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3.1 TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

3.1.2 A Teoria das Representações Sociais e suas abordagens teóricas

A TRS é dimensionada basicamente em três abordagens: processual, estrutural e societal. Destaca-se que não se trata de abordagens conflituosas entre si, já que se originam de uma mesma fonte. Assim, com suas contribuições peculiares, no estudo das RS, elas referem-se a formas distintas de construção da realidade social (ALMEIDA, 2009; MENDONÇA; LIMA, 2014).

A abordagem processual tem Denise Jodelet como seu principal expoente. A abordagem processual ou culturalista de Jodelet tem como base os meios de formação e circulação das representações sociais. Assim, baseia-se nos discursos geradores das RS, bem como no comportamento e nas práticas sociais dos atores,

enfatizando aspectos culturais e sociais na sua elaboração (ALMEIDA, 2009; MENDONÇA; LIMA, 2014).

A abordagem estrutural das RS tem como autor mais influente Jean-Claude Abric, da Escola de Midi. Essa abordagem destaca a organização interna das representações sociais e contribui para compreender e explicar como elas se transformam. É conhecida também como Teoria do Núcleo Central. Para essa abordagem, as representações sociais são compostas por um núcleo central e por um sistema periférico. O núcleo central define o significado e apresenta os elementos centrais das RS, sendo fortemente resistente a mudanças. Já no sistema periférico, que tem menos estabilidade, é possível identificar as diferenças individuais (ALMEIDA, 2009; MENDONÇA; LIMA, 2014).

Considerando as três abordagens contidas na grande Teoria das Representações Sociais, o foco deste trabalho será voltado às contribuições da abordagem societal, que é conhecida também como Escola de Genebra e tem Willem Doise como referência principal. A abordagem societal procura associar o individual ao coletivo, buscando explicar como as dinâmicas sociais influenciam o indivíduo na coletividade, sendo tais dinâmicas interacionais, posicionais ou de valores e de crenças gerais (MENDONÇA; LIMA, 2014; TRINDADE; SANTOS; ALMEIDA, 2014). Na abordagem societal, as RS de um objeto se expressam ou se recolocam em um processo de reconstrução simbólica, sendo possível, dessa forma, compreender a construção e manifestação do pensamento social do grupo por meio da articulação de quatro processos de análise: processos intraindividuais, interindividuais ou situacionais, intergrupais ou posicionais e societal ou ideológico (ALMEIDA, 2009; DOISE, 2010; TRINDADE; SANTOS; ALMEIDA, 2014).

A esfera de processos intraindividuais parte da análise de como os indivíduos articulam suas experiências com o mundo externo. Dessa forma, em virtude de serem localizadas nos processos individuais, as explicações relatadas nesse primeiro nível não abordam explanações sociais. Essa esfera volta-se para estudos de atividades sociocognitivas individuais e processos de categorização da percepção do indivíduo (DOISE, 2010).

Na esfera interindividual ou situacional, investigam-se nos sistemas interacionistas as elucidações das dinâmicas sociais. Nessa esfera, a interação dos indivíduos é um elemento característico, contribuindo, assim, para seus princípios explicativos, Tal esfera considera que as atividades sociocognitivas podem ser investigadas por alinhamentos interindividuais, como também por pontos de vista discordantes (DOISE, 2010).

A terceira esfera, posicional ou intergrupal, analisa as modificações de posicionamento social face aos diferentes grupos dos quais os indivíduos fazem parte. Sendo assim, as diferentes posições dos atores nas relações sociais são levadas em consideração nesse nível de análise, que, portanto, aborda elementos sociocognitivos que estão relacionados ao ambiente e posições ocupadas nos diferentes grupos sociais (DOISE, 2010).

Por fim, na quarta esfera, a societal ou ideológica, estão presentes as crenças, representações e normatizações sociais que orientam e dão sentido aos comportamentos dos indivíduos a partir de normas mais abrangentes, remetendo, assim, a questões culturais e ideológicas. Nela, são consideradas as crenças sociais, normas e realidades culturais e ideológicas de uma sociedade ou de seus grupos específicos (DOISE, 2010).

Ao se considerar os quatro níveis de análise, convém ressaltar que a finalidade não é apenas classificá-los. Sua distinção possibilita a articulação entre eles e oportuniza ao pesquisador mais do que a descrição de um nível em específico, permitindo compreender a influência mútua dos elementos neles presentes (DOISE, 2010). Assim, as inserções sociais, as experiências vivenciadas, a memória, os valores, as crenças, as relações entre grupos interferem na tomada de posição dos atores sociais, bem como no processo de formação das representações sociais.

No campo da Psicologia Social, especificamente, algumas pesquisas empíricas que utilizaram esse referencial teórico podem ser observadas. Por exemplo, a que foi realizada por Bernardes, Keogh e Lima (2008) abordou a temática gênero e dor a partir de trabalhos publicados por outros autores, buscando compreender de forma mais aprofundada os elementos psicossociais que envolvem a experiência de dor

em homens e mulheres. Para tal, a abordagem de Doise foi utilizada e possibilitou a articulação do tema por meio das quatro esferas de análise.

Assim, a partir de entendimentos individuais dos sujeitos, de elementos contextuais, das relações sociais e das ideologias, crenças e valores, os pesquisadores identificaram as representações sociais de gênero e dor por meio da abordagem societal e dimensionaram as representações sociais originárias em cada um dos quatro níveis de análise (BERNARDES; KEOGH; LIMA 2008).

Outra pesquisa que utilizou essa abordagem foi a de Torres (2015), que investigou como a representação social de conjugalidade influencia a vida conjugal de recém- casados. Para isso, a autora entrevistou casais recém-casados, abordando também os quatro níveis de análises mencionados. Os achados indicam que o nível ideológico organiza a forma como os outros níveis são construídos. Segundo a pesquisa, foram observados dois metassistemas (DOISE, 2014) na construção e desconstrução das representações sociais: os padrões tradicionais (que apresentam a dinâmica conjugal pautada pelos padrões tradicionais de gênero) e os padrões emergentes (que apresentam a dinâmica conjugal pautada por outra lógica, em que não há padrões preestabelecidos em relação ao gênero).

Souza, Serafim e Dias (2010) também utilizaram os processos de análise da construção do pensamento social proposto pela abordagem societal em sua pesquisa. Nesse caso, os autores articularam os processos intraindividuais, interindividuais e situacionais, sob a forma de sistemas de crenças, valores, símbolos e histórias que dão sentido ao papel exercido por gestores em organizações não governamentais. Os resultados direcionaram para uma multiplicidade de papéis desempenhados pelos gestores e que tem ligação com a formação profissional e a realidade social. Dessa forma, os pesquisadores destacam que os papéis assumidos pelos gestores circulam entre ações assistenciais e políticas e são intermediados pela história de vida e pela natureza das organizações da qual eles fazem parte.

As representações sociais circulam nos grupos em um processo dinâmico de reconstrução simbólica de um objeto social. A abordagem societal apresenta relevância ao possibilitar a ancoragem de um objeto social a um grupo e interligar as

dimensões individual e coletiva por meio das esferas de análises. Nesse sentido, esta pesquisa propõe-se a observar as esferas intergrupais e societal, tendo em vista que as posições e comportamentos diferenciados dos indivíduos na realidade social influenciam a formação das RS, conforme argumenta Doise (2002).

Ao se adotar os níveis de análise intergrupal e societal, presume-se que a filiação dos indivíduos a grupos de pertenças – ou seja, gestores e técnicos administrativos, nesta pesquisa, tomados como categorias – afeta diretamente o processo de constituição de uma representação social. Por fim, a adoção da esfera societal também ocorreu, pois se acredita que ela compreende como os demais níveis de análise são organizados (DOISE, 2010).