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Capítulo 3 – A competência dos Municípios na legislação ambiental

3.3 A competência legislativa do Município

3.3.2 A suplementação de lei federal

Após a análise da questão do interesse local, passa-se ao estudo do inciso II do artigo 30 da Constituição, referente à suplementação da legislação federal e estadual no que couber.

Embora a Constituição Federal não atribua expressamente ao Município a competência legislativa concorrente no artigo 24, por força do artigo 30, inciso II, está o ente menor legitimado constitucionalmente a fazê-lo, nos assuntos que lhe dizem respeito. Assim, haverá competência suplementar do ente municipal com o fim de melhor detalhar princípios ou normas gerais, ou até mesmo para suprir omissão de leis federais e estaduais.

Nesse sentido, restaria ao Município detalhar para regionalizar as normas às suas peculiaridades, desde que haja interesse local. Haverá possibilidade para

97 ANTUNES, Paulo de Bessa. Ob. Cit. p. 175. 98 MEIRELLES, Hely Lopes. Op. Cit. p. 136.

suprir as normas estaduais e federais em caso de haver um espaço normativo, a exemplo de quando puder estabelecer normas mais condizentes com a realidade ambiental local.

Pode-se dizer, assim, que ao invés do Constituinte restringir a competência suplementar dos Municípios ao rol exaustivo do artigo 24, preferiu dar uma autorização para que legislem sobre qualquer assunto de interesse predominantemente local.

A lição de José Afonso da Silva corrobora referido entendimento: “A Constituição não situou os Municípios na área de competência concorrente do art. 24, mas lhes outorgou competência para suplementar a legislação federal e estadual no que couber, o que vale possibilitar-lhes disporem especialmente sobre as matérias ali arroladas e aquelas a respeito das quais e reconheceu à União apenas a normatividade geral.”100

Complementando referida ideia, Fernanda Dias Menezes de Almeida assevera que “a Constituição não define os casos e as regras de atuação da competência suplementar do Município, que surge delimitada implicitamente pela cláusula genérica do interesse local” 101.

Referida autora ainda sugere que os Estados e Municípios poderiam suplementar para estabelecer como “obrigatória a observância de determinadas cautelas e providências na comercialização do produto” 102, mas não poderiam vedá-la quando a União tivesse liberado o produto.

Já para Jusara Aparecida Bratz103, o termo “suplementar” não poderia mais “ser visualizada como secundária, inferior, ou menos importante”. Precisaria ser dada uma interpretação conforme, de modo que “a União e o Estado não podem deixar o município em posição inferior para exercer sua autonomia nas atividades ligadas ao meio ambiente, assim como não podem minimizar ou mesmo esvaziar a competência do município para legislar sobre matéria de direito ambiental”.

No capítulo seguinte serão mais bem analisados alguns exemplos de casos concretos a respeito de proibições locais em contraposição às normas gerais

100 SILVA, José Afonso da. Op. Cit. p. 504.

101 ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Op. Cit. p. 139. 102 ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Op. Cit. p. 142.

103 BRATZ, Jusara Aparecida. Competência do município para legislar em matéria ambiental à luz do princípio da subsidiariedade. Belo Horizonte: Revista interesse público, nº 67, ano XIII, maio/junho 2011, p.

permissivas, de forma que se ficará mais fácil visualizar inúmeras possibilidades de conflitos que podem se instaurar entre as legislações ambientais de diferentes entes federados.

Por enquanto, cumpre verificar que pela leitura do inciso II do artigo 30 é possível vislumbrar a imposição de certas limitações ao poder legislativo municipal. Referidos limites parecem estar evidentes na expressão “no que couber” do referido inciso. Diante da literalidade da norma constitucional, grande parte da doutrina defende que os Municípios só poderiam criar leis ambientais que não contrariassem os parâmetros fixados pela União ou Estados104.

O Município, assim, teria competência legislativa concorrente, suplementar, de modo que suas normas deveriam estar de acordo com os regramentos estaduais e federais, não sendo possível legislar de modo contrário a essas normas. Nesse viés, a competência municipal estaria subordinada às normas estaduais e federais. O Município, ao dispor sobre essas matérias em razão de seu interesse local, não poderia ir contra o que se estabeleceu em âmbito federal e estadual, apesar de que seu interesse não fica restrito ao que tais entes estabeleceram.

Fernanda Dias Menezes assevera que seria preciso verificar quando seria cabível a legislação municipal, já se manifestando por só ser possível a “suplementação em relação a assuntos que digam respeito ao interesse local”105.

Nesse sentido, as normas ambientais Municipais deveriam estar em consonância com as da União e do Estado, não podendo dispor de forma contrária a estes. Por isso, muito se fala na existência de uma verdadeira “fidelidade federal/estadual” com relação a tais normas dos Municípios.

Diante disso, primeiramente pode-se pensar uma competência suplementar dos Municípios, sendo exercida sempre em concordância com as normas gerais da União e com as normas estaduais correspondentes. Essa correlação busca evitar que o território nacional se transforme num conjunto de ilhas, perdendo a unidade da Nação e possibilitando que interesses protecionistas criem barreiras comerciais indesejáveis.

104 MILARÉ, Édis. Op. Cit. p. 192.

De outro lado, é aceito que os Municípios podem aumentar as restrições impostas na legislação federal e estadual para assegurar maior proteção ambiental em seu território, com vistas a defender melhor as particularidades ambientais de seu local.

O cerne da discórdia, desse modo, está relacionado à possibilidade da suplementação da norma federal e estadual ser tão restritiva que acabaria por contrariar as normas gerais fixadas.

Todavia, sabendo da importância de regras ambientais mais protetivas em certas localidades específicas, bem como de que seria impossível à normatização geral da União alcançar tais “detalhes” nacionalmente considerados, não se pode extirpar sumariamente do ordenamento as leis locais, antes de se fazer uma análise do mérito das mesmas.

Isto porque, embora possa existir legislação mal intencionada, visando, por exemplo, proteger os mercados locais de certos produtos ou atividades comerciais, isso não pode servir de escusa para se execrar todas as legislações municipais ambientalmente mais restritivas.

Por isso, tentar-se-á demonstrar que ao invés de privilegiar “de olhos vendados” a norma Federal ou Estadual em matéria ambiental, poder-se-ia pensar na resolução de um conflito de normas com a prevalência da lei que for mais benéfica em relação à natureza, desde que esta tenha levado em consideração as preocupações acima discutidas.

Além disso, quando uma lei municipal e outra estadual/federal divergirem a respeito da proteção do meio ambiente, muito provavelmente estar-se-á diante de um caso concreto no qual ainda há dúvidas sobre a possibilidade ou não da atividade ou produto serem danosos ao ambiente. Nesse caso, parece prudente a aplicação do princípio da precaução, que é utilizado justamente nas situações em que a lesividade ambiental de algo não está pacificada pela ciência.

Aplicando tal solução, busca-se impedir que o dano ambiental ocorra, ainda que haja somente um risco, uma possibilidade de tal dano. Nesse viés, a utilização da legislação ambiental mais restritiva parece que melhor se coaduna com a hermenêutica do direito ambiental. Nesse sentido, inclusive, é a Lei federal nº 7.661/88,

que estabelece expressamente no §2º do artigo 5º a prevalência das disposições de natureza mais restritiva dos Estados e Municípios.

Em suma, pode-se vislumbrar que somente a implementação de uma verdadeira política ambiental municipalizada poderá alcançar a tutela efetiva da qualidade ambiental e, consequentemente, da saúde pública. Estando mais próximo dos munícipes, o poder local teria também uma maior facilidade na compreensão da problemática ambiental de seu território, de modo que suas leis podem acarretar uma melhora do ambiente, de maneira mais eficaz.

Portanto, na competência para suplementar a legislação federal e a estadual, competirá aos Municípios, especialmente, legislar supletivamente sobre o meio ambiente, assegurando maior proteção.

3.4 Os limites materiais da legislação ambiental dos