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Taxa de Preservação Ambiental em cidade litorânea

Capítulo 4 – Casos representativos da discussão

4.6 Taxa de Preservação Ambiental em cidade litorânea

Outro caso que pode ser citado quanto à competência dos Municípios para legislar sobre questões ambientais refere-se às tentativas de proteção do meio ambiente do extenso litoral brasileiro. Como exemplo, a Lei nº 547/2007, do Município de Ilhabela, instituiu a Taxa de Preservação Ambiental – TPA, com vistas à proteção dos frágeis ecossistemas litorâneos.

Válido citar os primeiros artigos da mencionada lei:

“Art. 1º - Fica instituída a TAXA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL - TPA, nos termos desta Lei, acrescentando-se no Título IV, Capítulo XIII - DA TAXA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL - TPA, de que trata o Código Tributário Municipal Lei 156/2002.

Art. 2º - A TAXA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL - TPA tem como fato gerador o exercício regular do poder de polícia municipal em matéria de proteção, preservação e conservação do meio ambiente no território do Município da Estância Balneária de Ilhabela, incidente sobre o trânsito de veículos utilizando infraestrutura física na sua jurisdição.

Art. 3º - A TAXA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL - TPA tem como base de cálculo o custo estimado da atividade administrativa em função da degradação e impacto ambiental causados pelos veículos em circulação no Município.

Art. 4º - A TAXA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL - TPA será lançada e arrecadada na saída dos veículos do território do Município, no terminal das balsas, e que será operacionalizada pela Secretaria Municipal de Finanças conjuntamente com agente de trânsito, mediante a expedição de comprovante do pagamento nos seguintes valores:

I - Para os veículos de pequeno porte (automóveis e motocicletas) - R$ 2,00 (dois reais);

II - Para veículos utilitários (caminhonetes e Volkswagem Kombi) - R$ 3,00 (três reais);

III - Para veículos de excursão - Vans - R$ 100,00 (cem reais); IV - Para microônibus - R$ 200,00 (duzentos reais);

V - Para ônibus - R$ 300,00 (trezentos reais).

Parágrafo Único - Os valores que tratam os incisos acima serão corrigidos anualmente pelo IGPM da Fundação Getúlio Vargas. (...)

Art. 6º - Os recursos obtidos através da cobrança da TAXA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL - TPA serão destinados prioritariamente a projetos de educação ambiental, limpeza e conservação das áreas ambientalmente protegidas, e serão depositados na conta do Fundo Municipal do Meio Ambiente.”

Percebe-se, portanto, que a lei tenta proteger o meio ambiente por meio da criação de uma taxa que financie os gastos públicos resultantes da degradação ambiental. Como muitas cidades litorâneas, Ilhabela recebe muitos turistas, e tal situação evidentemente causa grandes danos aos ecossistemas próximos ao mar.

Contra a referida lei, no entanto, foi proposta Ação Direta de Inconstitucionalidade. No caso, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, em 11 de setembro de 2013, decidiu, por maioria de votos, pela improcedência da ação, assegurando, assim, a manutenção da constitucionalidade da referida lei.

A Ementa do caso153 dispõe:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI N° 547/2007, DO MUNICÍPIO DE ILHABELA, QUE CRIOU A TAXA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL - VULNERAÇÃO DOS ARTS. 160, II

E 163, II, DA CONSTITUIÇÃO BANDEIRANTE –

DESCONFORMIDADE DO REGRAMENTO MUNICIPAL COM A DISCIPLINA TRIBUTÁRIA PÁTRIA, EM ESPECIAL NO QUE TANGE AO CONCEITO DE TAXA - INOCORRÊNCIA - LEI QUE OBEDECEU A TODOS OS REQUISITOS DO PROCESSO LEGISLATIVO E SIMBOLIZA A CONCRETIZAÇÃO DA

VONTADE POPULAR DEMOCRATICAMENTE

REPRESENTADA -"TAXA" QUE, À FALTA DE MELHOR DENOMINAÇÃO, SERVE COMO COMANDO COGENTE E

153 Ação Direta de Inconstitucionalidade 0067959-37.2013 - São Paulo, Rel. Desembargador Renato Nalini. Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, julgado em 11/09/2013.

ATENDE AO CAPUT DO ART. 225 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E DÁ CONCRETUDE AO DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO, FUNDAMENTO INATO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DO DIREITO À VIDA - EVIDENTE INCOMPATIBILIDADE DO PEDIDO FRENTE À MISSÃO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO - AÇÃO IMPROCEDENTE” (grifos nossos).

Os principais argumentos do Desembargador Relator Renato Nalini fundam-se na tutela do meio ambiente, cuja proteção claramente configura-se como legítimo interesse local. De acordo com o Desembargador:

“Evidente que a lei impugnada não fere o princípio da isonomia, na medida em que se destina a regular de maneira uniforme a situação dos veículos automotores, excetuados os automóveis oficiais e as ambulâncias (art. 5o, II), que não carregam placas do Município de Ilhabela. O motivo é de enorme singeleza: a Municipalidade, uma das únicas cidade-arquipélago do Brasil, em razão de seu caráter litorâneo, sofre os efeitos deletérios decorrentes do crescente fluxo de turistas. Estes ocupam a modesta infraestrutura com seus carros em feriados e finais de semana, além dos períodos de férias. Os efeitos deletérios ao equilíbrio ambiental são de conhecimento geral. Não há necessidade de erudição científica para constatá-los.

Não são os 28 mil habitantes - dados do censo de 2010 - os detratores ambientais. Mas a população flutuante, em número seguramente maior do que a população local, que usufrui do patrimônio natural que não foi criado por ação do homem. Mas que está sendo aceleradamente destruído pela insensatez humana.

A situação não é escoteira, mas análoga à do arquipélago de Fernando de Noronha. Ali, a taxa ambiental foi instituída com o fim de "garantir a utilização, efetiva ou potencial, por parte das pessoas visitantes, da infra- estrutura física implantada no Distrito Estadual e o acesso e fruição ao seu patrimônio natural e histórico, fato gerador da Taxa de Preservação Ambiental- TPA".

Assim, como esclarece o magistrado, tal previsão não é exclusividade do Município de Ilhabela, presente de forma semelhante também no arquipélago de Fernando de Noronha, no qual também há previsão de uma Taxa de

Preservação Ambiental – TPA. O Desembargador Relator Nalini ainda deixou claro que o “Município exerceu legítimo interesse e não poderia dispor sobre a matéria mediante instrumento diverso”, ou seja, dever-se-ia realmente tratar-se da figura da taxa.

É ressaltado no voto, também, o caráter excepcional da declaração de inconstitucionalidade, conforme citação de trecho do Ministro Gilmar Mendes pelo referido Desembargador:

"Ressalta-se, por um lado, que a supremacia da Constituição impõe que todas as normas jurídicas ordinárias sejam interpretadas em consonância com seu texto. Em favor da admissibilidade da interpretação conforme a Constituição, milita também a presunção da constitucionalidade da lei, fundada na ideia de que o legislador não poderia ter pretendido votar lei inconstitucional (MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional.

O controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. São Paulo:

Saraiva, 1996, p. 270.)".

Válido citar que a referida Ação Direta de Inconstitucionalidade não foi julgada improcedente por unanimidade, sendo interessante tratar brevemente dos argumentos colocados pelo Desembargador Luis Ganzerla, que proferiu o voto vencido. Para ele, “alcança-se, destarte, não se tratar de serviço público divisível, razão pela qual não se encaixa na descrição do fato gerador da taxa e, por conseguinte, inviável sua instituição e cobrança”.

Além da questão de criticar a utilização da figura da taxa para a referida situação, o magistrado também afirma que:

“Acrescente-se o fato da lei ora guerreada instituir um tratamento desigual entre contribuintes em condição equivalente, na medida em que privilegia os veículos licenciados no Município, em nítida afronta ao princípio da isonomia, nos termos dos art. 150, II, da Constituição Federal e art. 163, II, da Constituição Bandeirante.”

Nota-se, portanto, que as questões que remetem à suposta inconstitucionalidade desta lei não tratam da competência do Município para legislar sobre questões ambientais. Tanto para os Desembargadores que votaram pela improcedência da ação, quanto para o Desembargador Luis Ganzerla, que foi voto vencido, a possibilidade de o Município editar lei que procura ampliar a tutela do meio ambiente nem foi trazida como possível matéria de inconstitucionalidade.

Assim, sem adentrar no mérito da questão tributária – se poderia, ou não, o tributo ser instituído por meio de taxa –, percebe-se, uma vez mais, que não há óbice à edição de leis por parte de Municípios que visem proteger o meio ambiente equilibrado e sustentável.