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A Teologia da Parábola sobre o Perdão das Dívidas

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3.2 LANÇANDO LUZ AO PERDÃO DAS DÍVIDAS

3.2.4 A Teologia da Parábola sobre o Perdão das Dívidas

Na última parte desse capítulo abordarei a teologia que emerge dessa parábola, remetendo-a a análise do perdão das dívidas presente na quinta petição do Pai

Nosso. A SDUiERODGRµGHYHGRULPSODFiYHO¶é uma parábola referente ao perdão das dívidas, o que faz desta passagem uma elucidativa contribuição ao conteúdo da súplica de Mateus 6,12 e de seu complemento nos versículos 14 e 15. Assim como aquele, este texto também aborda o perdão e o não-perdão das dívidas nas relações humanas e na relação com Deus.

A primeira ponte de aproximação entre os dois textos (Mateus 6,12.14-15 e Mateus 18,23-35) advém do uso comum das palavras presentes em suas redações. Em Mateus 6,12 nós temos ofeléimata, ofeilétes e afêkamen; aqui temos ofeilétes,

ofeílo, ofeilómenon e afíemiSDODYUDVFXMRVUDGLFDLVVLJQLILFDPµGtYLGD¶HµSHUGRDU¶H

que resgatam o sentido pleno das tradições judaicas ligadas à idéia de um jubileu:

Tanto em Mt, 6,12 quanto em 18, 23-35 é usado um determinado termo técnico para caracterizar o perdão de dívidas. Isso não é casualidade e nem regra no mundo greco-romano. Trata-se de uma herança de tradições jubilares judaicas! Em textos veterotestamentários centrais para essas tradições, usa-se a palavra hebraica deror (Is 61 e Jr 34; Lv 25). Deror é termo técnico para caracterizar a libertação de escravos e escravas e também para o cancelamento de dívidas (veja também Ex 21 e Dt 15). Esse termo é traduzido para o grego com a palavra áfesis LVWR p ³UHPLVVmR´ ³OLEHUWDomR´ VHQGR LJXDOPHQWH WHUPR WpFQLFR SDUD R FDQFHODPHQWR GH dívidas, o perdão de dívidas (veja também Lc 4,18). [...] a conseqüência do perdão, portanto, é libertação que possibilite uma nova reconstrução de vida. É tirar as cargas que oprimem e que privam de uma vida digna. Sem o perdão não é possível construir ou reconstruir uma vida, seja pessoal, comunitária e sócio-política. O perdão é um gesto gratuito, mas vem ligado a um compromisso relacional. A graça e a gratuidade de Deus reivindicam o nosso compromisso de misericórdia, justiça e solidariedade. (RICHTER REIMER, 2006, p. 147-148).

Essa dimensão relacional na qual deve imperar a solidariedade e a misericórdia constitui-se, deste modo, como paradigma fundamental para a concretização dos tempos jubilares na vida. Essas características indicam uma disposição de interagir reciprocamente bem com os outros, lutando por espaços libertários, para que a FRQGLomR GH µSHUGRDGR¶ VHMD H[SHULPHQWDGD HP WRGRV RV QtYHLV SRU WRGDV DV pessoas.

A segunda ponte criada entre esse dois textos aponta propriamente para o perdão e o não-perdão contemplados nas relações humanas. Nestas pode manifestar-se misericórdia, como certamente se manifesta a misericórdia divina, ou pode-se contemplar a falta dela mediante a prática do não-perdão. O apelo feito na parábola é o mesmo que aparece no Pai Nosso e em seu complemento quanto ao perdão: o mesmo interesse em ser perdoado por Deus deve ser encontrado em perdoar e aceitar as pessoas.

Uma terceira ponte que podemos construir abrange o perdão das dívidas enquanto contribuição para a prática de justiça, um tema importante vivenciado na comunidade mateana. Novamente nas palavras de Richter Reimer (2006, p. 147), percebemos que

Essa comunidade é reunida a partir de pessoas distintas e empobrecidas que são irmanadas em torno de Jesus Cristo (Mt 23,6). Nessa comunidade, o poder de perdoar (Mt 18,18) deve ser usado para a construção de relações justas e igualitárias, que devem existir entre pessoas irmãs (Mt 18,21.35), porque só assim elas poderão subsistir e viver bem nessas relações que buscam construir a partir de novos paradigmas que colocam o reino de Deus e a sua justiça em primeiro lugar (Mt 6,33).

O perdão das dívidas está colocado, pois, como paradigma da relação divino- humana e das relações interpessoais, a partir do âmbito econômico-social e permeando todos os demais graus de relacionamento das pessoas entre si e destas com a divindade. A petição pelo perdão divino engloba, assim, no seu bojo, o desejo sincero de construir relacionamentos sadios, com ações jubilares que alcancem o maior número de pessoas. É a misericórdia divina ao alcance de nossa compaixão.

4 PERSPECTIVAS COMPLEMENTARES

A intenção deste capítulo é trabalhar algumas possíveis dimensões de (re)leituras da questão do perdão das dívidas, em particular, e do próprio Pai Nosso, em geral. Meu escopo configura-se em aproximar o texto trabalhado nos capítulos precedentes, especialmente quanto ao seu conteúdo, de propostas práticas de atualização do mesmo. Destaco novamente que refletir sobre o perdão das dívidas e sobre a oração é abordar assuntos próprios da condição humana, não apenas do ponto de vista espiritual, mas também material. Apontar dimensões encerra, pois, uma tentativa de contribuição à reflexão desta temática, à luz da forma na qual está sendo aqui pesquisada.

Para as reflexões pretendidas nesse espaço, resgato um conceito hermenêutico de Gadamer que nos será válido. Trata-VHGRTXHHOHLGHQWLILFDGHµFRQFHSomRSUpYLDGD SHUIHLomR¶ SHOR TXDO VRPHnte o que apresenta uma unidade de sentido completa pode tornar-se compreensível em um processo interpretativo. Essa unidade de compreensão é iniciada através da aproximação do intérprete com o objeto que pretende interpretar, na medida em que se reconhece nele (objeto) e, em seguida, como diferente dele. Entre o objeto em si e o objeto enquanto intérprete, localiza-se, para Gadamer, o verdadeiro local da hermenêutica.

Este será o referencial teórico para construir as perspectivas através das quais manifesto minha interpretação plural a respeito do Pai Nosso e do perdão das dívidas.

Tentarei, dessa forma, construir quatro perspectivas complementares através das quais, segundo meu entendimento, poderei oferecer possibilidades de atualização do texto de Mateus 6,9-13, especialmente o verso 12.

A atualização é um passo importante no labor exegético realizado utilizando-se o método histórico-FUtWLFR'HDFRUGRFRP:HJQHU S DWXDOL]DUp³FRQVWUXLU uma ponte entre o significado do texto no passado e sua relevância para os dias DWXDLV´ µ&RQVWUXLU SRQWHV¶ VLJQLILFD DVVLP DQRWDU SHUVSHFWLYDV GH OHLWXUD GR WH[WR bíblico selecionado. Ocupar-me-ei, nas próximas páginas, dessa tarefa.

Como disse, elenquei quatro dimensões hermenêuticas componentes da minha reflexão. São elas: dimensão mitológica, dimensão ética, dimensão estética e dimensão litúrgica. Entendo que são complementares na medida em que abordam aspectos distintos acerca do Pai Nosso e do perdão das dívidas, conservando, porém, um núcleo comum que perpassa todas elas. Tal núcleo se constitui exatamente a partir do conteúdo do perdão das dívidas, conforme sua composição no evangelho de Mateus, a partir da formulação da oração do Pai Nosso.

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