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Capítulo II – Enquadramento Conceptual 17

2. Ensino e Formação 25

3.2. Formação Contínua 73

3.2.3. A Supervisão, o Mentoring e os Critical Friends na Formação Contínua de Professores 98

À semelhança de outros conceitos em educação, quando se fala em supervisão e processos de mentoria, ou mentoring, não é plausível assumir entendimentos absolutamente lineares e imutáveis (Pawlas & Oliva, 2007; Coimbra et al., 2012). Corroborando esta ideia, bastará referir que até à década de 90, em Portugal, a supervisão estava praticamente confinada ao raio de ação da formação inicial, passando ulteriormente a enquadrar-se na formação contínua e em processos de avaliação de desempenho - maioritariamente tendo

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como objetivo a progressão na carreira – tendo acarretado naturais mudanças na sua estruturação e implementação (Alarcão & Tavares, 1987; Maynard, 2000; Formosinho et al., 2010; Coimbra et al., 2012).

Nesta investigação, reconhecemo-nos nas perspetivas de Nóvoa (1991) e Pawlas e Oliva (2007) ao entenderem as práticas de supervisão e de mentoria como atividades com grande pendor reflexivo e colaborativo, enquadrando a prática docente no contexto da escola, vista como organização aprendente, conceito este que será desenvolvido mais à frente.

Na implementação destas práticas, a escola pode recorrer não apenas a supervisores internos, mas também a supervisores externos, vide, elementos provenientes das instituições de ensino superior.

A origem dos termos supervisor e mentor remontam à Antiguidade. Atena era a deusa grega da sabedoria e das artes, filha predileta de Zeus. A palavra mentor significa aquele que aconselha, por ter angariado experiência e sabedoria. Historicamente, a palavra está associada ao papel daquele que traz inspiração e conhecimento e que, como instrutor ou mestre de um ofício, com o tempo vai transmitindo a arte daquele ofício ao aprendiz. Segundo Botti e Rego (2008), o mentor designa o professor que se preocupa em ensinar o aluno a aprender a aprender, principalmente na chamada Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP). Nesse cenário, o tutor ou mentor é considerado um guia, um facilitador que auxilia no processo de aprendizagem.

Segundo Cuerrier (2004), Botti e Rego (2008), mentor é a designação dada a um profissional mais experiente, ao qual cabe guiar, orientar e aconselhar um jovem a quem poderemos chamar mentorado — no início da sua carreira. O mentor tem um papel que ultrapassa a orientação para o estudo, estabelecendo uma relação complexa e multifacetada com o jovem profissional, buscando o desenvolvimento interpessoal, psicossocial, educacional e profissional. É uma relação de reciprocidade, que se firma por meio de um plano de desenvolvimento pessoal e na qual o ganho não é apenas unilateral, pois o mentor também aprende e cresce com a maneira de o jovem encarar a vida. Larkin (2003), Spicer (2004) e Tobin (2004) incluem, entre as diferentes funções do mentor, o de capacitador de um desenvolvimento ético e moral.

A mentoria tem tido, desde os anos 80, um papel importante na formação inicial, nos processos de indução e no desenvolvimento profissional contínuo dos professores. (Carruthers, 1993, citado por Field, 1994).

Tendo em conta que por vezes se podem assumir estes termos como sinónimos, considerou-se importante, de antemão, distinguir estes diferentes conceitos à luz da literatura, recorrendo-se para o efeito ao Quadro 28 (Supervisão e Mentoring).

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Quadro 28 - Supervisão e Mentoring

Conceitos Características Funções

Supervisão

Relações Interpessoais de natureza formal Relações hierarquizadas de curto-prazo

Avaliação Formativa e Sumativa

Instrutor, Modelo, Facilitador, Assessor

Mentoring

Relações Interpessoais de natureza formal ou informal, hierarquizadas ou não hierarquizadas.

Relações recíprocas de longo-prazo Avaliação Formativa

Conselheiro, Guia, Facilitador, Colaborador, Amigo, Colega, Assessor Fonte: Jaspers et al. (2014) e Ambrosetti (2015).

Ao nível da supervisão, esta contempla práticas que se revestem de uma forte relação hierárquica, onde cada interveniente conhece bem a sua função e quais os resultados pretendidos com o processo supervisivo. A literatura refere que é uma estratégia que se ajusta bem à formação inicial docente, tendo em vista a necessidade em acompanhar e avaliar o processo formativo de um candidato a professor até à sua certificação (Ambrosetti, 2015).

Por seu turno, as práticas de mentoring são consideradas complexas em que se exige ao mentor uma panóplia de conhecimentos e competências. Em síntese, estas podem resumir-se numa considerável capacidade de relacionamento interpessoal (Rippon & Martin, 2006) e, enquanto conditio sine qua non, a necessidade em se estar perante um excelente professor, capaz de transmitir todo esse conhecimento (Leatham & Peterson, 2010; Jaspers et al., 2014).

Apesar de a literatura identificar uma maior presença de práticas de mentoria na formação inicial de professores, onde as relações são mais hierarquizadas, estas podem e estão também cada vez mais presentes na formação contínua docente, enquanto facilitadoras de uma colaboração e reflexão crítica, inscritas em comunidades de aprendizagem, em que as relações são menos hierarquizadas e os professores possuem níveis de experiência mais equiparados (Long, 1997; Ambrosetti et al., 2014).

Tanto no referente ao recurso a práticas supervisivas como nas de mentoria, um denominador comum radica na existência de um referencial de professor, um elemento da classe docente que se destaque e possa ser um agente de mudança e de empowerment do outro indivíduo ou grupo, um professor de valor acrescentado, como exemplarmente refere Formosinho (2002).

Segundo alguns autores (Fullan & Hargreaves, 2000; Martinez, 2004), têm existido alguns estudos que apontam para a visão de que os professores são muito mais eficazes quando podem aprender e ser apoiados por uma comunidade de colegas e por figuras de tutor/mentor. Schõn (1983) defende a existência de um saber de referência, onde poderemos enquadrar estes tutores/mentores, estando também alinhado

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com a perspetiva da formação de professores centrada na investigação, para melhoria das suas próprias práticas.

As práticas supervisivas têm diferentes enquadramentos teóricos, importando fazer referência à designada supervisão clínica, cujo suporte teórico se pode encontrar em Cogan (1973) e Goldhammer et al. (1980) em que se assume a prática supervisiva tendente à melhoria do processo de ensino-aprendizagem, recorrendo-se, para tal, para o espaço nuclear em que este se dá, ou seja, a sala de aula, materializando- se a supervisão pela observação de aulas. Vieira (1993) apresenta um ciclo de observação de aulas, enquadrado num processo de supervisão clínica, conforme ilustra a Figura 10 (Processo de Supervisão Clínica).

Figura 10 - Processo de Supervisão Clínica

Fonte: Vieira (1993).

Outras linhas de fundamentação teórica da supervisão são, segundo Alarcão e Tavares (1987), os cenários de imitação artesanal, em que a prática supervisiva se centra no professor metodólogo que recorre a uma instrução ancorada, um cenário de prática de ensino por descoberta guiada, em que se fundamentam os estágios da formação inicial onde se procura transmitir todo um conhecimento analítico dos vários modelos de ensino e um cenário behaviorista, consistindo a prática supervisiva na identificação prévia das competências de maior utilidade para os supervisionados e onde se procura que as coloquem em prática em micro-situações (Salema, 2005).

Outros cenários estruturam-se, sobretudo, numa linha psicopedagógica em que a supervisão visa ensinar a ensinar (Stones, 1984), numa linha pessoalista, onde o foco é o autoconhecimento do sujeito e a busca do seu desenvolvimento pessoal em articulação com o desenvolvimento profissional (Elias & Merrian, 1995; Salema, 2005), numa linha reflexiva, apoiada em Zeichner (1996) onde se pretende, por intermédio da prática reflexiva, o questionamento e aprendizagens ao nível técnico-prático mas sem esquecer o nível crítico e emancipatório em que se têm em conta aspetos éticos e sociais inerentes à prática. Outros contributos, que podem ser tidos em consideração, passam por uma linha ecológica, em que se perspetiva a construção interinstitucional do conhecimento (Oliveira-Formosinho & Formosinho, 2002) e uma linha dialógica, onde se assumem processos intra e interpessoais que pretendem a construção e melhoria da educação nas escolas (Salema, 2005).

Encontro Pré- Observação Observação da Aula Encontro Pós- Observação

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O recurso a processos de supervisão, enquanto promotores da prática reflexiva, assenta nos pressupostos de que os bons profissionais são naturalmente seres reflexivos, a prática pode ser geradora de saberes teóricos e que a emergência de profissionais docentes autónomos ajudará a formar seres de igual forma autónomos (Vieira, 1993). A forma de implementação desta supervisão clínica é diversa, podendo também incidir sobre diferentes dimensões do processo de ensino-aprendizagem.

O supervisor apresenta algumas competências que lhe permite utilizar uma visão super sobre o contexto e as dinâmicas em que é chamado a colaborar, como a perspicácia do entendimento do contexto, a compreensão do que está a acontecer, a previsão do que poderia estar a acontecer e não está, encontrar as razões que o explicam, tem uma capacidade de retroação e retrovisão do que poderia ter tido lugar e não aconteceu e uma capacidade para fazer acontecer o que não teve lugar numa primeira tentativa (Stones, 1984).

Segundo MacBeath et al. (2005), o amigo crítico deverá possuir uma elevada sensibilidade, não deixando de, após um necessário período de adaptação à escola, poder constituir-se como um elemento que apoia, que desafia, que cria um ambiente colegial de reflexão, de diálogo aberto, sem medos e censuras. O desempenho destes amigos críticos está dependente de relações de maior ou menor formalidade e duração do seu trabalho. Seja qual for a forma a dinâmica adotadas, sendo o amigo crítico um elemento externo à escola, o tempo que passa na mesma é limitado, logo, poderão ser criados grupos mais específicos com que este trabalhe (MacBeath et al., 2005). Os mesmos autores adiantam que a relevância dos critical friends não se esgota no acompanhamento de docentes e chefias de topo e intermédias, sendo possível uma extensão do apoio e envolvimento junto dos pais, alunos e organismos externos à escola, que se encontrem em interação com esta.

MacBeath et al. (2005) elencam as principais competências de um amigo crítico, no desempenho da sua função, como a de um claro conselheiro científico, um organizador de processos e moderador nas reuniões, um agente motivador e facilitador que possa incentivar e gerir emoções, um elemento da rede, construindo equipas e parcerias, bem como, apoiando-se no facto de ser um elemento externo, trazer em termos gerais uma perspetiva independente e distanciada, tomando em linha de conta outras organizações e ajustando as suas abordagens e estratégias de acordo com a realidade que encontra no contexto específico em que se inseriu (Salis et al., 2015).

Uma prática muito utilizada nos anos mais recentes, por exemplo na Finlândia, consiste na mentoria inter-pares (peer-group mentoring) em que os diferentes profissionais de uma escola, entre eles os docentes, colaboram entre si numa perspetiva socioconstrutivista, tendo em vista o desenvolvimento profissional conjunto (Geeraerts et al., 2015). Este apoio entre os pares faz ainda mais sentido quando os docentes

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consideram que os conhecimentos e competências obtidos com a sua formação inicial não chegam para dar resposta aos problemas e desafios crescentes da atualidade (Tynjälä et al., 2014).