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A discussão do item “Competência e avaliação” compreende os seguintes tópicos do mundo lexical, originados da classe “Avaliação”: aspectos construtivos, desfavoráveis, corporativistas e formalísticos da avaliação.

A avaliação constitui uma prática adotada na organização Ômega com a finalidade de mensurar o desempenho dos trabalhadores na realização de atividades do seu cotidiano. Nesse processo, os sujeitos relatam a utilização de dois instrumentos, a saber: formulário de autoavaliação e formulário de heteroavaliação.

De acordo com os participantes e com a análise dos instrumentos citados nas sessões de grupos focais, verificou-se que o formulário de autoavaliação é dividido em dois eixos: operacional e comportamental. O eixo operacional avalia aspectos relacionados a conhecimento, eficácia e eficiência, enquanto o comportamental avalia aspectos envolvendo motivação e trabalho em equipe.

O formulário de heteroavaliação, por sua vez, é dividido em três eixos: operacional, organizacional e comportamental. O eixo operacional avalia elementos relacionados a conhecimento, criatividade e rendimento, enquanto o eixo organizacional avalia fatores que destacam comprometimento, responsabilidade e segurança. Por fim, o eixo comportamental é voltado para os elementos iniciativa, trabalho em equipe, relacionamento e adaptabilidade.

Caracterizados os aspectos relacionados aos instrumentos usados nos procedimentos avaliativos citados pelos participantes dos grupos focais, constata-se que os tópicos do mundo lexical evidenciados na classe “Competência e avaliação” permitem notar, em relação à prática de avaliação, a presença do formalismo (RIGGS, 2010) e do “jeitinho” (BERNARDO; SHIMADA; ICHIKAWA, 2015), entrecruzados com o corporativismo.

A avaliação é uma prática comum na organização. Os grupos valorizam a existência de tal processo, ressaltando, inclusive, as regras predominantes, eixos avaliados, aspectos positivos e apontadas algumas possíveis falhas. Porém, a avaliação é entendida de forma diferente pelos grupos. Os gestores, apesar de também apontarem para a existência de possíveis falhas nos instrumentos, defendem a utilidade da avaliação, argumentando que ela tem permitido obter resultados favoráveis.

Essa opinião, no entanto, não prevalece nas falas dos sujeitos pertencentes aos outros três grupos, situados na categoria dos técnicos administrativos, que, embora valorizem a existência de uma avaliação, demonstram não acreditar no procedimento, seja por considerá-la um instrumento ultrapassado e com perguntas repetidas ou pela presença do formalismo e da prática do “jeitinho”, um subterfúgio ou forma alternativa de manobrar a regra predominante, conforme descrevem Bernardo, Shimada e Ichikawa (2015).

Cabe uma ressalva quando se faz referência ao “jeitinho”: pelo senso comum, o “jeitinho” pode designar outro fenômeno na realidade brasileira, que é a corrupção. Entretanto, na realidade social pesquisada, o “jeitinho” está associado, principalmente, às estratégias que os sujeitos fazem uso para contornar elementos da burocracia, como a impessoalidade e o excesso de formalidades, buscando, então, na informalidade, a solução rápida de particularidades pessoais (BERNARDO; SHIMADA; ICHIKAWA, 2015).

Assim, a avaliação de desempenho a que os trabalhadores estão submetidos aponta para o cumprimento de regras que podem, não necessariamente, corresponder à ordem social. No processo, os trabalhadores adotam condutas alternativas ao cumprimento do legalmente imposto, sem, contudo, seguir o ritual determinado, como ocorre nos casos em que a avaliação é preenchida previamente ou com o “20 de cima embaixo”11

, situações relatadas pelos participantes.

Com os dados, foi possível verificar que, mesmo em processo de mudança, considerada pelo grupo dos gestores uma mudança “cultural”, a prática da avaliação na organização em que foi realizada a pesquisa continua enraizada no formalismo, no “jeitinho” e no corporativismo (BERNARDO; SHIMADA; ICHIKAWA, 2015). Esses dados parecem indicar para uma avaliação que busca mensurar diversos elementos. Contudo, não é possível afirmar que o modelo utilizado pela organização avalia a competência.

No contexto da pesquisa, os aspectos voltados para o “jeitinho” ganham fôlego, uma vez que predomina a burocracia, que, por sua vez, pode favorecer tal prática. A burocracia possui características voltadas para a racionalidade e impessoalidade, compreendendo elementos meramente técnicos, impregnados pelo formalismo, como destacado por Riggs (2010).

Em uma situação, quanto maior o grau de formalismo, menor influência terão as normas prescritas sobre o comportamento das pessoas na realidade social. Um ato é considerado “formal” em virtude de ser praticado em conformidade com dada normativa. Contudo, pode ser “formalístico” quando sua execução se torna ineficaz. Nesse sentido, o formalismo pode aumentar o hiato entre a norma e a prática, assim

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Nos procedimentos avaliativos mencionados pelos participantes dos grupos focais, 20 é a nota máxima que se pode atribuir a cada item.

como entre o trabalho prescrito e o trabalho real, conforme assegura Riggs (2010; 1964).

O “jeitinho”, por outro lado, compreende os elementos afetivos, portanto, pessoais, que são inseridos no contexto burocrático da instituição Ômega, contornando a impessoalidade das ações com vistas a desviar a ordem ou a regra predominante (BERNARDO; SHIMADA; ICHIKAWA, 2015).

Assim, a análise indica a existência de uma prática adotada pela organização para aferir o desempenho do trabalhador, que, além de indicar um modelo ferramental prescritivo utilizado por organizações contemporâneas, abarca uma prática formalística, que exorta o corporativismo e o “jeitinho” entre os sujeitos dos grupos, revelando que os profissionais se avaliam com a nota máxima, preenchem a avaliação previamente, sem seguir um ritual avaliativo de fato, o que se coaduna com situações relatadas por Bernardo, Shimada e Ichikawa (2015).

É possível que esse entendimento seja decorrente do fato de que as práticas que envolvem a abordagem da competência têm sido utilizadas de forma meramente instrumental, sem levar em consideração o contexto, o envolvimento das pessoas, compreendendo, na maioria das vezes, somente aspectos gerenciais, conforme criticado por Mello et al. (2013). Nesse sentido, quando os elementos contextuais, culturais e ideológicos são deixados à margem ao se tratar da abordagem da competência, pode-se enfatizar o aspecto instrumental em detrimento da dimensão contextual e dos saberes envolvidos.

Na fala dos participantes emergiu a questão do corporativismo na dinâmica da avaliação. O corporativismo também se propõe a contornar elementos da burocracia, contudo, assim o faz por meio da coletividade entre os membros da organização. Dessa forma, visa a resistir às normas e prescrições, além de descaracterizar a competição entre os membros de uma organização pública, conforme Sechi (2009).

O corporativismo, de certa forma, está relacionado à prática do “jeitinho”, pois ambos buscam contornar alguma prática da burocracia. Entretanto, o “jeitinho” constitui uma prática informal e camarada de contornar elementos da burocracia de maneira mais individualizada. Já o corporativismo, de acordo com o entendimento de Sechi (2009),

aproxima-se do contorno de uma prática burocrática de forma coletiva, em que integrantes de um mesmo grupo social se associam para obter uma vantagem pessoal que pode ser comum aos demais integrantes do grupo.

A categorização de um elemento a partir da inserção social dos indivíduos, a interação nos grupos, as posições ocupadas e os pressupostos contidos na memória e nas experiências vividas estabelecem a ancoragem da representação social do objeto em evidência. A partir da memória, o objeto é categorizado, rotulado e passa a ser representado no mundo exterior pelos sujeitos, remodelando comportamentos, valores e sentidos que são construídos no grupo (DOISE, 2002).

É por meio desse processo que a avaliação pode ser compreendida como um elemento que compõe as representações sociais de competência para os grupos da unidade central de administração da organização Ômega. Essa representação compreende os seguintes aspectos: avaliação como mensuração de competência, avaliação como reconhecimento de competência e avaliação como “jeitinho”, corporativismo e formalismo.

Tais aspectos influenciam o pensamento social presente na classe “Competência e avaliação”, ancorando a avaliação por meio da experiência do grupo, na memória do “sempre foi assim”, “faz-se dessa forma” do argumento de que "é importante avaliar”, “20 de cima em baixo” e no como fazer a avaliação, influenciando a formação das representações sociais entre os envolvidos.

Além disso, pode ser destacado que a avaliação compreende também a abordagem do CHA (FLEURY; FLEURY, 2001). Tal evidenciação pode ocorrer em virtude do modelo prescritivo de avaliação de desempenho utilizado na organização há tempos e que pode ter tido influência da corrente norte-americana em sua concepção.