• Nenhum resultado encontrado

2. Estudo 1: Meninas brincam de rosa, meninos brincam de azul: representações sociais

2.1.1 A Teoria das Representações Sociais e a mídia

A maioria das relações sociais efetuadas, dos objetos produzidos e consumidos e das comunicações trocadas estão impregnados de representações sociais (Moscovici, 2012). O conceito de representações sociais (RS) foi apresentado por Serge Moscovici, em 1961, em sua obra La psychanalyse, son image et son public, fruto de sua tese de doutorado, cujo objetivo principal era compreender o que diferentes grupos sociais pensavam a respeito da psicanálise. Moscovici (2012) não estava em busca do conhecimento científico sobre o tema, mas sim do

conhecimento construído nas conversações diárias, nas “teorias ingênuas” que os grupos criam a respeito dos objetos que os cercam.

Segundo definição clássica apresentada por Jodelet (2001), formamos representações enquanto sujeitos sociais inseridos em uma determinada realidade e essas representações servem para lidar com nossas questões práticas do dia a dia. Spink (2013) ressalta que as representações, enquanto formas de conhecimento, são estruturas cognitivo-afetivas e que não podem ser reduzidas apenas ao seu conteúdo cognitivo. Nesse sentido, Moscovici (2012) aponta três dimensões que se fazem presentes em cada universo representado: a atitude (a tomada de posição em relação ao objeto – favorável ou desfavorável), a informação (organização do conhecimento que o grupo possui em relação ao objeto) e o campo da representação (a imagem formada, que está associada à ação e à prática).

As representações sociais, de acordo com seu estado de desenvolvimento e seu modo de circulação na sociedade, podem ser consideradas como hegemônicas, emancipadas ou controversas (Cabecinhas, 2004; 2009; Moscovici, 1988, grifo nosso). As representações hegemônicas compreendem os pensamentos largamente partilhados por grupos estruturados da sociedade (ex.: uma nação, um partido político, uma religião, entre outros) e que implicitamente prevalecem em todas as práticas simbólicas desses grupos. São mais uniformes e podem ser coercivas. Já as representações emancipadas, como aponta Cabecinhas (2009, p. 2), “são o produto da cooperação e da circulação de ideias entre subgrupos que estão em contato mais ou menos próximo, em que cada subgrupo cria as suas próprias versões e partilha-as com os outros”. Por fim, as representações controversas ou polêmicas são geradas a partir de um conflito social ou luta entre grupos, não sendo partilhadas pela sociedade como um todo (Cabecinhas, 2004; 2009; Moscovici, 1988).

É consenso entre os autores considerar o papel determinante do contexto na produção das RS, tanto o contexto histórico (o domínio das memórias coletivas, do imaginário social),

como o contexto vivido (a inserção socioeconômica, institucional, educacional e ideológica, ou seja, as disposições adquiridas em função da pertença a determinados grupos sociais) e também o contexto de interação entre os grupos em uma dada realidade (Spink, 2013; Moscovici, 2012; Jodelet, 2001). Assim, como conclui Jodelet (2001), as representações sociais são ligadas a sistemas de pensamento mais amplos, ideológicos ou culturais, a um estado dos conhecimentos científicos, bem como à condição social e à esfera da experiência privada e afetiva do indivíduo.

Dois processos apresentados por Moscovici (2012) são fundamentais para se compreender a gênese das representações sociais, são eles: a objetivação e a ancoragem. Sempre que um grupo se depara com um objeto novo, realiza-se esse duplo processo para elaborar conhecimento sobre ele, para transformar o não familiar em familiar. Na objetivação, como explicam as autoras Arruda (2002) e Cabecinhas (2004; 2009), o objeto até então misterioso é destrinchado, recortado, recomposto, até tornar-se algo efetivamente objetivo, palpável e que pareça natural; o objeto tende a apresentar um aspecto imagético nesse processo, transformando-se de abstrato em concreto. A ancoragem, por sua vez, é o que dá sentido ao objeto que será compreendido/representado. O sujeito social recorre ao que lhe é familiar para “fazer uma espécie de conversão da novidade” (Arruda, 2002, p. 136), parte daquilo que “se tem à mão”, ou seja, as representações inscrevem-se em quadros de pensamento pré-existentes (Jodelet, 2001; Cabecinhas, 2009). A ancoragem é, então, reveladora da forma como o objeto se insere no quadro de valores de uma determinada cultura ou sociedade (Arruda, 2002).

Muitos autores e, dentre eles, o próprio Moscovici (2012), se propuseram a compreender a função da mídia na formação das representações sociais. Jodelet (2001) defende que há três grandes fatores que devem ser levados em consideração como condições para a produção de representações sociais: a cultura, a inserção social dos sujeitos e a comunicação – intragrupo, entre grupos e a comunicação de massas. Nesse sentido, Ordaz e Vala (1997) reforçam que os meios de comunicação são sistemas com largos impactos na construção de mundo e de objetos

significantes, sendo, portanto, crucial considerar os processos comunicativos ao se estudar quaisquer RS.

A teoria da agenda-setting, desenvolvida na década de 1970 por Eugene F. Shaw, auxilia no entendimento dessa relação entre a mídia e os processos de formação do pensamento social. Segundo a teoria, em meio ao turbilhão de informações diárias noticiadas, a mídia – os jornais e/ou a publicidade – apresenta ao público uma lista de assuntos sobre os quais é necessário ter uma opinião e discutir, selecionam quais assuntos “cairão na boca do povo”, ou seja, esses meios controlam o agendamento dos assuntos em pauta e a intensidade de sua circulação (Justo, 2016; Rabelo, 2018). Portanto, é possível afirmar que as representações que circulam na sociedade guardam relação com a natureza das informações e das imagens que circulam na mídia (Justo, 2016; Moscovici, 2012). No contexto contemporâneo, o agendamento ganha uma nova força através do movimento dos usuários de mídias sociais que, de meros observadores, tornam-se potentes propagadores de informações, pressionando inclusive a mídia tradicional sobre os assuntos que acreditam ser mais relevantes (Rabelo, 2018).

Diante de todo o contexto exposto e, entendendo a publicidade como uma instância que participa ativamente na construção de valores, visões de mundo e representações de sujeitos e grupos, a presente pesquisa buscou identificar as representações sociais acerca do brincar e do brinquedo presentes nas mensagens publicitárias dirigidas ao público infantil. Mais especificamente, procura identificar: quais ideias e conceitos têm sido promovidos para as crianças? E ainda, que tipo de relação com a prática do brincar têm se incentivado?