar nunca está ausente de qualquer lugar que seja. A volta ao lugar é o recurso de quem frequenta os não lugares. Lugares e não lugares se opõem (ou se atraem), como as palavras e as noções que permitem descrevê-las. (AUGÉ, 1994, p.98). É no anonimato do não lugar que se experimenta solitariamente a comunhão dos destinos (AUGÉ, 1994, p.110).

Produtor da supermodernidade, o não-lugar distingue-se dos lugares antropológicos carregados de conteúdos históricos e de simbolização. Os não- lugares deslocam os lugares históricos e tradicionais, na medida em que fazem desaparecer uma memória e uma ligação pessoal com aquele ambiente. Não são históricos, identitários ou relacionais, já que o sujeito não se identifica propriamente com aquele local, porque são lugares de passagem e não exigem nenhum tipo de envolvimento afetivo acerca de sua espacialidade. Mas vale

ressaltar, que em alguns casos, os não-lugares podem funcionar como lugares de envolvimento afetivo, geográfico e histórico; como exemplo no caso das pessoas em situação de rua, que ocupam o espaço urbano de forma muito peculiar de acordo com suas necessidades de sobrevivência. Ou no caso das pessoas que passam boa parte do dia em transportes públicos e que podem eventualmente se envolver emocionalmente ali. Temos também o exemplo das pessoas cujo seu ambiente de trabalho é a própria rua, onde travam suas relações sociais (AUGÉ, 1994).

A individualização das referências constitui a terceira figura de excesso. O ser humano torna-se referência para interpretar as informações que lhe chegam num processo amplo de singularização de pessoas, lugares, bens e pertencimentos. Neste processo há a perda das referências produzidas pela coletividade como a cultura, identidade e história (AUGÉ, 1994).